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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Há fórmula para manter a mente saudável?

Diversos livros de autoajuda e matérias divulgadas pela imprensa vivem dando orientações e dicas para manter a mente saudável, mas até que ponto isso é factível e depende apenas do nosso esforço e dedicação aos propalados ensinamentos divulgados? Recebo muitos pacientes em grande sofrimento e sentimento de culpa por não conseguirem, apesar do enorme esforço, gerenciar melhor as situações de estresse ou conflito psicológico, mesmo dedicando-se aos ensinamentos dos mestres da autoajuda. Até que ponto tudo depende só do nosso próprio esforço e determinação?

Hoje sabemos que o meio ambiente hostil, com traumas ou lesões de diversas origens, pode levar ao “silenciamento” ou desligamento de alguns genes do cromossomo e isso ser responsável por algumas doenças mentais. É o que denominamos de “epigenética”, área de estudos em franca ebulição na psiquiatria atual.

Traumas ou situações adversas sofridos até dentro do ambiente uterino, durante a gravidez, podem ser responsáveis por doenças mentais no futuro. Entre os principais traumas temos a negligência, a rejeição materna, quadros infecciosos, desnutricionais e até de violência na gravidez.

 Mulheres com histórico de abuso físico e sexual na infância e adolescência têm um risco muito aumentado de transtornos mentais como transtorno bipolar, depressão e até transtorno de personalidade borderline – é bom frisarmos que as mulheres, em geral, têm um risco duas a três vezes maior para alguns transtornos mentais quando comparadas aos homens e prometo voltar, no futuro, nesse tema da maior prevalência de transtornos mentais no sexo feminino. Portanto, apesar da grande plasticidade do nosso cérebro, sempre refazendo suas conexões sinápticas entre os neurônios, alguns traumas, infelizmente, podem ter um impacto psíquico muito mais significativo em determinados indivíduos vulneráveis.

A capacidade de gerenciar o nível de estresse hostil do dia a dia é algo a ser desenvolvido ao longo da vida e depende de vários fatores. Cada ser humano tem a sua própria capacidade de resiliência. Há diferenças genéticas na forma como as pessoas lidam com a dor ou sofrimento e até conseguem tirar grandes aprendizados e lições de superação, levando a um crescimento psíquico importante. Portanto, temos capacidades de resiliência com limites diferentes.

 Algumas características de personalidade podem ajudar ou prejudicar o ser humano. Pessoas mais inflexíveis, insensíveis, com baixa tolerância à frustração e à dor ou com baixa autoestima têm uma tendência maior a terem transtornos psíquicos.

Saber lidar com as diferentes fases ou transições de nossas vidas, com ressignificações das experiências de vida, também contribui para diminuir a chance de um transtorno mental.

 A dança dos hormônios também pode aumentar a vulnerabilidade de algumas mulheres aos sintomas psíquicos em determinados períodos de transição como o pré-menstrual, o pós parto e a perimenopausa (período que antecede a menopausa em cerca de 5 anos e é caracterizado por grande flutuação dos níveis hormonais). A psicoterapia também é um instrumento valioso na elaboração de traumas, conflitos e na correção de distorções cognitivas ou comportamentos patológicos e que predispõem aos transtornos mentais. 

O desenvolvimento da identidade e unidade do ser humano é outro ganho da psicoterapia, ou seja, ela ajuda na capacidade do ser humano em se conhecer melhor.

Não desqualifico o papel de hábitos e comportamentos de vida saudáveis e construtivos (alimentação correta, atividades físicas regulares, atividades de lazer, atitudes altruístas ou de generosidade e religiosidade) na prevenção do estresse em muitos casos. Mas, é fundamental que as pessoas entendam que as vulnerabilidades biológicas podem ser diferentes e tais medidas podem não funcionar para todos.

 Portanto, manter a mente saudável é uma grande conquista de cada ser humano e que precisa ser analisada dentro do contexto de vida de cada pessoa, sem regras ou imposições inócuas que podem levar à discriminação injusta de alguns indivíduos pela sociedade. 

Todos podemos aprender com o sofrimento, mas cada um dentro de suas condições biológicas e vivências históricas – além das sequelas individuais geradas por consequências distintas causadas pelas situações estressoras.

É fácil, em saúde mental, ficar dando dicas ou receitas de bolo e até alguns desses gurus da mídia que eu conheço vivem tomando antidepressivos e ansiolíticos, o que contradiz e desmoraliza, parcialmente, seus ensinamentos generalizados de autoajuda.

Prof. Dr. JOEL RENNÓ JR
Ph.D em Ciências.
Professor Colaborador Médico do Departamento de Psiquiatria da FMUSP.
Diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq-USP).
Coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Médico do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein - SP.

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