quinta-feira, 2 de agosto de 2012


Por Mariana Sanches

No Brasil, as estatísticas do câncer de mama assustam: uma mulher morre a cada 36 minutos por conta da doença. Organização criada por brasileiros e americanos arrecada dinheiro para comprar e doar mamógrafos para os rincões mais carentes do país

DONA ROSA, A FILHA E OS DOIS NETOS, ANTES DO EXAME. ELA ESTAVA PREOCUPADA DE TER QUE TIRAR A ROUPA EM PÚBLICO

O sorriso fácil não esconde um brilho de medo e dúvida nos olhos negros. Há 12 anos, Maria de Jesus Ferreira Leal, de 37, suspeita que por trás da fartura dos seios, que alimentaram seus quatro filhos, se esconda um inimigo mortal. Ao longo desses anos, ela não se lembra de nenhum dia que não tenha sentido dor na mama esquerda. Recentemente, gotas de sangue brotaram de seu mamilo. O temor dela é reeditar a história da tia, que sofreu com câncer de mama.

Dado o histórico familiar e os sintomas preocupantes, Maria já deveria ter realizado uma mamografia há tempos. Mas nem a saúde pública local nem o orçamento da família Leal permitiram. Maria mora em uma palafita na Ilha do Pau Rosa, em Marajó, Pará. Ali, não há sequer posto de saúde. Consultas médicas dependem de uma viagem de 24 horas em um barco, pelo Rio Pará, até Belém. O trajeto, desgastante, não sai por menos de R$ 30, um preço alto para quem depende do dinheiro do Bolsa-Família para viver. Conseguir marcar um exame de mamografia nos concorridos hospitais públicos da região exigiria muito mais tempo e dinheiro do que Maria poderia custear. Para tentar aplacar o incômodo, ela recorria a qualquer pílula que tivesse e tomou até antigripal. Se não curavam as dores no peito, os comprimidos davam algum alento a sua angústia. 

Graças a um improvável encontro com as altas sociedades brasileira e americana, Maria conseguiu fazer sua primeira mamografia recentemente. O encontro começou a ser gestado há cerca de cinco anos, quando a americana Bárbara Sobel era embaixatriz dos Estados Unidos no Brasil. Bárbara, cuja mãe morreu de câncer de mama, engajou-se em formar uma cooperação entre os países da América para pesquisar e combater a doença. Ela imaginou uma organização, batizada de "Américas Amigas", capaz de arrecadar dinheiro para comprar e doar mamógrafos para os rincões mais carentes do Brasil.

ROSA MARIA TAVARES, DE 54 ANOS, NUNCA TINHA OUVIDO FALAR SOBRE MAMOGRAFIA. ACREDITAVA SE TRATAR DE UM EXAME NA BARRIGA

Eike Batista, Gucci e os mamógrafos 

Em um país onde uma mulher morre a cada 36 minutos por conta da doença, o acesso ao diagnóstico é um problema evidente. “Infelizmente, o auto-exame sozinho não é capaz de detectar nódulos malignos no início, quando eles ainda são curáveis“, afirma Francisca de Paula Harley, presidente da organização. “Só a mamografia é capaz de fazer esse diagnóstico mais preciso. Como o acesso ao exame ainda é difícil, quase metade dos casos de câncer de mama das brasileiras são detectados já em estágio avançado. Duas em cada cinco mulheres não sobrevivem por causa disso.” Bárbara e Francisca convocaram amigos ilustres, como o casal Adrienne e Nelson Jobim, então ministro da defesa do Brasil e Chella Safra, mulher do banqueiro Moise Safra, para transformar o sonho em máquinas de mamografia. As doações vieram de gente como o bilionário empresário Eike Batista e de marcas como Gucci e Microsoft. E já foram convertidas em 20 aparelhos (cada um custou cerca de R$ 220 mil), espalhados por nove estados brasileiros.

Falta mamógrafo no Brasil? 

Um cruzamento entre os dados de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA), de 2010, indica que não há falta de mamógrafos no Brasil. O país possui 32,6 mil mulheres com idade superior a 40 anos e que, por isso, deveriam se submeter à mamografia uma vez ao ano, segundo a recomendação do Ministério da Saúde. Os 7,9 mil mamógrafos existentes no país seriam, em tese, capazes de fazer 32,8 mil exames por ano e, portanto, dariam conta da demanda nacional. Mas a estatística é uma distorção da realidadeAssim como acontece com a renda, o problema dos mamógrafos está na má distribuição. Norte e Nordeste tem déficit de aparelhos. “Quando meu marido era ministro da Defesa, eu o acompanhei em visitas aos batalhões de fronteira e vi o quanto as pessoas da região norte são desamparadas. Quem remedia a situação ali são os médicos do Exército e da Marinha, que percorrem a região“, afirma Adrienne Jobim. “Fizemos um levantamento e verificamos que no estado do Pará só havia 27 mamógrafos. Então, sugeri que a "Américas Amigas" fizesse uma parceria com a Marinha para doar aparelhos para lá”. Em 2010, dois navios foram equipados com mamógrafos especialmente adaptados para compensar o balanço das águas e não prejudicar a qualidade das imagens feitas pelos aparelhos. A iniciativa é inédita no mundo. Leia mais

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