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terça-feira, 31 de março de 2015

Para Brasília, só com passaporte

A proposta inconstitucional da redução da maioridade penal vai mostrar quem é mais corrupto: se o povo ou o Congresso


 30 MAR 2015

No filme Branco Sai, Preto Fica, em cartaz nos cinemas do Brasil, para alcançar Brasília é preciso passaporte. O elemento de ficção aponta a brutal realidade do apartheid entre cidades-satélites como Ceilândia, onde se passa a história, e o centro do poder, onde a vida de todos os outros é decidida. Aponta para um apartheid entre Brasília e o Brasil. Ao pensar no Congresso Nacional, é como a maioria dos brasileiros se sente: apartada. O Congresso mal iniciou o atual mandato e tem hoje uma das piores avaliações desde a redemocratização do Brasil: segundo o Datafolha, só 9% considera sua atuação ótima ou boa, 50% avalia como ruim ou péssima. É como se houvesse uma cisão entre os representantes do povo e o povo que o elegeu. É como se um não tivesse nada a ver com o outro, como se ninguém soubesse de quem foram os votos que colocaram aqueles caras na Câmara e no Senado, fazendo deles deputados e senadores, é como se no dia da eleição tivéssemos sido clonados por alienígenas que elegeram o Congresso que aí está. É como se a alma corrompida do Brasil estivesse toda lá. E, aqui, o que se chama de povo brasileiro não se reconhecesse nem na corrupção nem no oportunismo nem no cinismo.
Há, porém, uma chance desse sentimento de cisão desaparecer, e o Brasil testemunhar pelo menos um grande momento de comunhão entre o Congresso e o povo. Alma corrompida com alma corrompida. Cinismo com cinismo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pode decidir, nesta semana, pela admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93. Ela reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Se isso acontecer, a proposta, que estava engavetada desde o início dos anos 90, terá vencido uma barreira importante e seguirá seu caminho na Câmara e no Senado. Diante do Congresso mais conservador desde a redemocratização, com o crescimento da "bancada da bala", formada por parlamentares ligados às forças de repressão, há uma possibilidade considerável de que seja aprovada. E então o parlamento e o povo baterão com um só coração. Podre, mas uníssono.
A redução da maioridade penal como medida para diminuir a impunidade e aumentar a segurança é uma fantasia fabricada para encobrir a verdadeira violência. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Mas são eles que estão sendo assassinados sistematicamente: o Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte por fatores externos de adolescentes no país, enquanto para a população total corresponde a 4,8%. Mais de 33 mil brasileiros de 12 a 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. Se as condições atuais prevalecerem, afirma o Unicef, até 2019 outros 42 mil serão assassinados no Brasil.
Quem está violando quem? Quem não está protegendo quem? Quem deve ser responsabilizado por não garantir o direito de viver à parte das crianças e dos adolescentes?
Há uma verdade mais dura sobre nós: a da nossa alma corrompida
Ainda assim, mais de 90% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada em 2013 pela Confederação Nacional dos Transportes, aprovam que se coloque adolescentes em prisões que violam as leis e os direitos humanos mais básicos, no quarto sistema carcerário mais populoso do mundo, em flagrante colapso e incompetente na garantia de condições para que uma pessoa construa um outro destino que não o do crime. Se aprovada essa violação da Constituição, a segurança não vai aumentar: o que vai aumentar é a violência. E a capacidade da sociedade brasileira de produzir crime disfarçado de legalidade.
Parte da sensação de que há um exército de crianças e adolescentes perversos, prontos para atacar “os cidadãos de bem”, costuma ser atribuída à enorme repercussão de crimes macabros com a participação de menores de idade. Aquilo que é exceção, ao ser amplificado como se fosse a regra, regra se torna. As estatísticas desmentem com clareza esse imaginário, mas o sentimento, reforçado por parte da mídia, seria mais forte do que a razão. Viraria então uma crença sobre a realidade, manipulada por todos aqueles que dela se beneficiam para justificar seus lucros, seus empregos e sua própria violência, esta sim amparada em números bem eloquentes.
Essa é uma parte da verdade, mas não toda. É a parte da verdade benigna para a sociedade brasileira, que só apoiaria a redução da maioridade penal por ser iludida e manipulada pela mídia ou pelos deputados ou pela indústria da segurança. Manipulada por alguém, um outro esperto e diabólico, que a levaria a conclusões erradas para obter benefícios pessoais ou para corporações públicas e privadas. Seria um alento se essa fosse a melhor explicação, porque bastaria o esclarecimento e o tratamento correto dos fatos, para que a sociedade chegasse a uma análise coerente da realidade e à óbvia conclusão de que a redução da maioridade penal só serviria para produzir mais crime contra os mesmos de sempre.
Os mesmos que clamam pela redução da maioridade penal convivem sem espanto com o genocídio da juventude negra e pobre das periferias
Há, porém, uma verdade mais dura sobre nós. É a da nossa alma apodrecida por um tipo de corrupção muito mais brutal do que a revelada pela Operação Lava Jato, com consequências mais terríveis do que aquela apontada com tanta veemência nas ruas. A cada ano, uma parte da juventude brasileira, menor e maior de idade, é massacrada. E a mesma maioria que brada pela redução da maioridade penal não se indigna. Sequer se importa. No Brasil, sete jovens de 15 a 29 anos são mortos a cada duas horas, 82 por dia, 30 mil por ano. Esses mortos têm cor: 77% são negros. Enquanto o assassinato de jovens brancos diminui, o dos jovens negros aumenta,como mostra o Mapa da Violência de 2014.
Há uma parcela crescente da juventude negra, pobre e moradora das periferias que morre antes de chegar à vida adulta. Num país em que a expectativa de vida alcançou os 74,9 anos, essa parcela morre com idade semelhante à de um escravo no século 19. E isso não causa espanto. Ninguém vai para as ruas denunciar esse genocídio, clamar para que ele acabe. São poucos os que se indignam e menos ainda os que tentam impedir esse massacre cotidiano.
Como é que vivemos enquanto eles morrem? Como é que dormimos com os gritos de suas mães? Possivelmente porque naturalizamos a sua morte, o que significa compreender o incompreensível, que dentro de nós acreditamos que o assassinato anual de milhares de jovens negros e pobres é normal. E, se essa é a realidade, a de que somos ainda piores do que os senhores de escravos, o que essa verdade faz de nós?
Acontece a cada dia. E a maioria das mortes nem merece uma menção na imprensa. Quando eu era repórter de polícia e ligava para as delegacias perguntando o que tinha acontecido nas madrugadas, sempre tinha acontecido, mas era visto como um desacontecido. “Não aconteceu nada”, era a invariável resposta dos policiais de plantão. Tinham morrido vários, mas eram da cota (sim, as cotas sempre existiram) dos que podem morrer. Estas seriam as mortes não investigadas, as mortes que não seriam notícia. Crime que merecia investigação e cobertura, já era bem entendido, era de branco e, de preferência, rico, ou pelo menos classe média. Dizia-se, no passado, que a melhor escola do jornalismo era a editoria de polícia. Era, de fato, a melhor escola para compreender em profundidade as engrenagens que movem a sociedade brasileira, porque já na primeira aula se aprendia que a morte de uns é notícia, a de outros é estatística.
Assim como os senhores de escravos internalizaram que os negros eram coisas, ou, conforme o momento histórico, uma categoria inferior na hierarquia das gentes, mais de um século depois da abolição oficial da escravatura, a sociedade brasileira naturalizou que existe uma parte da juventude negra que pode ser morta ao redor dos 20 anos sem que ninguém se espante. Se de fato fôssemos pessoas decentes, não era isso o que deveríamos estar gritando em desespero nas ruas? Mas nos corrompemos, ou nunca conseguimos deixar a condição de corruptos de alma.
Em vez disso, clama-se pela redução da maioridade penal, para colocar aqueles que a sociedade não protege cada vez mais cedo em prisões onde todos sabem o quanto é corriqueira a rotina de torturas e estupros, sem contar a superlotação que faz com que em muitas celas seja preciso alternar os que dormem com os que ficam acordados, porque não há espaço para todos ficarem deitados. Como se já não soubéssemos que as unidades que internam adolescentes infratores, contrariando a lei, são na prática prisões, infernos em miniatura, com todo o tipo de violações dos direitos mais básicos. Alguém, nos dias de hoje, pode alegar desconhecer que é assim? E então, como é possível conviver com isso?
O debate na Comissão de Constituição e Justiça desceu a níveis de cloaca
Em 24 de março, no debate sobre a redução da maioridade penal na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado “delegado” Éder Mauro (PSD-PA) afirmou, conforme cobertura do portal jurídico Jota no Twitter: “Não podemos aceitar que, assim como o Estado Islâmico, que mata sob a proteção da religião, os menores infratores, bandidos infratores, menores desse país, matam sob a proteção do ECA”. Como uma asneira desse porte não vira escândalo? Comparar a lei que ampara as crianças e os adolescentes com as (des)razões alegada pelo Estado Islâmico para decapitar e queimar pessoas é uma afronta à inteligência, mas a discussão na Câmara sobre um tema tão crucial desce a esse nível de cloaca. A sessão foi encerrada depois de um bate-boca em que foi preciso separar outros dois deputados. E, assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das leis mais admiradas e copiadas no mundo inteiro, mas que infelizmente até hoje não foi totalmente implementada, é colocada na mesma frase que o Estado Islâmico. Colegas me sugeriram que não deveria dar espaço a uma declaração e a um deputado desse calibre, mas ele está lá, eleito, bem pago e vociferando bobagens perigosas no parlamento do país. É preciso levar muito a sério a estupidez com poder, uma lição que já deveríamos ter aprendido.
Os manifestantes de 15 de março, que protestaram contra a corrupção, tiraram selfies com uma das polícias que mais mata no mundo
É verdade que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. É o que descobriu Alan de Souza Lima, de 15 anos, em fevereiro, na favela de Palmeirinha, em Honório Gurgel, subúrbio do Rio. Morreu com o celular na mão, e só por isso deixou de ser apenas estatística para virar narrativa, com nome e sobrenome e uma história nos jornais. Alan estava conversando com mais dois amigos e gravava um vídeo no celular. Acabou documentando a sua agonia, depois de ser baleado pela polícia. Como de hábito, a corporação alegou o famoso “confronto com a polícia”, o argumento padrão com que a PM costuma justificar sua assombrosa letalidade, uma das campeãs do mundo. E de imediato acusaram os três de estarem armados e de resistirem à prisão. Mas Alan morria e gravava. A gravação, que foi para a internet, mostrava que não resistiram. Chauan Jambre Cezário, de 19 anos, foi baleado no peito. Ele vende chá mate na praia e sobreviveu para dizer que nunca usou uma arma. A culpa dos garotos era a de viver numa favela, lugar onde a lei não escrita, mas vigente, autoriza a PM a matar. No vídeo há uma frase que deveria estar ecoando sem parar na nossa cabeça. Quando um dos policiais pergunta aos garotos por que estavam correndo, um deles responde:
- A gente tava brincando, senhor.
A frase deveria ficar ecoando na nossa cabeça até que tivéssemos o respeito próprio de nos levantarmos contra o genocídio cotidiano de parte da juventude do Brasil.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
A gente tava brincando, senhor.
 A gente tava brincando, senhor. E então o senhor atirou. Feriu. Matou.
Aqueles que foram para as ruas bradar contra a corrupção tiraramselfies com uma das polícias que mais mata no mundo. Só a Polícia Militar do Estado de São Paulo, governado há mais de 20 anos pelo PSDB, matou, em 2014, uma pessoa a cada dez horas. Se os manifestantes que tiraram selfies com a PM no protesto de 15 de março na Avenida Paulista admiram a corporação pela eficiência, precisamos compreender o que esses brasileiros entendem por corrupção, no sentido mais profundo do conceito.
Numa pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), intitulada “Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo”, as pesquisadores Jacqueline Sinhoretto, Giane Silvestre e Maria Carolina Schlittler chegaram a conclusões estarrecedoras. Pelo menos 61% das vítimas mortas por policiais são negras. E mais da metade tem menos de 24 anos. Já 79% dos policiais que mataram são brancos. O fator racial é determinante: as ações policiais vitimam três vezes mais negros do que brancos. As mortes são naturalizadas: apenas 1,6% dos autores foram indiciados como responsáveis pelos crimes. É a Polícia Militar a responsável por 95% da letalidade policial no estado de São Paulo.
Em fevereiro, a PM de Salvador executou 12 jovens no bairro de Cabula. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Onze. Doze.
O que o governador da Bahia disse, depois dos corpos tombados no chão pela polícia que comanda? A comparação jamais deve ser esquecida. Depois de parabenizar a PM, Rui Costa (PT-BA) comparou a posição do policial diante de suspeitos a de “um artilheiro em frente ao gol, que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol”. Rui Costa foi aplaudidíssimo.
O futebol continua dizendo muito sobre o Brasil: botar uma bala no corpo de um negro é o mesmo que fazer gol, diz o governador baiano
É isso. Enfiar uma bala no corpo de jovens negros e pobres das periferias é fazer como a Alemanha no icônico 7X1 contra o Brasil: “botar a bola dentro do gol”. E isso dito não nos tempos de Antônio Carlos Magalhães, o poderoso coronel da Bahia, mas pelo governador do Partido dos Trabalhadores, supostamente de esquerda. O futebol continua dizendo muito sobre o Brasil.
É por isso que, no filme Branco Sai, Preto Fica, quem é negro e pobre precisa de passaporte para entrar em Brasília. O título do filme é a frase berrada pela polícia ao invadir um baile no “Quarentão”, na Ceilândia, na noite de 5 de março de 1986, onde jovens dançavam, depois de passar a semana ensaiando os passos. A PM entrou gritando: “Puta de um lado, Veado do outro. Branco sai, Preto fica". Quase três décadas depois, Marquim do Tropa e Shockito são atores interpretando em grande parte o seu próprio papel. Marquim para sempre numa cadeira de rodas pelo tiro que levou, Shockito com uma perna mecânica depois de ter perdido a sua pisoteada por um cavalo da polícia. Resultado do Branco Sai, Preto Fica daquela noite. Sem passaporte para fora do massacre porque, na condição de pretos, eles ficaram.
Branco Sai, Preto Fica tem sido descrito como uma mistura especialmente brilhante entre documentário e ficção científica, com nuances de humor. Ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília de 2014 e chegou há pouco aos cinemas do país. Para mim, o filme de Adirley Queirós se iguala, na potência do que diz sobre o Brasil e na forma criativa como diz, às dimensões do já mítico Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues. São filmes que falam de Brasis diferentes, em momentos históricos diferentes, e, também por isso, falam do mesmo Brasil.
É do futuro, do ano de 2073, que vem outro personagem, Dimas Cravalanças, cuja máquina do tempo é um contêiner. A Ceilândia do presente lembra, sem necessidade de nenhum esforço de produção, um cenário pós-apocalíptico. Cravalanças tem a missão de encontrar provas para uma ação contra o Estado pelo assassinato da população negra e pobre das periferias. A voz que o orienta do futuro alerta: “Sem provas, não há passado”.
A Comissão da Verdade da Democracia vai investigar os crimes cometidos pelo Estado
Só na ficção para responsabilizar o Estado pelo genocídio cotidiano da juventude pobre e negra? Quase sempre, sim. Mas algo se move na realidade, com pouco apoio da maioria da sociedade e escassa atenção da mídia. No fim de fevereiro, foi instalada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio”. Sua criação é uma enormidade na história do Brasil, um marco. Depois de apurar os crimes da ditadura, uma comissão para investigar os crimes praticados pelo Estado na democracia. Em busca de provas no passado recente para que tenhamos um futuro.
“Mães de Maio”, que empresta o nome à comissão, é um grupo de mulheres que perderam seus filhos entre 12 e 20 de maio de 2006, quando uma onda de violência tomou São Paulo a partir de confrontos da polícia com o crime organizado. Foram 493 mortes neste período, pelo menos 291 delas ligadas ao que se convencionou chamar de “crimes de maio”. Pelo menos quatro pessoas continuam desaparecidas. Edson Rogério, 29 anos, filho de Debora Maria da Silva, líder do “Mães de Maio”, foi executado com cinco tiros. A suspeita é de que os autores do assassinato sejam policiais. Segundo Debora, seu filho gritava antes de ser morto: “Sou trabalhador!”. Seu assassinato segue impune. Edson morreu na mesma rua que, como gari, havia varrido pela manhã.
Nem as centenas de assassinatos de maio de 2006, nem as mortes aqui relatadas ocorridas há pouco, exemplos do genocídio cotidiano, moveram sequer um milésimo da revolta provocada por crimes com a participação de menores em que foram assassinados brancos de classe média ou alta. Seria demais esperar que um assassinato fosse um assassinato, independentemente da cor e da classe social? Menos que isso é aceitar que a vida de uns vale mais do que a de outros, e que essa hierarquia é dada pela cor da pele e pela classe social. Se é assim que você compreende o valor de uma pessoa, diga o que você é diante do espelho. Não para o mundo inteiro, para você mesmo já basta.
Sim, esse Congresso comandado por dois políticos investigados por corrupção é, ressalvando as exceções, que também existem, uma vergonha. Mas minha esperança é que, no que se refere à proposta inconstitucional da redução da maioridade penal, o Congresso seja melhor do que o povo brasileiro. Tenha grandeza histórica pelo menos uma vez e diga não a nossas almas tão corrompidas.
Enquanto isso se desenrola em Brasília, vá ver Branco Sai, Preto Fica. Ao sair do cinema, você saberá que um jovem, quase certamente negro, morreu assassinado no Brasil enquanto você estava lá.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site:descontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter:@brumelianebrum

EXPOSIÇÃO DO 4º CONCURSO DE FOTOGRAFIA DO SOS AÇÃO MULHER E FAMÍLIA NO SENAC LAPA SCIPIÃO

Agradecemos a todos que participaram do concurso, em especial aos fotógrafos que tiveram suas fotos selecionadas.

Fizeram tanto sucesso as fotos selecionadas no 4o Concurso de Fotografia do SOS Ação Mulher e Família, uma parceria da ONG SOS Ação Mulher e Família com o Núcleo de Fotografia de Campinas, que várias unidades do nosso parceiro Senac tiveram interesse em expô-las durante o mês de março. Além do Senac Campinas, a exposição ocorreu no Senac Limeira e no Senac Osasco. 

E agora a exposição está no Senac Lapa Scipião.

Rua Scipião 67 - Lapa

São Paulo - SP  CEP: 05047-060
Telefone: (11) 3475-2200  Fax: (11) 3475-2299
E-mail: lapascipiao@sp.senac.br

segunda-feira, 30 de março de 2015

Menina síria se rende ao confundir câmera fotográfica com uma arma

28/3/2015
Crianças são marcadas desde muito jovens pela violência no país
Do R7
Menina síria se rende ao confundir câmera com um rifle
Reprodução/Huffpost
Um fotógrafo capturou nesta sexta-feira (27), na Síria, a imagem de uma criança que se rendeu em frente à sua câmera. Segundo informações do site Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir o equipamento com um rifle.
O profissional que registrou a imagem queria retratar a realidade das crianças sírias, e não imaginou que a menina iria pensar que ele estava apontando uma arma para ela.
A fotografia mostra um exemplo de crianças que são marcadas desde muito jovens pela violência da sangrenta guerra civil que assola a região.
A imagem é a prova de que crianças de cinco anos já entendem como funcionam as armas e sabem como reagir para pedir socorro ou paz diante de um rifle.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que cerca de 14 milhões de crianças são afetadas pelos conflitos na síria.

Redução da Maioridade Penal: projeto social de Campinas mostra outra solução

Projeto de ONG de Campinas é pioneiro na cidade e mostra que a redução da maioridade penal não é o caminho para a redução da violência: 88% dos jovens que participam do projeto não reincidem em atos infracionais. Depois de cumprirem medida socioeducativa, estes jovens e adolescentes participam de oficinas de arte-educação, e encontram o primeiro emprego. Dados mostram que somente 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros cometeu ato contra a vida.

O projeto Ateliê Escola – Convivência e Arte, desenvolvido pelo Centro de Educação e Assessoria Popular – CEDAP, em Campinas, desde 2011, é pioneiro na cidade no atendimento de jovens e adolescentes que já cumpriram medida socioeducativa. Com oficinas de arte-educação, encontros de famílias, atividades coletivas e ações socioambientais pontuais, o projeto mostra que outra solução (contrária à redução da maioridade penal hoje em pauta no País) é possível para mudar a vida de jovens que cometem atos infracionais.

“Reduzir a maioridade penal vai apenas reforçar a situação de exclusão social que estes meninos e meninas já enfrentam durante toda sua vida”, ressalta Mariana Saes, coordenadora do Ateliê Escola no CEDAP. Dados da UNICEF mostram que “no Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que autores de atos de violência. Dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu ato contra a vida” demonstra nota do UNICEF de 20 de março de 2015. Por outro lado a violência contra os jovens é imensa, conforme mostram os dados do Mapa da Violência/2014 - “o Brasil mata 30 mil jovens por ano, e destes, quase 80% são negros”.

Em Campinas, o projeto Ateliê Escola reforça a relevância do trabalho das Organizações da Sociedade Civil na inclusão e atendimento destes jovens e adolescentes: “88% dos jovens e adolescentes participantes do projeto do CEDAP não reincidem, ou seja, não cometem novos atos infracionais”, acrescenta Mariana Saes. O Ateliê Escola tem patrocínio da Petrobras conquistado por meio de edital e a meta de atendimento é de 60 adolescentes/jovens e suas famílias, totalizando 200 atendidos. A seleção pública da Petrobras em 2012 teve 2.589 propostas de instituições de todos os estados brasileiros e o CEDAP foi um dos escolhidos na linha de atuação “Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e Qualificação Profissional”.

Mais informações sobre o projeto Ateliê Escola:
CEDAP – Centro de Educação e Assessoria Popular
imprensa@cedap.org.br | Ass. de Imprensa: Uirá Lopes | 19-3291-0287
Fontes:
Mariana Saes – psicóloga; coordenadora do projeto Ateliê Escola;
Edith Bortolozo – assistente social; coordenadora geral do CEDAP

sábado, 28 de março de 2015

O mundo masculinizado da Economia

09/MAR/2015
economia brasil mulher dirigentes feminismo machismo
Zélia de Mello Cardoso, Yeda Crusius e Miriam Belchior (Imagem: Pragmatismo Político)

Eric Gil*

Quando ingressei em minha graduação de Ciências Econômicas no ano de 2008 na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), me deparei com uma turma com um razoável percentual de mulheres, chegando a ser maioria da sala de aula, assim como é a característica da universidade brasileira, uma maior presença feminina relativamente à masculina.

No entanto, é perceptível que etapa por etapa que se passa dentro da universidade as mulheres ficam cada vez mais no meio do caminho. Mesmo dentro da graduação podemos ver este processo em andamento, muito em projetos de pesquisa, extensão e de monitoria, um funilamento constante. Mas o que me chamava realmente a atenção era quando íamos para o corpo docente do departamento. Nesta fase os homens já invertiam e passavam a ser a maioria. Para se ter uma ideia, no Brasil, em 2012 segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), foram registradas 362.732 funções docentes, 45,2% do sexo feminino e 54,8% do sexo masculino.

Bem, mas isto é fichinha para o problema real, a total marginalização das mulheres na formulação da política econômica brasileira. Para termos noção disto analisemos os dirigentes da Troika brasileira: Ministério da Fazenda; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; e Banco Central do Brasil.

No Ministério da Fazenda, órgão que existe desde 1808, ainda no Reinado de João VI, quando a pasta ainda era de Estado dos Negócios do Brasil e da Fazenda e Presidente do Real Erário, já houve, até 2015, 177 nomeações para a direção do Ministério. Deste universo, apenas uma mulher foi nomeada, Zélia de Mello Cardoso (o que cá entre nós não seria nenhum orgulho para as mulheres feministas), no governo de Fernando Collor, passando pouco mais de um ano no cargo. Quer dizer que do total de nomeações, apenas 0,56% foi de mulheres (de mulher, para ser mais exato), isto em uma história de 207 anos. Mesmo hoje, na gestão de Joaquim Levy, nenhuma das seis secretarias do Ministério é ocupada por mulheres, apenas as encontramos em cargos menos importantes deste órgão.

Já no Planejamento, Ministério criado em 1962 e ocupado pela primeira vez por Celso Furtado, a história não é tão diferente. Nos 53 anos de história, 25 pessoas (ou 8% do total) foram nomeadas para dirigir a pasta, sendo apenas duas delas mulheres, Yeda Crusius no governo Itamar Franco, e Miriam Belchior no governo Dilma. Mas é importante frisar que estas duas assumiram o Ministério apenas quando este órgão passou a ter menos poder na política econômica do que a Fazenda (o Planejamento teve maior força principalmente no período da ditadura civil-militar).

Por fim, no Banco Central do Brasil a situação é ainda mais deplorável. Instituição que completa 50 anos neste mês de março, nunca teve uma mulher a sua frente. De 1964 a 2015, 22 presidentes homens, como manda a cartilha de um mundo dominado por este sexo. Além disto, se considerarmos também as diretorias (o segundo escalão desta instituição) apenas duas mulheres foram nomeadas (uma no governo FHC e outra no governo Lula), dentre os inúmeros indivíduos que já passaram pelas diretorias da autoridade monetária brasileira.

Bem, neste dia oito de março, o dia internacional das mulheres, dia de muita luta por direitos como igualdade salarial, legalização do aborto, casas abrigo, creche, e um longo etc., conseguir o seu lugar ao sol na principal política do país, a econômica, é pauta urgente. Com tantas economistas entre os principais intelectos do país o que justificaria esta ausência nas maiores instâncias de decisão do governo? Para mim só uma sociedade patriarcal e machista.

*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político

A relação entre o Estado Islâmico e a redução da maioridade penal

O grupo terrorista conhecido como Estado Islâmico tristemente tem se tornado famoso por diversas barbáries a pretexto da defesa de uma religião que, como todas as demais, fala de paz. Assusta, não só por sua violência e ousadia, mas também por possuir uma impressionante capilaridade: dele fazem parte pessoas de diversas culturas e países, que aderem sua causa como que chamados por um canto de sereia.
Nesse contexto, publicou-se incômodas conclusões de órgãos de inteligência brasileiros que descobriram atividades do referido grupo terrorista objetivando cooptar jovens brasileiros para seus quadros[1], inclusive tendo identificado um grupo de 10 pessoas que já estaria atuando nas redes sociais. Haveria, portanto, o risco de que o modelo de cooptação deste grupo, que tem sido bem sucedido na Europa, seja replicado na América Latina em geral e no Brasil em especial.
É difícil compreender como pessoas de realidades tão diferentes umas das outras possam aderir repentina e radicalmente à essa causa. Há, contudo, boas explicações para tanto. Uma delas foi trazida por Daniel Martins Barros, em matéria “Como se faz um terrorista”[2] para O Estado de São Paulo. Reproduzo aqui um trecho, grifado:
“Sabe-se, por exemplo, que a maioria das pessoas cooptadas por organizações extremistas, eventualmente transformados em terroristas, são jovens, no final da adolescência e começo da idade adulta e quase sempre homens. Essa faixa etária apresenta grandes vulnerabilidades, explorada com maestria pelos recrutadores. A primeira é a necessidade de se sentir parte de algo, ser acolhido, que todo ser humano tem, mas os adolescentes em especial. Além disso, com o desenvolvimento do pensamento abstrato nessa fase surgem vários questionamentos existenciais. A busca por um sentido na vida abre uma janela de oportunidade para doutrinação radical que lhes forneça esse sentido. Os recrutadores do terror então acenam para os jovens com a possibilidade se identificar com um grupo e de encontrar um propósito em suas vidas.”
Ou seja, o mencionado grupo terrorista procura jovens em razão de sua vulnerabilidade, em razão de, nesta fase, estarem buscando propósitos para suas vidas e terem a necessidade de ser parte de algo maior. Explora-se a “janela de oportunidade” existente neste momento da vida em que, embora já exista uma boa maturidade intelectual, os impulsos emocionais e da psique ainda são incompreendidos. Basicamente, é esse o mecanismo utilizado pelo Estado Islâmico para cooptar fileiras inteiras de jovens por todo o mundo.
Não obstante seja fácil aceitar a existência e a eficiência desse mecanismo utilizado pelos terroristas, é impressionante a quantidade de discursos que o ignoram quando em jogo uma outra realidade: a dos jovens em conflito com a lei.
É notória a comoção causada por crimes cometidos por crianças ou adolescentes, sendo eles exaustivamente explorados pela mídia, ainda que ignorada sua real repercussão estatística. Sempre que há um novo caso de, digamos, latrocínio, ressurge das cinzas o discurso punitivista que busca caracterizar o instituto da maioridade penal como um “manto de impunidade”. Há, inclusive, autoridades públicas que declaram abertamente ser a inimputabilidade penal uma “permissão para matar”[3].
No âmbito do Congresso, diversas iniciativas vão no sentido de reduzir, remover ou relativizar a maioridade penal. Atualmente, diversas proposições estão reunidas na Proposta de Emenda Constitucional 171/1993 em tramitação na Comissão de Constituição de Justiça.  Para não me alongar demais, faço remissão à robusta nota técnica[4] elaborada em conjunto pelo IBCCRIM, a Rede de Justiça Criminal e a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo, que demonstra claramente a inadequação jurídica da medida.
Diante desse cenário cabe questionar: se compreendemos tão bem a fragilidade que leva tantos jovens ao redor do mundo a caírem nas garras do terrorismo, por que não percebemos que os nossos jovens estão igualmente expostos ao crime organizado? Se jovens europeus[5],[6], que presumivelmente tiveram boa educação e acesso à serviços públicos, foram vulneráveis a ponto de serem cooptados, o que dizer de crianças e adolescentes que vivem marginalizados?
A estratégia atribuída ao Estado Islâmico é a mesma que, diariamente, o crime organizado utiliza todos os dias em nosso país (e, diga-se, em tantos outros). A falta de lazer, de acesso à educação, cultura, serviços básicos e assistência familiar formam um terreno fértil para que jovens pobres sejam cooptados. A ausência de perspectiva, de sonhos e de futuro permite que, facilmente, seja oferecida a eles a promessa de um grupo, de um pertencimento a algo, seja lá o que for. É exatamente o que todos buscamos nessa idade.
Se reconhecemos a efetividade, por assim dizer, da estratégia de cooptação dos “de fora”, é necessário, também, reconhecer que, aqui em Terra Brasilis não é diferente. É necessário seguir o caminho inverso e dar aos jovens as condições necessárias para que vejam um outro caminho possível: o Estado precisa mostrar que deseja acreditar na juventude e dar a ela as ferramentas necessárias para se desenvolver de maneira ampla e realizar todas as suas potencialidades sem recorrer ao crime para tanto.
Para tanto, fortalecer a proteção social, incentivar projetos de cultura, esporte, cursos profissionalizantes e uma escola pública de qualidade são estratégias muito mais eficientes para evitar que os jovens se aproximem do crime. Sabemos que o poder não deixa vácuos, de modo que sempre que o Estado deixa de se fazer presente — a exemplo do que faz em favelas e comunidades pobres — deixa espaço para que outros agentes tomem seu lugar. É aí que a cooptação ocorre.
Não reduzir na maioridade penal é assumir um valente compromisso com os jovens, de ver a vida como é e acreditar que há futuro.  Esperamos que nosso Congresso tenha essa coragem e não seja, também, “cooptado” pelo discurso sedutor do populismo penal.

[3] Não ignorar que, cometido um ato infracional,  há a possibilidade de aplicação de internação que, na prática, muito se assemelha a uma prisão comum.
 é advogado, especialista em Direitos Humanos (Universidad Autónoma de Madrid), membro do Departamento Jurídico XI de Agosto.

Defensoria Pública de SP divulga nota contra a redução da maioridade penal

24 de março de 2015
O Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo enviou nessa segunda-feira (23/3) uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se contrariamente à Proposta de Emenda Constitucional 171/93, que visa à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Nesta terça (24/3), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados irá promover uma audiência pública para discutir a admissibilidade da PEC 171/93 e das demais propostas a ela apensadas.
Na nota técnica, o núcleo enfatiza a inconstitucionalidade de qualquer proposta de redução da maioridade penal, uma vez que o artigo 228 da Constituição Federal — que determina que a responsabilização criminal somente é possível a partir dos 18 anos — veicula um direito individual fundamental, sendo, portanto, imutável.
O texto destaca que as medidas de endurecimento do sistema penal adotadas ao longo dos anos se mostraram alternativas ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir segurança à população. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, após a promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), a população carcerária no Brasil saltou de 148 mil para 361 mil presos entre 1995 e 2005, mesmo período em que houve o crescimento de 143,91% nos índices de criminalidade. 
Ainda segundo o Ministério da Justiça, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361 mil para 473 mil detentos — crescimento de 31,05%, período que coincidiu com a entrada em vigor da lei que recrudesceu as penas dos crimes relacionados ao tráfico de drogas (Lei 11.343/2006).
A Defensoria também aponta que, nos 54 países que reduziram a maioridade penal, não se observou diminuição da criminalidade, sendo que Alemanha e Espanha voltaram atrás na decisão após verificada a ineficácia da medida.
Na segunda, a Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) também divulgou nota pública manifestando repúdio às PECs que pretendem a redução da maioridade penal pelos mesmos motivos levantados pelo Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo. Com informações da Assessoria de Imprensa da DP-SP.
Clique aqui para ler na íntegra a nota técnica do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da DP-SP.
Clique aqui para ler na íntegra a nota pública da Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do CONDEGE.

Apoio à pena de morte mostra falência da família e da escola

A pena de morte nunca saiu das cogitações das pessoas. No Brasil, e em outros dez países, ela é permitida em caso de guerra externa. Em outros 57 países, é praticada com frequência. Já 35 Nações permitem a pena de morte, mas não a executam há mais de dez anos.
A campeã na execução capital é a China, que não divulga o número de condenados. Avalia-se que são milhares. Mas o Irã, entre 2007 a 2012, executou 1.663 pessoas; a Arábia Saudita, 423; o Iraque, 256; os Estados Unidos, 220; Paquistão, 171; Iêmen, 152; Coreia do Norte, 105; Vietnã, 58; e Líbia, 39.
Fizéssemos uma enquete junto à população assustada pela violência, temerosa do dia de amanhã, com certeza a pena de morte seria aprovada. No Brasil, isso só aconteceria numa revolução. A vedação à pena capital para crimes comuns é cláusula pétrea, insuscetível de alteração na Carta Federal.
Compreende-se o pavor das pessoas comuns diante da crueldade gratuita que ceifa vidas preciosas. Toda vida é preciosa, mas o fato de sua interrupção em plena mocidade, apenas porque alguém drogado ou raivoso ou para roubar quis matar é algo que choca. Suscita revolta, desejo de vingança e invoca-se a velha lei taliônica: olho por olho, dente por dente.
Sempre fui contra a pena de morte, desde criança. Me convenci ainda mais depois de estudar Direito. Vida está acima do Direito, mesmo que ele seja titularizado pelo Estado. Vida é pressuposto à fruição de direitos. Tanto que podemos substituir o verbete "direito" por "bem da vida".
Então deixamos os homicidas, os estupradores, os facínoras todos impunes? Não. É preciso punir, quando certa a autoria. Mas também não adianta combater os efeitos, se as causas continuam a produzir uma geração desvairada. O criminoso é cada vez mais jovem. Os adolescentes infratores começam cada dia mais cedo.
Isso evidencia a falência da família, o naufrágio da escola, a insuficiência da Igreja e o descaso da sociedade. Esta clama por mais presídios, por redução da maioridade penal, por elevação das sanções e aderiria à pena de morte se consultada. Mas o que está fazendo para restaurar os valores, para fortalecer a família ou quem a substitua, para que a escola seja uma treinadora para um convívio harmônico em lugar de espaço de chateação, aborrecimento e despido de atrativos?
O governo não pode tudo. Aliás, há algum tempo, não tem podido quase nada. É a sociedade que deve arregaçar as mangas e assumir o controle da situação. Vamos por ordem na casa. A começar pela casa, o lar, o âmbito doméstico de onde têm saído os homicidas, os estupradores, os latrocidas e os traficantes. Só assim teremos perspectiva de tornar este Brasil a pátria fraterna, justa e solidária prometida pelo constituinte de 1988.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

PEC que propõe reduzir maioridade penal é inconstitucional, diz AMB

27 de março de 2015
A Proposta de Emenda à Constituição 171/93, que reduz de 18 para 16 anos a idade mínima a partir da qual os cidadãos deverão responder judicialmente por seus atos, é inconstitucional, afirma o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa.
“Falar em redução da maioridade é um retrocesso. A maioridade penal aos 18 anos é estabelecida pelo artigo 228 da Constituição Federal; e o artigo 60, que trata da emenda à Constituição, veda a deliberação sobre emenda que tente abolir direito ou garantia individual. Portanto, tentar alterar a idade mínima para maioridade penal é tentar mudar uma cláusula pétrea”, avalia Costa.
O presidente da AMB aponta ainda que, por mais que fosse Constitucional essa alteração, a medida seria ineficaz. “Reduzir a maioridade penal não vai garantir o aumento da segurança. Somente com investimentos em educação e o desenvolvimento de políticas públicas para a jovens, crianças e adolescentes, conseguiremos reduzir os índices de criminalidade no Brasil”, afirma.
De acordo com um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, feito em 2012, aproximadamente 80% dos delitos cometidos por adolescentes são relacionados entre roubo, furto e tráfico. “Somos o quarto país com a maior população carcerária do mundo, onde 70% dos presidiários brasileiros são reincidentes. Reduzir a idade penal de 18 para 16 anos e jogar esses adolescentes na cadeia vai resolver o problema da segurança?”, questiona. “Os adolescentes, na realidade, são muito mais vítimas da violência”, afirma o presidente da AMB.
Tema único
A PEC 171/93, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, será pautada como tema único nas próximas sessões extraordinárias, até que o colegiado delibere sobre a admissibilidade da matéria. A primeira sessão já está marcada para a próxima segunda-feira (30/3), às 14h30.

A matéria seria debatida em audiência pública na última terça-feira (24/3), quando foi suspensa pelo presidente da CCJ, deputado Arthur Lira (PP-AL), após um desentendimento entre os deputados Alessandro Molon (PT-RJ) e Laerte Bessa (PR-DF). A Associação dos Magistrados Brasileiros, a Ordem dos Advogados do Brasil , e as associações dos procuradores da República e dos defensores públicos participariam do debate. Com informações da Assessoria de Imprensa da AMB.

A quem o preconceito mata

Propaganda de camiseta da marca de Luciano Huck dirigida às mulheres

POR Carla Rodrigues

Carla Rodrigues | 11.03.2015
Há muito tempo tinha desistido de comemorar, homenagear, escrever ou falar sobre o Dia Internacional da Mulher. Há pelo menos uma década venho tentando ignorar a data, tomada por ações publicitárias de mau gosto e muitas vezes meras repetições do preconceito e da discriminação contra o qual o 8 de março pretende lutar. A escolha do verbo – lutar – é sempre difícil numa frase, porque ele, o verbo, designará certa escolha política, ideológica, enfim, uma opção por um tipo de discurso ou abordagem. Se dissesse que o 8 de março pretende lembrar o preconceito e a discriminação contra a mulher, estaria, eu também, esvaziando a data do seu significado para torná-lo uma simples rememoração de como foram violentos os preconceitos do passado. Esta é uma das estratégias conservadoras contra as mulheres: afirmar que a discriminação já faz parte da história e que hoje, na segunda década do século XXI, aquilo que nos inferioriza já foi superado. Não foi.
Sinais da força gritante desses discursos conservadores me fizeram decidir voltar ao tema da opressão contra a mulher – daí a escolha do verbo lutar. Exemplos colhidos nas últimas três semanas de noticiário dão conta da atualidade da causa e da necessidade de resistência, outra palavra que não foi escolhida por acaso. O direito de resistência é o direito à desobediência legítima, categoria jurídica prevista no interior da lei. Desobedecer, como lutar, é um verbo a ser conjugado todos os dias por nós, mulheres. Desobedecer a normas sociais invisíveis, não escritas, e que, no entanto ou por isso mesmo, carregam o peso maldito da tradição, é ainda mais difícil.
No noticiário, uma jornalista diz que a presidente da República dá trabalho e inventa muita coisa para o seu ministério porque não é casada nem tem filho para cuidar. A invisibilidade da regra aqui está na pressuposição de que existe um modelo a ser seguido, o da mulher dona de casa e mãe, cuja prioridade “normal” deve ser a família e os filhos. O trabalho, mesmo que seja a tarefa de presidir um país, estaria necessariamente em segundo lugar. Não por acaso, os ataques da oposição são xingamentos pessoais. Uma mulher – mesmo que seja presidente da República – está sempre exposta a essa violência por razões de gênero, para usar a expressão jurídica e me referir ao projeto de lei que acaba de tornar a violência contra a mulher um tipo de agravante no direito penal.
Sancionado pela presidente da República, o feminicídio tornou-se circunstância qualificadora do crime de homicídio. Para o bem da política, poderia se encontrar algum similar que coibisse manifestações de ódio e preconceito que, a pretexto de fazer política, estão expressando o pior da misoginia na sociedade brasileira. Não, não é natural, nem democrático, nem forma de protesto, nem liberdade de expressão chamar nenhuma mulher de “vaca” ou “vagabunda”, seja quando uma mulher está andando na rua e pode ser abordada assim por um desconhecido, seja batendo panelas contra a mulher que ocupa o mais alto posto de comando no país.
Enquanto estivermos fazendo de conta que o preconceito é invencível, ele nos vence em episódios terríveis e inclassificáveis como a morte de Peterson Ricardo de Oliveira, 14 anos, filho adotado por um casal homossexual e espancado numa escola da periferia de São Paulo. Preconceito, discriminação, racismo, misoginia matam. Mulheres, que há séculos são vítimas da violência de gênero; homossexuais, alvo de manifestações de homofobia que podem levar à morte; adolescentes como Peterson; mas, sobretudo, matam a nossa capacidade de nos tornarmos uma sociedade igualitária. É disso que, no final das contas, trata o Dia Internacional da Mulher, instituído há 40 anos pela ONU, cujas conferências internacionais desde então têm sido palco de acalorados debates sobre direitos iguais. A cara do século XX, como disse o historiador Eric Hobsbawm, foi radicalmente modificada pela emancipação das mulheres. Ao século XXI resta a tarefa de fazer a passagem da emancipação para uma igualdade radical e sem tréguas. 

Mulheres fazem campanha nos EUA por rosto feminino na nota de vinte dólares

Movimento ganhou apoio de Susan Sarandon, atriz e diretora, nesta semana

REDAÇÃO ÉPOCA

26/03/2015

Susan Sarandon, atriz e diretora, apoia campanha para imprimir rosto de mulher na nota de vinte dólares (Foto: Reprodução / Facebook)
Susan Sarandon, atriz e diretora, apoia campanha para imprimir rosto de mulher
na nota de vinte dólares (Foto: Reprodução / Facebook)
Surgiu nos Estados Unidos uma campanha para colocar o rosto de uma mulher na nota de vinte dólares. Hoje aparece Andrew Jackson (1767-1845), controverso militar que desalojou povos indígenas e se opôs à criação de Banco Central no país. A ideia da campanha “Women on 20s” (“Mulher nos vintes”, em tradução aproximada) é substituí-lo por uma mulher.

A campanha começou com site feito pela executiva Barbara Ortiz e pela jornalista Susan Ades Stone. Ganhou força nesta semana depois que Susan Sarandon, atriz e diretora, publicou no Facebook e no Twitter foto com defesa à proposta. Na página, pessoas são convidadas a escolher entre 15 mulheres importantes para a história dos EUA para ilustrar a cédula.

Aparecem como candidatas a ativista civil Rosa Parks (1913-2005), a líder feminista Betty Friedam (1921-2006) e a ex-primeira dama e embaixadora na ONU Eleanor Roosevelt (1884-1962), segundo a Folha de S. Paulo. Se conseguir 100 mil assinaturas, a petição será levada a Barack Obama, e o presidente não precisaria do Congresso para mudar a nota.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Suécia cria pronome de gênero neutro que será usado para se referir a pessoas trans no país


Expressão ‘hen’ integrará novo dicionário oficial, atualizado a cada dez anos conforme frequência de uso e relevância de determinados termos na sociedade
A língua sueca vai introduzir um pronome de gênero neutro para a próxima edição do dicionário oficial do país, prevista para ser lançada no dia 15 de abril, anunciaram editores da Academia Sueca nesta semana.

No idioma escandinavo, junto aos pronomes de gênero masculino “han” e feminino “hon” será adicionado o pronome “hen”. A nova terminologia vai se referir às pessoas que não revelam seu gênero – seja porque é desconhecido, ou porque a pessoa é transgênero ou o locutor considera o gênero uma informação superficial para compreensão do texto.

Flickr
Parada do Orgulho LGBT na capital sueca, Estocolmo , em 2013

“Hen” é uma das 13 mil novas palavras que integrarão o novo dicionário sueco. Surgido na década de 1960, o termo passou a ser usado com mais frequência nos últimos anos pela comunidade trans da Suécia.

Recentemente, a expressão saiu da esfera do ativismo e passou a ser encontrada em reportagens da imprensa sueca, livros e até em decisões judiciais. “Para aqueles que já usam o pronome, é obviamente um fortalecimento agora que estará no dicionário”, comentou Sture Berg, um dos editores, à Agence France-Presse.


O dicionário da Academia Sueca é atualizado a cada dez anos. O critério de entrada de determinados termos e expressões é determinado conforme sua frequência de uso e relevância na sociedade.