O SOS Ação Mulher e Família possui 30 anos de trabalhos voltados à compreensão e erradicação do fenômeno da violência doméstica, sendo pioneiro no desenvolvimento de metodologias e instrumentalização para o atendimento às mulheres e suas famílias vítimas de violências físicas (com ou sem lesão), psicológicas e sexuais, tanto no contexto doméstico, de gênero ou intrafamiliar. No decorrer dos anos, percebemos que é fundamental respeitar o tempo e os recursos internos e externos da mulher vitimizada, para sua compreensão e rompimento do ciclo da violência. A partir desta percepção, as profissionais do SOS desenvolveram uma das metodologias de trabalho no formato de grupo operativo, que tem maior resolutividade no contexto da violência e que possibilita o fortalecimento do vínculo entre equipe interdisciplinar e a usuária, facilitando o acompanhamento, a orientação e a construção de estratégias para a efetiva libertação da mulher frente à violência sofrida. Destaque-se que no cultivo da capacidade da usuária é transversalmente alcançado o agressor, que pela modificação do comportamento da companheira revê seu próprio papel no relacionamento de ambos. O grande trunfo do Grupo de Acompanhamento é ser alimentado pela força da usuária, que cada vez mais toma para si a responsabilidade de gerenciar suas próprias decisões, positivando seus pensamentos no apoio recebido da equipe.
terça-feira, 26 de abril de 2011
Carta em Homenagem à Mirian Martins - por Lucia Octaviano
Esta carta é uma homenagem à menina Mirian Martins, de 14 anos de idade, moradora da região metropolitana de Campinas/SP, brutalmente assassinada, com requintes de maldade e horror. Como morreu há poucos dias -- seu corpo foi encontrado em 01 de novembro de 2010, no momento que escrevo ainda não foram concluídas as investigações para se saber se o crime foi passional ou não. De qualquer forma, Mirian é mais uma história medonha e revoltante que se junta a de tantas outras, como as de Eliza e Eloah, vítimas da violência de gênero, um massacre em massa que o Brasil vivencia diariamente por todo seu território.
Ironicamente, estávamos no dia de estréia do I Seminário de Gênero e Violências que o SOS/AMF organizou. Estávamos todas ocupadíssimas, correndo para os preparativos finais do evento.
A tia de Mirian, Vera, que sempre nos auxilia com a limpeza, com seu jeito meigo e quase conformado, foi quem nos relatou o acontecido. Mas tenho certeza que tantas e tantas outras famílias, infelizmente, teriam história igual a contar. Meu lamento a todas elas.
A divulgação desta é uma forma de se trazer a discussão sobre o tema à tona.
Ironicamente, estávamos no dia de estréia do I Seminário de Gênero e Violências que o SOS/AMF organizou. Estávamos todas ocupadíssimas, correndo para os preparativos finais do evento.
A tia de Mirian, Vera, que sempre nos auxilia com a limpeza, com seu jeito meigo e quase conformado, foi quem nos relatou o acontecido. Mas tenho certeza que tantas e tantas outras famílias, infelizmente, teriam história igual a contar. Meu lamento a todas elas.
A divulgação desta é uma forma de se trazer a discussão sobre o tema à tona.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
O SOS/AMF NA UNISAL EM AMERICANA/SP
"Atendendo ao pedido da Professora Margareth Maria Pacchioni, Coordenadora do Curso de Serviço Social da UNISAL, na Unidade Universitária de Americana, o SOS participou do encontro de supervisores de estágio ocorrido no dia 15 de abril passado, no Campus Maria Auxiliadora, quando ministrei a palestra “Estratégias de ações profissionais no trabalho com mulheres vítimas de violência, uma abordagem interdisciplinar”.
No espaço se tratou a questão da mulher vitimizada na perspectiva das técnicas de abordagem da situação familiar, bem como das estratégias da prevenção do fenômeno da violência intrafamiliar, tendo em vista as diretrizes da Política Nacional da Assistência Social e o eixo da “matricialidade familiar”.
Estavam presentes no encontro assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, outros profissionais de equipe técnica interdisciplinar e estagiários, que atuam com família nas organizações públicas, privadas e do terceiro setor, com o objetivo de todos juntos buscarmos formas de aprimorar nossos conhecimentos e implementar técnicas de abordagens inovadoras no campo social.
Também se contou com as importantes participações de Léa Amábile, presidente do Conselho da Mulher de Americana, e de Maria Cristina Ticianelli, Assessora Executiva da Secretaria de Saúde de Americana, coordenando o Projeto de Violência da Secretaria de Saúde do município.
A conversa foi muito enriquecedora e produtiva, e a UNISAL está de parabéns por investir na ideia da importância da participação do aluno como estagiário nos atendimentos especializados, visando à formação de profissionais muito mais completos e competentes no futuro.
Agradeço a atenção e o carinho de todos que ali me receberam em especial a Professora Margareth, pessoa de sensibilidade única, inteiramente voltada à seriedade e ao aprimoramento profissional.''
Lúcia Helena Octaviano
Advogada e Coordenadora Técnica SOS/AMF
terça-feira, 19 de abril de 2011
Correio Braziliense - 19/04 - Violência contra mulheres no interior do Brasil resiste ao tempo
A filha de Maria Eva morreu em de Planaltina de Goiás (GO) após receber 57 facadas: "Ela falava que ia ganhar na loteria para tirar a gente daqui"
A violência no interior do Brasil resiste ao tempo. Perpetua-se pela vulnerabilidade das vítimas e pelas falhas do Estado. Enquanto houve um aumento médio de 30% nos casos de femicídio — assassinato de mulheres —, na última década, no Brasil, o recorte desse tipo de crime no interior do país é ainda mais preocupante. No Pará, o crescimento foi de 256%. Passou de 63 casos para 226. Na Paraíba, em 2000, 44 mulheres foram assassinadas, segundo dados do Ministério da Saúde. No ano passado, 112.
“O drama das mulheres no interior é que elas estão longe das delegacias e de outros serviços de assistência. Muitas vezes, elas começam a sofrer pequenas manifestações de violência e, como não têm a quem recorrer, vão crescendo numa escalada que pode chegar ao homicídio”, afirma a psicóloga Lenira Silveira, que trabalhou durante 18 anos na Casa Eliane de Gramont, instituição de São Paulo especializada em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica.
Na zona rural de Planaltina de Goiás, Andréia da Silva Oliveira foi assassinada aos 15 anos com uma peixeira. Acabava ali o sonho de ser mãe que a acompanhava desde pequena. Ela ainda brincava de bonecas quando descobriu estar grávida de um casal de gêmeos. Recebeu 57 facadas de Francisco das Chagas Cardoso, 54 anos.
Os dois trabalhavam na feira central da cidade. Um interesse não correspondido teria sido a motivação para o assassinato. Mesmo após um ano e três meses da morte de Andréia, o pai dela, Damião Caetano de Oliveir, 42, entra e sai da sala da casa onde mora e se mostra transtornado em recuperar na memória os detalhes do crime que destruiu os planos ainda imaturos da filha. “Ela falava que ia ganhar na loteria para tirar a gente daqui”, emociona-se Maria Eva Pereira, mãe da jovem assassinada.
Herança
“O que se percebe é que nessas regiões ainda predomina uma situação patriarcal e o domínio masculino. A mulher ainda é vista como objeto, como propriedade do homem, que não trata a companheira com respeito, mas à base da submissão. Assim, quando a mulher faz qualquer coisa errada ou tem algum vacilo, o homem recorre à violência e não ao diálogo”, afirma o delegado de Barbalha (CE), Marcos Antonio dos Santos. Na região, 173 mulheres foram mortas nos últimos 10 anos. Boa parte dos crimes na zona rural. Para conter os assassinatos, segundo o delegado, é preciso muito mais do que a criação de delegacias e juizados especializados. “Só mesmo um trabalho de conscientização para que os filhos desses agressores tenham mais respeito com as futuras mulheres.”
No Vale do Jequitinhonha (MG), Luciene Pereira de Sousa foi assassinada com golpes de foice, em 11 de fevereiro deste ano, pelo ex-namorado, o lavrador Antônio Rodrigues dos Santos, 21 anos. O irmão da jovem, Gleuson Pereira de Sousa, ao tentar defendê-la, teve o antebraço esquerdo decepado, mas resistiu aos ferimentos. Antônio foi preso no dia seguinte em Araçuaí, cidade vizinha a Novo Cruzeiro, onde o crime ocorreu. Ele confessou ter premeditado a morte da ex. Integrante de uma família de quatro irmãos, Luciene era muito tímida e quase nunca ia à área urbana.
Amedrontada e querendo esquecer a tragédia, a família da adolescente deixou a comunidade do Córrego do Rabelo. Mora hoje em Grupiara, localidade de difícil acesso na zona rural de Novo Cruzeiro, a 44 quilômetros da sede do município. No lugar, só se chega de moto, a cavalo ou a pé devido à precariedade das estradas da região.
A violência no interior do Brasil resiste ao tempo. Perpetua-se pela vulnerabilidade das vítimas e pelas falhas do Estado. Enquanto houve um aumento médio de 30% nos casos de femicídio — assassinato de mulheres —, na última década, no Brasil, o recorte desse tipo de crime no interior do país é ainda mais preocupante. No Pará, o crescimento foi de 256%. Passou de 63 casos para 226. Na Paraíba, em 2000, 44 mulheres foram assassinadas, segundo dados do Ministério da Saúde. No ano passado, 112.
“O drama das mulheres no interior é que elas estão longe das delegacias e de outros serviços de assistência. Muitas vezes, elas começam a sofrer pequenas manifestações de violência e, como não têm a quem recorrer, vão crescendo numa escalada que pode chegar ao homicídio”, afirma a psicóloga Lenira Silveira, que trabalhou durante 18 anos na Casa Eliane de Gramont, instituição de São Paulo especializada em atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica.
Na zona rural de Planaltina de Goiás, Andréia da Silva Oliveira foi assassinada aos 15 anos com uma peixeira. Acabava ali o sonho de ser mãe que a acompanhava desde pequena. Ela ainda brincava de bonecas quando descobriu estar grávida de um casal de gêmeos. Recebeu 57 facadas de Francisco das Chagas Cardoso, 54 anos.
Os dois trabalhavam na feira central da cidade. Um interesse não correspondido teria sido a motivação para o assassinato. Mesmo após um ano e três meses da morte de Andréia, o pai dela, Damião Caetano de Oliveir, 42, entra e sai da sala da casa onde mora e se mostra transtornado em recuperar na memória os detalhes do crime que destruiu os planos ainda imaturos da filha. “Ela falava que ia ganhar na loteria para tirar a gente daqui”, emociona-se Maria Eva Pereira, mãe da jovem assassinada.
Herança
“O que se percebe é que nessas regiões ainda predomina uma situação patriarcal e o domínio masculino. A mulher ainda é vista como objeto, como propriedade do homem, que não trata a companheira com respeito, mas à base da submissão. Assim, quando a mulher faz qualquer coisa errada ou tem algum vacilo, o homem recorre à violência e não ao diálogo”, afirma o delegado de Barbalha (CE), Marcos Antonio dos Santos. Na região, 173 mulheres foram mortas nos últimos 10 anos. Boa parte dos crimes na zona rural. Para conter os assassinatos, segundo o delegado, é preciso muito mais do que a criação de delegacias e juizados especializados. “Só mesmo um trabalho de conscientização para que os filhos desses agressores tenham mais respeito com as futuras mulheres.”
No Vale do Jequitinhonha (MG), Luciene Pereira de Sousa foi assassinada com golpes de foice, em 11 de fevereiro deste ano, pelo ex-namorado, o lavrador Antônio Rodrigues dos Santos, 21 anos. O irmão da jovem, Gleuson Pereira de Sousa, ao tentar defendê-la, teve o antebraço esquerdo decepado, mas resistiu aos ferimentos. Antônio foi preso no dia seguinte em Araçuaí, cidade vizinha a Novo Cruzeiro, onde o crime ocorreu. Ele confessou ter premeditado a morte da ex. Integrante de uma família de quatro irmãos, Luciene era muito tímida e quase nunca ia à área urbana.
Amedrontada e querendo esquecer a tragédia, a família da adolescente deixou a comunidade do Córrego do Rabelo. Mora hoje em Grupiara, localidade de difícil acesso na zona rural de Novo Cruzeiro, a 44 quilômetros da sede do município. No lugar, só se chega de moto, a cavalo ou a pé devido à precariedade das estradas da região.
Correio Braziliense – 17/4/11 - Fácil de matar. Série traça o novo cenário das mortes femininas no país
Elas são assassinadas por pais, irmãos, companheiros, traficantes e aliciadores - homens que acreditam ter o poder de decidir sobre a vida. Série de reportagens do Correio iniciada neste domingo (17/4) mostra a escalada dos homicídios de mulheres no país.
Gilmara de Oliveira, 28 anos, celebra a primeira gravidez. Fernanda Martins, 32, escolhe vestidos para levar as três filhas à igreja. Maria do Socorro da Silva, 27, está na fila do embarque para voltar ao Brasil, depois de trabalhar por 24 meses na Espanha. Geysa Maciel dos Santos Cruz, 23, procura uma casa para morar com o filho Carlos Ralf, de 8. Tudo não passa de desejo de familiares e amigos que ficaram na saudade. As histórias das quatro mulheres foram interrompidas um pouco antes do fim da gestação, da seleção das roupas, do início do voo, da formatura de Ralf. Gilmara, Fernanda, Socorro e Geysa estão mortas. Foram assassinadas de forma covarde em 1998, 2002, 2009 e 2011, respectivamente. Deixaram de viver por serem mulheres.
Maria Maciel mostra a foto de Geysa, a filha morta pelo companheiro há 10 dias.
Não são as únicas. Facadas, tiros, pedradas, golpes de foices e de machados foram os modos de assassinar 4,5 mil mulheres no ano passado em todo o Brasil. É fácil matá-las. Estupros coletivos, torturas psicológicas e físicas, negligência e discriminação — ora mascarada, ora pública — sufocam diariamente brasileiras. De todas as idades — desde a menina de dois anos estuprada e morta a golpes de enxada no interior do Ceará à senhora de 76 anos estrangulada pelo companheiro no Rio de Janeiro. E de todas as classes sociais.
A elevada proporção de mortes de homens — cerca de 90% das vítimas de homicídios — esconde o fenômeno do femicídio, ainda pouco estudado no país. O Brasil não produz estatísticas oficiais de homicídios por sexo, na contramão de países vizinhos que, além de monitorarem as mortes de mulheres, tipificam o crime em leis. Costa Rica, Guatemala, Chile, Colômbia e El Salvador incorporaram no ordenamento jurídico a definição do femicídio. México, Argentina e República Dominicana também estão discutindo alterações na legislação. Em toda a América Latina, o ritmo acelerado com que esses homicídios crescem indica o massacre por questões de gênero.
A série de reportagens “Fácil de matar”, que o Correio publica a partir de hoje, traça o novo cenário das mortes femininas no país. Estimativas obtidas pela reportagem apontam o aumento médio de 30% nesses crimes na última década. No Pará, chegou a 256%. Em Alagoas, 104%. A violência doméstica, sem resposta eficiente do Estado, apesar da aprovação da Lei Maria da Penha, persiste. Mas são cada vez mais comuns as mortes encomendadas por organizações criminosas, ligadas ao narcotráfico, às redes de exploração sexual e às máfias das fronteiras.
Durante os últimos dois meses, a reportagem buscou os crimes, as vítimas e identificou os algozes, todos homens. A covardia segue uma mesma lógica, fundamentada em repetidas violações de direitos. Ao longo da produção da reportagem, pelo menos 286 mulheres foram mortas no país. As tragédias — que serão contadas ao longo da semana — se perpetuam nas capitais, no interior e ultrapassam fronteiras, fazendo vítimas do outro lado do Oceano Atlântico. Em meio às histórias, uma mulher foi escolhida para dar voz às sobreviventes, reféns agora do medo. Tereza teve mais de 40% do corpo queimado depois de o marido derramar gasolina nela e atear fogo. Preso, ele não desistiu de matá-la.
Invisíveis
A dificuldade em mapear as informações é a primeira comprovação da invisibilidade do problema para o Poder Público. O levantamento feito pela reportagem considerou dados das secretarias de segurança pública, das polícias e dos movimentos feministas. Em média, 4,6 mulheres são assassinadas por 100 mil habitantes do sexo feminino, podendo mais que dobrar em algumas cidades. Os índices se igualam ou mesmo superam, sozinhos, a taxa total de homicídios, incluindo mulheres e homens, de países europeus ocidentais (3 a 4 por 100 mil), da América do Norte (2 a 6) e na Austrália (2 a 3). Em relação à América Latina, o Brasil perde apenas para lugares como El Salvador, Guiana e Guatemala, onde grupos de direitos humanos já atuam para reverter o caos provocado pelas mortes. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As únicas informações oficiais disponíveis no Brasil são do Ministério da Saúde, com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Divergem, no entanto, dos números da segurança pública e são prejudicadas por subnotificações. A série histórica das certidões de óbito comprova o aumento dos homicídios no país. Passa de 3,6 mil em 1996 para 4 mil em 2006. O próprio governo critica os dados. A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, ligada à Presidência da República, ignora o fenômeno. Em nenhum dos pontos destacados pelo Plano Nacional de Políticas para Mulheres, a redução dos assassinatos aparece. Segundo a ministra Iriny Lopes, a prioridade é a prevenção da violência. As expectativas de reverter a matança recaem agora sobre a primeira mulher eleita para ocupar o Palácio do Planalto. Dilma Rousseff prometeu, no discurso de posse, “glorificar a vida de cada uma das brasileiras”.
A elevada proporção de mortes de homens — cerca de 90% das vítimas de homicídios — esconde o fenômeno do femicídio, ainda pouco estudado no país. O Brasil não produz estatísticas oficiais de homicídios por sexo, na contramão de países vizinhos que, além de monitorarem as mortes de mulheres, tipificam o crime em leis. Costa Rica, Guatemala, Chile, Colômbia e El Salvador incorporaram no ordenamento jurídico a definição do femicídio. México, Argentina e República Dominicana também estão discutindo alterações na legislação. Em toda a América Latina, o ritmo acelerado com que esses homicídios crescem indica o massacre por questões de gênero.
A série de reportagens “Fácil de matar”, que o Correio publica a partir de hoje, traça o novo cenário das mortes femininas no país. Estimativas obtidas pela reportagem apontam o aumento médio de 30% nesses crimes na última década. No Pará, chegou a 256%. Em Alagoas, 104%. A violência doméstica, sem resposta eficiente do Estado, apesar da aprovação da Lei Maria da Penha, persiste. Mas são cada vez mais comuns as mortes encomendadas por organizações criminosas, ligadas ao narcotráfico, às redes de exploração sexual e às máfias das fronteiras.
Durante os últimos dois meses, a reportagem buscou os crimes, as vítimas e identificou os algozes, todos homens. A covardia segue uma mesma lógica, fundamentada em repetidas violações de direitos. Ao longo da produção da reportagem, pelo menos 286 mulheres foram mortas no país. As tragédias — que serão contadas ao longo da semana — se perpetuam nas capitais, no interior e ultrapassam fronteiras, fazendo vítimas do outro lado do Oceano Atlântico. Em meio às histórias, uma mulher foi escolhida para dar voz às sobreviventes, reféns agora do medo. Tereza teve mais de 40% do corpo queimado depois de o marido derramar gasolina nela e atear fogo. Preso, ele não desistiu de matá-la.
Invisíveis
A dificuldade em mapear as informações é a primeira comprovação da invisibilidade do problema para o Poder Público. O levantamento feito pela reportagem considerou dados das secretarias de segurança pública, das polícias e dos movimentos feministas. Em média, 4,6 mulheres são assassinadas por 100 mil habitantes do sexo feminino, podendo mais que dobrar em algumas cidades. Os índices se igualam ou mesmo superam, sozinhos, a taxa total de homicídios, incluindo mulheres e homens, de países europeus ocidentais (3 a 4 por 100 mil), da América do Norte (2 a 6) e na Austrália (2 a 3). Em relação à América Latina, o Brasil perde apenas para lugares como El Salvador, Guiana e Guatemala, onde grupos de direitos humanos já atuam para reverter o caos provocado pelas mortes. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As únicas informações oficiais disponíveis no Brasil são do Ministério da Saúde, com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Divergem, no entanto, dos números da segurança pública e são prejudicadas por subnotificações. A série histórica das certidões de óbito comprova o aumento dos homicídios no país. Passa de 3,6 mil em 1996 para 4 mil em 2006. O próprio governo critica os dados. A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, ligada à Presidência da República, ignora o fenômeno. Em nenhum dos pontos destacados pelo Plano Nacional de Políticas para Mulheres, a redução dos assassinatos aparece. Segundo a ministra Iriny Lopes, a prioridade é a prevenção da violência. As expectativas de reverter a matança recaem agora sobre a primeira mulher eleita para ocupar o Palácio do Planalto. Dilma Rousseff prometeu, no discurso de posse, “glorificar a vida de cada uma das brasileiras”.
Lei diz que mulheres ameaçadas devem ter a proteção do Estado
Goiânia (GO) — 48 horas. Foi o tempo que Luciana Silva Cardoso, 28 anos, levou para esvaziar o guarda-roupas, avisar amigos e familiares da mudança repentina e deixar Samambaia com destino à capital de Goiás. Buscava abrigo na casa dos pais. O motivo: medo. 48 horas. Era o tempo que o Estado tinha para garantir a proteção de Luciana. As ameaças do marido foram registradas no Boletim de Ocorrência nº 6378/2007-0, na 32ª Delegacia de Polícia. Carlos Roberto Santos Lima tentou agredi-la com uma faca. Foi preso em flagrante e solto em seguida, pagando R$ 150 de fiança, no mesmo dia em que Luciana saiu de casa. As medidas protetivas foram negadas porque as autoridades entenderam que a solicitação estava “desprovida de qualquer indício mínimo que possa corroborá-la nesta oportunidade.”
[FOTO2]48 horas. Tempo suficiente para Carlos descobrir o paradeiro de Luciana, ameaçar a cunhada, Lucimar, que também registrou a perseguição no BO nº 6.666/2007, e viajar até Goiânia. Durante uma semana, Carlos rondou a casa dos sogros e torturou a família com telefonemas.
Era domingo de festa. Luciana tinha preparado o bolo de aniversário de seis anos para a filha do meio. Depois do parabéns, todos assistiam televisão. Por volta das 20h, ouviram um barulho. Não deu nem tempo de levantar do sofá para conferir. Carlos arrombou a porta da cozinha e esfaqueou Luciana, que logo caiu no chão. Não parou. As crianças gritavam, e o pai, Benedito Cardoso, tentou jogar uma cadeira no genro. Mas não tinha forças para impedir uma filha de ser morta dentro de casa de novo.
Cinco anos antes, em outro domingo de festa na família, Fernanda, que também tinha feito o bolo — desta vez para o tio — foi esfaqueada pelo marido no banheiro de casa. O casal estava brigado e ela buscava refúgio na casa dos pais. O corpo foi encontrado pela única filha, que levava doces para a mãe. Poucas horas antes de matar Fernanda, Vilmar Cândido pediu dinheiro emprestado para Benedito. Com isso, bancou sua fuga para o Pará. “A gente segura na mão de Deus para suportar toda essa dor de novo. Não deu tempo nem de cicatrizar”, diz Onofra Silva, mãe das meninas. “Na primeira hora você não acredita que vai viver tudo outra vez . Tem mesmo que ter muita fé”, completa o pai.
O casal ainda enfrentou a ira do genro Carlos Roberto, que mandava recados dizendo que iria matar toda a família, inclusive suas três filhas. Passaram a dormir na casa do advogado da família, de parentes. Mudaram-se de cidade. O tormento só acabou com a prisão dele, às vésperas do Natal daquele ano. Vilmar também foi preso pouco tempo depois. “Não sabemos como vai ser quando eles saírem. Temos a Justiça divina, mas a dos homens também precisa funcionar”, afirma Onofra, recordando que uma das filhas pediu ajuda às autoridades. “Ela não ficou calada. Só não foi ouvida.”
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, transformou-se num marco na luta contra a violência doméstica no país. A legislação, no entanto, não trata dos homicídios. Tem como objetivo garantir a proteção das mulheres e evitar, ainda que de uma forma indireta, as mortes. As medidas protetivas fazem parte desse pacote, mas ao redor do Brasil casos como o de Luciana se repetem. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos, foi assassinada pelo ex-marido, no início do ano passado, em Belo Horizonte. As imagens das câmaras de segurança flagraram a ação. Fábio Willian apontou a arma para ela e atirou sete vezes. Ela já tinha feito pelo menos oito boletins de ocorrência contra ele.
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília Lia Zanotta Machado diz que o Brasil se diferencia de outros países nos assassinatos femininos porque os algozes são muitas vezes da própria família. “As relações violentas masculinas contra mulheres se dão em torno do controle, do poder e dos ciúmes. Os atos tendem a ser de violência cotidiana e crônica física, psíquica. Podem e desencadeiam em morte”, explica Lia, em seu livro Feminismo em Movimento. Desde ontem, o Correio mostra na série de reportagens “Fácil de Matar” o fenômeno do femicídio: assassinatos em que as vítimas são escolhidas pelo gênero.
Na última década, o aumento médio de homicídios de mulheres foi de aproximadamente 30%. No entanto, esses crimes não têm uma política específica, como as agressões. Não são nem registrados em delegacias especializadas. Depois da morte consumada, o caso é tratado como qualquer outra morte. E nas varas e juizados de violência doméstica, menos de um terço dos 331.796 procedimentos envolvendo a matéria já tiveram sentença. Os dados são do último balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
[FOTO2]48 horas. Tempo suficiente para Carlos descobrir o paradeiro de Luciana, ameaçar a cunhada, Lucimar, que também registrou a perseguição no BO nº 6.666/2007, e viajar até Goiânia. Durante uma semana, Carlos rondou a casa dos sogros e torturou a família com telefonemas.
Era domingo de festa. Luciana tinha preparado o bolo de aniversário de seis anos para a filha do meio. Depois do parabéns, todos assistiam televisão. Por volta das 20h, ouviram um barulho. Não deu nem tempo de levantar do sofá para conferir. Carlos arrombou a porta da cozinha e esfaqueou Luciana, que logo caiu no chão. Não parou. As crianças gritavam, e o pai, Benedito Cardoso, tentou jogar uma cadeira no genro. Mas não tinha forças para impedir uma filha de ser morta dentro de casa de novo.
Cinco anos antes, em outro domingo de festa na família, Fernanda, que também tinha feito o bolo — desta vez para o tio — foi esfaqueada pelo marido no banheiro de casa. O casal estava brigado e ela buscava refúgio na casa dos pais. O corpo foi encontrado pela única filha, que levava doces para a mãe. Poucas horas antes de matar Fernanda, Vilmar Cândido pediu dinheiro emprestado para Benedito. Com isso, bancou sua fuga para o Pará. “A gente segura na mão de Deus para suportar toda essa dor de novo. Não deu tempo nem de cicatrizar”, diz Onofra Silva, mãe das meninas. “Na primeira hora você não acredita que vai viver tudo outra vez . Tem mesmo que ter muita fé”, completa o pai.
O casal ainda enfrentou a ira do genro Carlos Roberto, que mandava recados dizendo que iria matar toda a família, inclusive suas três filhas. Passaram a dormir na casa do advogado da família, de parentes. Mudaram-se de cidade. O tormento só acabou com a prisão dele, às vésperas do Natal daquele ano. Vilmar também foi preso pouco tempo depois. “Não sabemos como vai ser quando eles saírem. Temos a Justiça divina, mas a dos homens também precisa funcionar”, afirma Onofra, recordando que uma das filhas pediu ajuda às autoridades. “Ela não ficou calada. Só não foi ouvida.”
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, transformou-se num marco na luta contra a violência doméstica no país. A legislação, no entanto, não trata dos homicídios. Tem como objetivo garantir a proteção das mulheres e evitar, ainda que de uma forma indireta, as mortes. As medidas protetivas fazem parte desse pacote, mas ao redor do Brasil casos como o de Luciana se repetem. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos, foi assassinada pelo ex-marido, no início do ano passado, em Belo Horizonte. As imagens das câmaras de segurança flagraram a ação. Fábio Willian apontou a arma para ela e atirou sete vezes. Ela já tinha feito pelo menos oito boletins de ocorrência contra ele.
A professora do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília Lia Zanotta Machado diz que o Brasil se diferencia de outros países nos assassinatos femininos porque os algozes são muitas vezes da própria família. “As relações violentas masculinas contra mulheres se dão em torno do controle, do poder e dos ciúmes. Os atos tendem a ser de violência cotidiana e crônica física, psíquica. Podem e desencadeiam em morte”, explica Lia, em seu livro Feminismo em Movimento. Desde ontem, o Correio mostra na série de reportagens “Fácil de Matar” o fenômeno do femicídio: assassinatos em que as vítimas são escolhidas pelo gênero.
Na última década, o aumento médio de homicídios de mulheres foi de aproximadamente 30%. No entanto, esses crimes não têm uma política específica, como as agressões. Não são nem registrados em delegacias especializadas. Depois da morte consumada, o caso é tratado como qualquer outra morte. E nas varas e juizados de violência doméstica, menos de um terço dos 331.796 procedimentos envolvendo a matéria já tiveram sentença. Os dados são do último balanço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Palestra do SOS/AMF no Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia
No dia 24 de março, eu (Lúcia) e Grace estivemos no Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia, regional sudoeste da cidade de Campinas, participando de um encontro em grupo promovido quinzenalmente, voltado à discussão de temas de interesse da própria comunidade, que tem o charmoso nome de chá, conversa e simpatia.
O convite nos foi feito pela Fabiana, assistente social, e pela Sueli, psicóloga da entidade, profissionais exemplares que dedicam verdadeiro carinho ao trabalho que desenvolvem. O encontro foi muito produtivo, o grupo era participativo e questionador, e tratamos do tema da equidade de gêneros, os papéis sociais impostos a homens e mulheres, a cultura de que cada um tem sua função predefinida e imutável; também falamos um pouco sobre de onde vêm esses conceitos, que não nos são explicitamente ensinados, mas estão enraizados em cada um de nós.
E é uma experiência muito gratificante ver que as pessoas, mesmo as de idade mais avançada, estão cada vez mais se dispondo a entender conceitos e valores que visem à melhora de nossa sociedade como um todo, buscando uma forma de fortalecer o vínculo da família com base no respeito e no amor ao próximo.
Nosso trabalho é moroso e de formiguinha. Contudo, é por meio dessas discussões que sementes são lançadas e modificam as pessoas, que passam a enxergar a vida sob outro prisma, a ótica da sociedade justa e pacífica, firmada em valores de direitos humanos e cidadania, na igualdade entre os gêneros.
Agradecemos demais a oportunidade de conhecer pessoas tão maravilhosas e engajadas, que frequentam o grupo com prazer, que utilizam o espaço para exposição de ideias e crescimento humano. Saber que padrões arcaicos estão sendo aos poucos desconstruídos alivia nossa alma, e nos lembra que sempre vale à pena se investir na família, célula primeira e principal da sociedade que vivemos.
Dra. Lúcia Helena Octaviano
Advogada e Coordenadora do SOS Ação Mulher e Família