Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

domingo, 31 de janeiro de 2016

Ayaan Hirsi Ali: "O que devemos não tolerar?"

por
 Ayaan Hirsi Ali - 28.01.2016 

Ayaan Hirsi Ali“É quase um milagre que Ayaan Hirsi Ali, uma das heroínas de nosso tempo, ainda esteja viva. Os fanáticos islâmicos quiseram acabar com ela e não conseguiram, e não é impossível que continuem tentando, pois se trata de um dos mais articulados, influentes e determinados adversários que eles têm no mundo", relata Mario Vargas Llosa em seu artigo O poder da blasfêmia, sobre a mais recente obra de Hirsi Ali, Herege (Companhia das Letras, 2015).
O livro é um apelo por uma reforma do islamismo como único modo de acabar com o terrorismo, as guerras sectárias e a repressão contra mulheres e minorias. Em Herege, Hirsi Ali identifica as cinco mudanças que precisam ser feitas na religião islâmica para que muçulmanos abandonem os dogmas que os prendem ao século VII.
Em seu artigo, Mario Vargas Llosa as explica brevemente: “1) a crença de que o Corão expressa a imutável palavra de Deus e a infalibilidade de Maomé, seu porta-voz; 2) a prioridade que o islã concede à outra vida sobre a do aqui e agora; 3) a convicção de que a sharia constitui um sistema legal que deve governar a vida espiritual e material da sociedade; 4) a obrigação do muçulmano comum de exigir o justo e proibir o que considera errado; 5) a ideia da jihad ou guerra santa."
Em Herege, Ayaan Hirsi Ali pede atenção do Ocidente para a recente e crescente redução da liberdade de mulheres e minorias nos países islâmicos e lastima que, no mundo, as reações a um livro sagrado criticado tenham mais peso do que milhares de pessoas mortas pelo Estado Islâmico. Confira abaixo um excerto da obra:
A primeira vez que me levantei para falar em público foi logo após o Onze de Setembro de 2001. Foi num fórum público, uma “casa de debates", que é uma instituição relativamente comum na Holanda. Eu estava trabalhando num think tank social-democrata pequeno, mas respeitado, e o meu chefe sugeriu que eu fosse.
O debate era apresentado por um jornal holandês, uma publicação que fora originalmente religiosa (protestante), mas agora era bem secular, e o tema era “Quem precisa de um Voltaire, o Ocidente ou o Islã?". O auditório estava lotado. Quem não conseguia encontrar lugar se encostava ao longo das paredes. E, em muitos aspectos, foi uma reunião interessante e incomum por haver tantos participantes muçulmanos na plateia. Normalmente eram quase todos brancos nesses locais, porque os temas em debate eram coisas como “Quanto de controle podemos ceder à União Europeia?" ou “Por que devemos trocar o florim pelo euro?". Nessa noite, porém, os membros habituais da elite de Amsterdam estavam ombro a ombro com muçulmanos da Turquia, do Marrocos e de outros países, quase todos imigrantes ou filhos de imigrantes na Holanda.
Havia seis palestrantes nessa noite, e cinco deles disseram, em essência, que era o Ocidente que precisava de um Voltaire, ou seja, que o Ocidente era o lugar mais necessitado de reforma. Seu argumento foi que o Ocidente tinha um ponto cego, com uma história longa e perversa de exploração e imperialismo, que não tinha ouvidos para o que se passava no resto do mundo, e que precisava de outro Voltaire para explicar tudo isso.
Eu estava sentada no meio desse mar de rostos, brancos, mulatos e pretos, e só ouvindo, cada vez mais consciente de que discordava do que foi dito. Finalmente, o sexto participante falou, um iraniano, refugiado, advogado. “Bem", disse ele, “olhe para as pessoas nesta sala. O Ocidente não tem um Voltaire, mas milhares, se não milhões, de Voltaires. O Ocidente está acostumado com críticas, acostumado com autocrítica. Todos os pecados do Ocidente estão expostos para todos verem."
Em seguida, ele disse: “É o islamismo que precisa de um Voltaire". E discorreu sobre uma lista com todas as coisas que são erradas ou questionáveis no islã — pontos que ressoaram em mim. E por isso ele foi vaiado, foi vaiado até se calar. (Ironicamente, dez anos depois, Irshad Manji, um resoluto defensor da reforma islâmica, falou nesse mesmo salão. Dessa vez, o público tinha mudado completamente. Estava lotado, não de observadores curiosos, mas de fundamentalistas islâmicos linha-dura, e nessa noite o público estava tão combativo que Irshad teve de ser retirado dali às pressas pelos seguranças.)
Depois que o advogado iraniano falou, houve um intervalo e, então, a plateia teve a oportunidade de fazer perguntas. Acenei com a mão e alguém com o microfone viu meu rosto negro e, provavelmente, pensou, “pela diversidade" — os organizadores brancos de tais eventos estavam de fato muito interessados em ouvir o que se passava na cabeça, nas famílias e nas comunidades dos imigrantes. Entregou-me o microfone. Levantei-me e concordei com o iraniano. Eu disse: “Vejam vocês. Há seis pessoas aí, vocês convidaram seis palestrantes, e um deles é o Voltaire do islã. Vocês têm cinco Voltaires, então permitam que nós, muçulmanos, tenhamos um, por favor". Isso levou um editor de jornal a me pedir que escrevesse um artigo, a que deu o título “Por favor, permitam-nos um Voltaire".
Nos meses e anos que se seguiram, li cada vez mais. Li opiniões ocidentais acerca do islã e da cultura muçulmana. Li mais pensadores liberais do Ocidente. E li sobre os reformadores muçulmanos do passado. A minha conclusão é que o islã ainda precisa de um Voltaire. Mas concluí que também há extrema necessidade de um John Locke. Afinal, foi Locke que nos deu a noção de um “direito natural" fundamental “à vida, à liberdade e à propriedade". Menos conhecida, porém, é a forte defesa de Locke da tolerância religiosa. E a tolerância religiosa, no entanto, por mais que tenha demorado a ser posta em prática, é uma das maiores conquistas do mundo ocidental.
Locke defendia que as crenças religiosas são, nas palavras do estudioso Adam Wolfson, “questões de opinião, opiniões a que todos igualmente temos direito, em vez de quantidade de verdades ou conhecimentos". Na formulação de Locke, a proteção contra a perseguição é uma das mais altas responsabilidades de qualquer governo ou governante. Locke também argumentava que, quando há coação e perseguição para mudar de opinião, isso só funciona a um altíssimo custo humano, produzindo em seu rastro tanto crueldade quanto hipocrisia.
Para Locke, ninguém deve “desejar impor" a sua visão da salvação a outrem. Em vez disso, em sua visão de sociedade tolerante, cada indivíduo deve ser livre para seguir seu próprio caminho na religião e respeitar o direito dos outros de seguirem seus próprios caminhos: “Ninguém, nem mesmo Estados", Locke escreveu, “tem o direito justo de invadir os direitos civis e os bens materiais de outrem a pretexto de religião".
O que quase sempre se esquece é que Locke restringia essa liberdade de religião a denominações protestantes. Ele não incluía a Igreja Católica Romana porque “todos aqueles que nela entram, ipso facto entregam-se à proteção e ao serviço de outro príncipe". Se Locke estivesse vivo hoje, desconfio que argumentaria de maneira semelhante acerca do islã. Enquanto houver alguns muçulmanos acreditando que os ensinamentos de Maomé em Medina destroem sua lealdade para com os países de que são cidadãos, vai haver uma legítima suspeita de que a tolerância ao islã põe em risco a segurança desses países. A questão central para a civilização ocidental continua a ser a mesma da época de Locke: o que devemos não tolerar?
Vamos começar pela opressão de metade da humanidade.
DIREITOS EM RETIRADA
Hoje, mais de duzentos anos depois de Voltaire e trezentos depois de John Locke, os direitos das mulheres estão recuando em todo o mundo muçulmano. Pense, para fins de simples ilustração, o que se permite que as mulheres muçulmanas vistam. Não é o mais importante direito humano, admito. Mas é uma liberdade com que a maioria das mulheres se preocupa.
Veja fotografias de qualquer uma das cidades muçulmanas do mundo na década de 1970: Bagdá. Cairo. Damasco. Cabul. Mogadíscio. Teerã. Veremos que muito poucas mulheres naqueles dias estavam cobertas. Em vez disso, nas ruas, em edifícios de escritórios, em mercados, cinemas, restaurantes e residências, a maioria das mulheres se vestia de maneira bem semelhante àquelas na Europa e nos Estados Unidos. Elas usavam saia acima do joelho. Adotavam as modas ocidentais. Usavam o cabelo preso e visível.
Hoje, ao contrário, a simples foto de uma mulher andando pelas ruas de Cabul com uma saia à altura do joelho se torna um acontecimento viral na internet e provoca condenação generalizada como “despudorada" e “quase nua", e o governo é criticado por estar “dormindo". Quando eu estava na escola primária em Nairóbi, as que cobriam a cabeça eram exceção — menos de metade das meninas. Há alguns anos, pesquisei no Google a minha antiga escola primária. Nas fotos postadas, quase todas as meninas estavam cobertas.
Não se trata só de como nos vestimos. Se você é mulher e vive na Arábia Saudita, quer dirigir, quer sair de casa sem um guardião. Pode ter dinheiro, mas não pode fazer nada além de ficar em casa ou fazer compras sob supervisão masculina. No Egito, estamos lutando contra uma onda cada vez maior de assédio sexual — 99% das mulheres relatam terem sido vítimas de assédio sexual e ocorrem até oitenta agressões sexuais em um único dia.
Especialmente preocupante é o modo como o status das mulheres como cidadãs de segunda classe está se solidificando na legislação. No Iraque, está sendo proposta uma lei que reduz para nove anos a idade com que as meninas podem ser obrigadas a se casar. Essa mesma lei daria ao marido o direito de negar permissão à mulher para sair de casa. Na Tunísia, as preocupações se concentram na imposição da sharia. No Afeganistão e no Paquistão, por outro lado, precisamos temer o assassinato a tiros pelo crime de frequentar uma escola. E para as meninas de todo o norte da África, e além, permanece a ameaça de mutilação genital feminina, costume que certamente antecede o islã, mas que agora está quase totalmente confinado às comunidades muçulmanas. A Unicef estima que mais de 125 milhões de mulheres e meninas foram mutiladas nos países africanos e árabes, muitos deles de maioria muçulmana. Como se torna gradualmente claro, esse costume também é comum em comunidades de imigrantes na Europa e na América do Norte.
No mundo islâmico, muitos direitos básicos são restritos, e não só os direitos das mulheres. A homossexualidade não é tolerada. Outras religiões não são toleradas. Principalmente a liberdade de expressão em assuntos relativos ao islã não é tolerada. Como sei muito bem, livres-pensadores que queiram questionar obras como o Alcorão ou o hadith correm risco de morte.
O islã sofreu um cisma; nunca teve reforma. As discussões iniciais no islã produziram um sectarismo feroz que muitas vezes envolvia derramamento de sangue, mas quase sempre no tocante a questões técnicas. A maior foi sobre quem deve suceder o Profeta como líder do ummah: os sunitas queriam selecionar um califa (literalmente, um suplente) com base no mérito, enquanto os xiitas insistiam em um imame que era parente do Profeta. Uma divisão menor foi provocada pela questão de saber se Alá falou ao ditar o Alcorão. (Uma escola do pensamento islâmico, Mu'tazilite, argumentava que Alá não tem laringe humana e que o Alcorão não é, portanto, “discurso" de Alá.)
A ideia de “reforma" no islã tem, em grande parte, se concentrado na resolução de tais questões restritas. Na verdade, o termo “ijtihad", a coisa mais próxima de “reforma" em árabe, significa tentar definir a vontade de Deus em algum assunto novo, tal como: o muçulmano deve rezar dentro de um avião (nova invenção tecnológica) e, em caso afirmativo, como ele pode ter certeza de estar de frente para Meca? Mas a ideia ampla de “reforma", no sentido de questionar fundamentalmente os dogmas centrais da doutrina islâmica, é notável por sua ausência. O islã tem até seu próprio termo pejorativo para denominar encrenqueiros teológicos: “aqueles que se entregam a inovações e seguem suas paixões" (em árabe ahl al-bida, wa-l-ahwa').
TOLERAR A INTOLERÂNCIA
A maioria dos norte-americanos e também a maioria dos europeus preferem muito mais ignorar o conflito fundamental entre o islã e sua própria visão de mundo. Isso porque, em parte, eles geralmente supõem que “religião", qualquer que seja sua definição, é uma força do bem e que qualquer conjunto de crenças religiosas deve ser considerado aceitável em uma sociedade tolerante. Concordo com isso. Em muitos aspectos, apesar de seus elevados objetivos e ideais, os Estados Unidos acham difícil tornar realidade a tolerância religiosa e racial.
Mas isso não significa que devemos fechar os olhos para as possíveis consequências de nos adaptarmos a crenças que sejam abertamente hostis a leis, tradições e valores ocidentais. Pois não é simplesmente uma religião com que temos de lidar.
É uma religião política, e muitos de seus princípios fundamentais são irreconciliavelmente hostis ao nosso modo de vida. Precisamos insistir que não somos nós, no Ocidente, que devemos nos adaptar às sensibilidades muçulmanas; são os muçulmanos que devem se adaptar aos ideais liberais ocidentais.
Infelizmente, nem todos entendem isso.
No segundo semestre de 2014, Bill Maher, apresentador do programa Real Time with Bill Maher, na HBO, apresentou um debate sobre o islã que contou com o autor de best-sellers Sam Harris, o ator Ben Affleck e o colunista do New York Times Nicholas Kristof. Harris e Maher levantaram a questão de os liberais ocidentais estarem ou não abandonando seus princípios por não combater o islã com relação a seu tratamento em relação às mulheres, a promoção da jihad e punições baseadas na sharia com apedrejamento e morte para os apóstatas. Para Affleck, isso cheirava a islamofobia e ele respondeu com uma explosão de indignação moralista. Sob aplausos da plateia, ele acusava com veemência Harris e Maher de serem “nojentos" e “racistas" e dizia coisas não distantes de “você é um judeu safado". Alinhando-se com Affleck, Kristof intervinha dizendo que muçulmanos corajosos estavam arriscando a vida para promover os direitos humanos no mundo islâmico.
Depois do programa, durante uma discussão no camarim, Sam Harris perguntou a Ben Affleck e a Nick Kristof: “O que vocês acham que aconteceria se tivéssemos queimado um exemplar do Alcorão no programa de hoje?". Sam, em seguida, respondeu à sua própria pergunta: “Haveria rebeliões em dezenas de países. Embaixadas cairiam. Em resposta por maltratarmos um livro, milhões de muçulmanos iriam às ruas, e nós passaríamos o resto da vida nos protegendo contra ameaças plausíveis de assassinato. Mas quando o EI crucifica pessoas, enterra crianças vivas, estupra e tortura mulheres aos milhares, tudo em nome do islã a resposta são algumas pequenas manifestações na Europa e uma hashtag (#NotInOurName [EmNossoNomeNão])".
Pouco depois da transmissão do programa, uma paquistanesa-canadense muçulmana (e ativista dos direitos dos homossexuais) chamada Einah escreveu uma carta aberta a Ben Affleck que resumiu com precisão o que eu penso:
Por que os muçulmanos estão sendo “preservados" numa cápsula do tempo de séculos atrás? Por que não há problema em continuarmos a viver em um mundo onde as nossas mulheres são comparadas a mercadorias à espera de serem consumidas? Por que é bom para as mulheres do resto do mundo lutar por liberdade e igualdade, enquanto nos mandam cobrir nosso corpo vergonhoso? Não veem que estamos sendo impedidas de ingressar nesse clube de elite conhecido como século XXI?
Liberais nobres como você sempre defendem os muçulmanos malrepresentados e combatem os islamofóbicos, o que é ótimo, mas quem fica a meu lado pelos que se sentem oprimidos pela religião? Toda vez que erguemos a voz, uma de nós é assassinada ou ameaçada.
[...] O que você fez ao gritar “racista!" foi encerrar uma conversa que muitos de nós aguardávamos ansiosas. Você ajudou aqueles que querem negar que há problemas a rejeitá-los.
O que há de tão errado em querer entrar no século atual? Não deve haver vergonha nenhuma. Não há como negar que a violência, a misoginia e a homofobia existem em todos os textos religiosos, mas o islã é a única religião a que se obedece tão literalmente, até hoje.
Na sua cultura você tem o luxo de chamar esses literalistas de “malucos" […]. Na minha cultura, tais valores são defendidos por mais pessoas do que se imagina. Muitos vão tentar negá-lo, mas, por favor, me ouça quando digo que esses não são valores marginais. Está evidente na ausência de muçulmanos dispostos a se posicionar contra a arcaica lei sharia. A punição por blasfêmia e apostasia etc. é instrumento de repressão. Por que não tratam desse assunto, mesmo as pessoas pacíficas, que não são fanáticas, que só querem comer uns sanduíches e rezar cinco vezes por dia? Onde estão os manifestantes muçulmanos contra as leis de blasfêmia/apostasia? Onde estão os muçulmanos que assumem uma postura contra a interpretação rígida da sharia?

Criança de 9 anos é a primeira no Brasil a ser autorizada pela Justiça a mudar de nome e gênero



a um passo transformação
“Príncipe, não. Eu sou uma princesinha”, diz Luiza*, de 9 anos, que se chamava Leandro(Foto: Fernando Moraes)

Decisão de juíz do Mato Grosso foi tomada nesta quinta-feira (28); reportagem se encontrou com família que estava emocionada

Por: Adriana Farias

A Justiça do Mato Grosso determinou nesta quinta (28) a mudança de nome e de gênero para o feminino nos documentos de uma criança transexual de 9 anos de idade.

Segundo decisão do juiz Anderson Candiotto, “a personalidade da criança, seu comportamento e aparência remetem, imprescindivelmente, ao gênero oposto de que biologicamente possui, conforme se pode observar em todas as avaliações psicológicas e laudos proferidos pelo Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual, do Instituto de Psiquiatria, do Hospital das Clínicas de São Paulo, evidenciando a preocupação dos pais em buscar as melhores condições de vida para a criança”.
Trata-se da estudante Luiza, de 9 anos, que antes se chamava Leandro. Ela é a primeira criança transexual do Brasil a receber essa autorização da Justiça. A pedido da família os nomes utilizados são ficticios para preservar suas identidades. 
A história da garota e de mais outros adolescentes atendidos no Hospital das Clínicas foi tema de reportagem de capa da revista VEJA SÃO PAULO em julho de 2015. Segundo a família, a revista foi anexada ao processo e ajudou a acelerar a decisão.

crianças e adolescentes trans
A capa de VEJA SÃO PAULO sobre o assunto (Foto: Veja São Paulo)
A repórter Adriana Farias encontrou com a família em um hotel em São Paulo na noite desta sexta-feira (29). Moradora de outro estado, Luiza viaja para a capital paulistana esporadicamente para visitar o ambulatório do Hospital das Clínicas.
Usando uma blusinha vermelha de babado na gola, shorts e cabelos compridos ultrapassando os ombro presos com um pequeno lacinho, a menina estava radiante. “Agora, não vou ter mais problemas nas chamadas na escola, às vezes me chamavam pelo nome masculino, no postinho de saúde e nas viagens, e era sempre era aquele zum zum zum quando olhavam para mim e para o meu documento”, conta ela, enquanto acariciava o cabelo de uma boneca do personagem Ariel, da Disney. “Eu me sentia muito mal, mas agora isso vai mudar.”
O pai Antonio, sargento aposentado do Exército, vibrava de emoção. "Foram três anos de batalha na Justiça eu ia direto no fórum cobrar uma resposta e os documentos sempre estavam na mesa do juiz para decidir”, conta. “Assim que saiu a reportagem da Vejinha, o nosso defensor público anexou-a junto ao processo, o que ajudou a acelerar porque foi a maior repercussão entre os magistrados. O juiz conversou com a Luiza no mês seguinte à publicação da matéria", relata.
"Agora que deu certo a felicidade é muito grande, já imagino quando ela for arrumar emprego ou casar vai ser tudo mais fácil", completa a mãe Beatriz. "A gente ficou surpreso porque nem transexuais adultos, que estão há anos tentando na Justiça, conseguiram o que ela conseguiu"
Os detalhes da primeira consulta no Hospital das Clínicas (HC) não escapam da memória de Beatriz. O comportamento feminino do mais novo de seus dois filhos fez com que ela e o marido  buscassem ajuda no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual. Eles carregaram fotos de Leandro, então com 4 anos e 10 meses, em diversas situações: em algumas, usando os trajes de garoto presentes em seu guarda-roupa e, em outras, peças e maquiagens encontradas no armário da mãe. Na triagem, o psiquiatra Alexandre Saadeh apontou para uma imagem do caçula em trajes masculinos e perguntou a ele: “Quem é nessa foto?”. A resposta veio na lata: “Sou eu vestida de menino”.

a um passo da transformação
O psiquiatra Alexandre Saadeh: coordenador do ambulatório que atende crianças e adolescentes com disforia de genero (Foto: Fernando Moraes)
Era o início de um acompanhamento psiquiátrico e psicológico de longa duração, precedido por anos de angústia para a família, que tentou de castigos a artifícios religiosos a fim de forçá-lo a assumir o gênero com o qual veio ao mundo. Ele tinha sinais de depressão, agressividade e não queria mais sair de casa. Veio a difícil decisão: os pais passaram a criá-lo como ele sempre quis, com o nome de Luiza. Aos 9 anos, ela está prestes a se tornar a primeira criança com fortes indicativos de transexualidade a tomar medicamentos com o objetivo de bloquear a puberdade masculina e incentivar a feminina, como o nascimento de seios.
“PRÍNCIPE NÃO. EU SOU UMA PRINCESINHA”
Na reportagem de capa de julho de 2015, a família deu o seguinte depoimento a VEJA SÃO PAULO:
“Eu dizia: ‘Vem cá, príncipe da mamãe’. E o Leandro* retrucava: “Não é príncipe. É princesinha!’ ”, relata Beatriz, de 36 anos. Tudo começou quando ele tinha 2 anos. O menino pegava as presilhas das coleguinhas da creche e ajustava em seus fios loiros. Colocava blusas para usá-las como vestidos, amarradas com um cinto. “Para mim, era uma fase que ia passar”, lembra o pai, Antônio, sargento aposentado do Exército. A feminilidade do garoto, porém, só se acentuava, e as broncas resultavam em lágrimas. A família decidiu, então, buscar a ajuda de um pastor evangélico. A instrução foi reprimir ao máximo a conduta da criança e murmurar longas sequências de orações ao pé do ouvido enquanto ela dormisse, para expulsar “o inimigo” (ou seja, o demônio) de sua cabeça.
Três meses se passaram, e o inferno na casa só se agravava. “De repente, tínhamos ali um filho em depressão, agressivo, piorando na escola”, afirma o militar. Repreendido, Leandro fazia tudo às escondidas. Colocava pregadores de roupa nos cabelos para simular longas madeixas, escondia a genitália ao entrar no banho. Chegou a pegar uma tesoura para cortar o órgão. O ato foi rapidamente contido pela mãe, que procurou em sites de busca expressões como “mente feminina em corpo masculino”. Encontrado na  internet, o documentário americano Meu Eu Secreto traduziu a situação. Os pais fizeram então um trato com a criança: em casa ela podia andar de calcinha e vestido, mas fora dali seria menino. Não deu certo. Em uma ocasião, um amigo da família entrou na residência de moto, sem avisar. A garota estava no quintal e correu para se esconder atrás da churrasqueira, onde ficou por uma hora, tremendo de medo.
“Naquele dia, eu assumi: ela vai ser o que ela é, não importa o que pensem”, diz a mãe. Quando descobriu o ambulatório do Hospital das Clínicas, Beatriz ligou para lá aos prantos, pedindo “pelo amor de Deus” que a atendessem. Ali, os pais de Leandro foram orientados a não repreender nem incentivar o comportamento dele. Com o tempo, consolidou-se na criança a identidade feminina, de forma muito evidente. No primeiro passeio na rua como garota, Antônio precisou encorajá-la (e a si mesmo) a perder o receio dos olhares.
Com o nome social de Luiza, 9 anos, ela foi matriculada em uma escola pública (uma particular a barrou, temendo afugentar a clientela), onde apenas professores sabem de sua história. “Fui muitas vezes acusada de querer transformar minha filha”, lamenta Beatriz. Ela e o marido se afirmam felizes sobre as escolhas da caçula (eles também são pais de um garoto de 10 anos) e se preparam para as próximas fases que Luiza terá de enfrentar: tomar medicamentos para bloquear a puberdade masculina e, no futuro, outros para reforçar os traços femininos. Luiza se diz contente. “Agora me sinto uma menina inteira”, sorri. “Meu único medo é minhas amigas deixarem de falar comigo se um dia descobrirem que eu já fui menino.”

Números de armas por estado nos EUA têm relação direta com mais mortes de mulheres (ESTUDO)

 |  De


26/01/2016

País com uma arma de fogo para cada 88 entre 100 habitantes, os Estados Unidos também registram mais mortes de mulheres nos estados em que existem mais armas registradas. É o que aponta um estudo da Universidade de Boston, divulgado neste mês. O levantamento ajuda a desconstruir o mito de que mais armas significam mais segurança.

Os pesquisadores Michael Siegel e Emily Rothman analisaram comparativamente o número de armas de fogo registradas e os dados relativos a assassinatos de homens e mulheres nos 50 estados norte-americanos, entre 1981 e 2013. De acordo com o estudo, há uma forte correlação do feminicídio e a quantidade de armas registradas.
Para apontar que leis mais brandas para a aquisição de armas de fogo podem ter influência na violência doméstica contra mulheres, os pesquisadores levaram em conta dados como idade, raça, região, pobreza, desemprego, educação, índice de divórcio, uso de álcool, e outros fatores relacionados. E as conclusões são alarmantes.
Nos EUA, a maioria das mulheres morre vítima de armas de fogo. De acordo com o estudo, mais armas registradas significam mais homicídios por arma de fogo, e principalmente mais assassinatos por arma de fogo e cometidos por uma pessoa conhecida da vítima. Destas, 93% são mortas por um companheiro, de acordo com a pesquisa.
“Nosso trabalho confirma que a maior disponibilidade de armas de fogo não parece proteger as mulheres de homicídios cometidos por estranhos, mas aumenta o risco de assassinatos cometidos por pessoas conhecidas”, disse Siegel ao site americano Slate.
Em números, o levantamento explica que o combate ao feminicídio nos EUA pode ser feito pela análise do número de armas de fogo registradas estado a estado – nas áreas com mais armamentos, a taxa de morte de mulheres alcança 41% a mais do que nos estados com menos armas de fogo (entre homens, a diferença não ultrapassa 1,5%).
De acordo com reportagem do The Huffington Post em 2014, um terço das mulheres assassinadas nos EUA foram vítimas dos seus companheiros. Desde 2003, mais de 18 mil mulheres foram mortas em incidentes de violência doméstica no país. Tais dados reforçam outra pesquisa, feita pela Universidade de Harvardem 2002, que ligaram diretamente o número de armas com mais mortes por arma de fogo, especialmente de mulheres.
Mortes violentas no Brasil
Publicidade
No Brasil, dados do Mapa da Violência de 2015, as armas de fogo responderam em 2013 por 48,8% dos assassinatos de mulheres – o índice é maior entre os homens (73,2%). Ainda de acordo com o mesmo levantamento, o feminicídio no País tem maior uso de força física e objetos cortantes/contundentes. Como nos EUA, a violência doméstica é maior contra mulheres e quase sempre é cometida por pessoas conhecidas da vítima.
Já segundo o Datasus5.039 mulheres foram vítimas fatais da violência em 2013, sendo que as negras somam mais do que o dobro das brancas. O Mapa da Violência aponta que houve um aumento de 190,9% de violência contra negras entre 2003 e 2013 – só neste ano final da pesquisa morreram 66,7% mais meninas negras do que brancas.
Neste ano, o Congresso Nacional deve analisar a proposta para flexibilizar o Estatuto do Desarmamento no Brasil. A medida está pronta para ir a plenário na Câmara e, se aprovada, segue para o Senado.

Gentileza x opressão, assédio x galanteio

Gestos até então considerados gentis, como abrir porta de carro, elevador ou servir um copo de cerveja, entraram no foco do debate. Atitudes assim seriam gentileza ou perpetuam a dominação do macho sobre a fêmea? Tentativas de esclarecimento a seguir
30/01/2016

Gestos até então considerados gentis, como abrir porta de carro, elevador ou servir um copo de cerveja, entraram no foco do debate. Atitudes assim seriam gentileza ou perpetuam a dominação do macho sobre a fêmea? Tentativas de esclarecimento a seguir:
gloria-kalil1
Gloria Kalil, jornalista, empresária e consultora de moda
“O limite entre o assédio e o galanteio pode ser difícil de definir, mas as pessoas sabem perfeitamente quando estão diante de um ou de outro. Qual mulher não sabe quando está sendo assediada? Às vezes, só pelo jeito que alguém olha, da maneira que chega, dá para saber que ali tem uma sinalização nitidamente sexual, abusiva. Tenho a impressão de que o pior assédio é o que acontece no trabalho porque implica situações comprometedoras. A vítima pode achar que, ao fazer qualquer movimento ao contrário, vai perder o emprego. Essa situação, de fato, traz consequências maiores. Se a pessoa está dando uma prensa nesse sentido, o outro tem medo de denunciar porque se trata de um chefe. Mas uma mulher achar ruim que um homem a sirva primeiro de um copo de cerveja ou que ele abra a porta do carro para ela entrar, que carregue o pacote de supermercado… Eu acho tudo isso ótimo. Fura o pneu do meu carro e eu vou trocar? Não troco! Não tenho força, não sei onde estão as ferramentas, não sei e não quero saber.
Acho que, se tirar do ideário feminino esse tipo de coisa e colocar no ideário da etiqueta ocidental para o bom andamento dos relacionamentos, a coisa flui sem esses pequenos conflitos que aparecem porque não há regras. Para que existem regras de etiqueta? Elas facilitam muito a vida das pessoas, são feitas para isso, e não para complicar. Se eu estou com um homem mais velho que tem alguma dificuldade, não devo ajudá-lo, abrindo uma porta, carregando um pacote? Se eu vejo um homem jovem cheio de pacotes, não vou ajudá-lo a abrir a porta do elevador, por exemplo? O que estou dizendo é que essas atitudes são do contexto da educação.
Se uma mulher se ofende com gestos masculinos de gentileza, na minha opinião, ela deveria, no máximo, propor uma discussão, uma conversa. Mas jogar copo de vinho na cara, como fez a ministra contra o senador, não. Esse tipo de atitude é o fim, demonstra uma falta de civilidade da parte dela incrível, uma reação primitiva, sem mediação. Além do mais, não acho que dizer que uma mulher é namoradeira seja uma ofensa. De repente, é um entendimento regional, cada Estado brasileiro entende de um jeito. Então, para ela, namoradeira pode querer dizer prostituta. Não sei. Aqui em São Paulo, sei que não é. Eu sou e sempre fui namoradeira. É uma delícia. Em uma sociedade destemperada, essas coisas acontecem. Mas, se somos uma sociedade civilizada, não deveria acontecer. Concorda?”
2015 Laerte Coutinho, cartunista e chargista, 64 anos
Laerte Coutinho, cartunista e chargista
“Todo tratamento diferenciado em relação às mulheres tem uma raiz patriarcal, que supõe uma situação em que mulher é mais imbecil, mais frágil. São suposições que têm por trás o desejo de dominação e controle de uma parte dos homens. Acho que a raiz do questionamento desse costume é feminista sim, mas não é a única. Pessoalmente, acho que os homens também têm bons motivos para refletir sobre esses costumes, que são tidos como inofensivos ou inocentes ou até elogiosos, em vez de ficarem se achando vítimas de mulheres raivosas e ressentidas.
Essa história que a gente chama de cavalheirismo é uma grande bobagem. Os homens que ficam magoadinhos porque as mulheres estão questionando devem aproveitar a ocasião para refletir um pouco porque a cultura patriarcal, que supõe que as mulheres sejam umas débeis mentais, é a mesma que manda os homens para a guerra, partirem para o sopapo. É a cultura que está enchendo os presídios de homens e o mundo de vítimas homens. Acho que as pessoas vão continuar se aproximando como sempre, mas dentro de um contexto de respeito social.
O modo como o assédio é praticado hoje supõe que a mulher é carne para o homem, que está no mundo para dar para o homem, e isso é algo que precisa ser superado. No fundo, é a cultura do estupro, de que os homens têm todo direito de meter a mão. O que se pode fazer é uma crítica desses costumes que ainda vigoram entre homens e mulheres, entre homens e homens, entre mulheres e mulheres. Eu, como mulher transgênero, tenho uma vivência diferente.
Passei 60 anos como homem, soube a pressão dessa cultura e, muitas vezes, agi com esse formato abusivo. A ideia é que, se você é homem, deve agir assim, se não é fraco. Quantas vezes já não tentaram me ensinar como se canta mulher… Eu tentei aprender com muita incompetência. Os homens se comportam assim, porque a mulher supostamente está ali para isso, então toda argumentação de que se trata de uma coisa respeitosa e carinhosa é uma argumentação que está mascarando a natureza real daquilo.
Por mais que o homem estivesse com uma intenção gentil, palavra que certamente ele vai usar, não estava, claro que não estava. Experimenta transpor para a questão racial, por exemplo. Você não faz comentários porque isso já virou explosivo o suficiente. E é tido como natural uma garota bonita e o fato de um homem poder olhar para a bunda dela. Se eu posso olhar, por que não posso comentar e por que não posso dar um toque? Esse tipo de argumentação é muito frequente.
O homem fala: ‘Não posso fazer nada, o meu pau levantou’. Exatamente isso. ‘Eu não posso falar para o meu pau ser respeitoso’. Porque o pênis do sujeito não é ele, é um animal que está dentro das calças do coitado desse homem sujeito a esse pênis que é encharcado de hormônios. E ele não pode fazer nada. ‘Eu só estou aqui acompanhando meu pênis.’ ”
Martim Ancona de Faria Bueno de Aguiar,
estudante de Engenharia

“A sociedade sempre naturalizou algumas atitudes opressivas e assim a vítima e o opressor pensam que é natural. Acho que, no momento em que as coisas não são mais naturalizadas, trazem uma reflexão mais profunda e a pessoa enxerga se é opressiva ou não. Não é o opressor que define o que é ou não machista. É a vítima. Com o fortalecimento dos movimentos feministas, quando um homem fala alguma coisa e nem imaginou que aquele comentário fosse machista – já aconteceu comigo –, a menina se sente mal, ofendida. Nessa hora, o que se deve fazer é um pedido de desculpas e refletir sobre o que ela falou. Muitas atitudes do cotidiano acabam reproduzindo, sem perceber, pensamentos e gestos machistas. O que levo em consideração é que as mulheres foram oprimidas por muito tempo.
Agora elas estão começando a se liberar, os movimentos feministas estão ganhando mais pautas e espaço. Todo esse movimento é meio uma novidade. Não só para os homens. Acredito que, para as mulheres, essa liberdade de expor mágoas com a sociedade também seja uma novidade. E, nessa fase de transição, é compreensível que as mulheres às vezes acabem sendo um pouco mais exacerbadas no jeito de se expressar. Acho que o primeiro pressuposto básico é pensar o que incomoda e tentar se colocar no papel do outro. Não dá mais para ficar naquele lugar de conforto com a justificativa de que os homens são assim mesmo, que eles têm os hormônios à flor da pele.
Acredito que a maioria dos homens está mais cautelosa, mais por medo de ser repreendida. Mas espero que seja apenas uma passagem, até que o medo de ser repreendido mude para uma reflexão de que não se deve fazer determinado tipo de coisa porque isso pode ser desrespeitoso com uma mulher.”
Ronaldo dos Santos Junior, estudante de História e professor de cursinho
“O limite entre a cantada e o assédio é muito tênue e, ao mesmo tempo, muito amplo. Prefiro dividir em dois tipos de situação que, ao menos nos meios em que transito, são mais recorrentes. Esse limite pode ser muito tênue porque, para cantar alguém – entenda cantar por “chegar” na pessoa –, é preciso antes sentir se ela está ou não interessada, tentar descobrir se existe interesse por parte dela. É natural e faz parte. É possível fazer isso por meio de uma conversa, convidando-a para dançar junto…
Trata-se de ir ‘conhecendo’ a pessoa. Existe uma grande diferença entre conhecer a pessoa, se aproximar dela e assediá-la. O assédio envolve agressão. “Cantar” alguém de forma agressiva ou impositiva é um assédio. Pode ser desde a agressão verbal, como o assobio, o famigerado ‘gostosa’ ou ‘delícia’ na rua, ou coisas mais agressivas e grotescas. Portanto, acho que existe uma diferença na forma como os dois são feitos. A cantada é uma demonstração de interesse, que envolve uma troca, uma conversa. O assédio é agressivo e ignora qualquer limite ou processo de troca por parte do outro. O assédio é unilateral.”
FOTO ARISMAR BAIXO -300 (1)
Arismar do Espírito Santo, músico
Para Arismar, o negócio é olho no olho.
“margem de acerto é tábua de salvação
lego crespo
ego cego
prelo seco
pouco moco
tolo rouco
o limite do bullying descabido
é me tido em brilho de íris 
é medido a milhares de metros lúbricos
ou total abstinência
intolerância em ter me, tente…”

Julia Fortes Cré, estudante de Medicina
“A forma como a pessoa fala, como ela demonstra e como age já mostra a diferença entre um elogio e um assédio. Infelizmente, mesmo hoje, as pessoas não tomam cuidado com essa questão da cantada. Quando uma mulher caminha na rua sozinha e passa em qualquer lugar com uma concentração de homens, ela sofre com isso. Tenho amigas que mudam de calçada quando percebem que podem ser ‘cantadas’. Na faculdade, conheci umas meninas que tratam dessa questão do feminismo e, com elas, aprendi muito sobre o movimento. Antes de entrar na universidade, eu já conversava com minhas amigas sobre situações de assédio, como o ‘fiu-fiu’ e chamar de ‘gostosa’.
Esses grupos feministas que estão surgindo nas faculdades ajudam as meninas a tomarem mais consciência sobre esse assunto. Eu passei por uma situação recente, que pode ilustrar um pouco isso. Tem uma padaria perto da minha casa e um senhor cuida dela sozinho. Ele acabou de abrir o lugar e, como é um espaço em que vão muitos estudantes, esse senhor oferece algumas coisas para eles experimentarem. O dono da padaria quer saber se o que preparou para ofertar está bom.
Outro dia, ele me contou que uma menina não gostou da atitude dele porque entendeu que ela estava sendo cantada. Então, não acho que o cavalheirismo seja algo ultrapassado, mas por toda essa questão do assédio, que está muito forte, ele acaba sendo confundido com ‘dar em cima’.”
Isadora Szklo, professora
“Para pensar essa questão, precisamos ter como base que assédio é parte de uma ideologia machista, que desumaniza e objetifica as mulheres. Os elogios fazem parte da relação entre duas ou mais pessoas, mesmo que seja uma interação simples, como por exemplo um agradecimento. O assédio não tem essa interação, ele é só uma ação de um homem em cima de uma mulher. Isso fica ainda mais explícito em casos de assédio físico, como quando um homem “passa a mão” em uma desconhecida. Isso não é elogioso, é violento e reforça a ideia de que o espaço público é do homem.
O assédio vem sendo mais discutido recentemente. Penso que isso tenha começado com mais força na campanha ‘Chega de fiu-fiu’, passando pela ação contra estupro do “Eu não mereço ser estuprada” e, mais recentemente, as hashtags #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto, além da Marcha das Vadias. Tudo isso mostra verdades duras sobre a realidade das mulheres e o que nós realmente achamos das cantadas e diferentes formas de interação entre homens e mulheres. Infelizmente, a discussão em torno desse conteúdo não é tão ampla quanto gostaríamos, mas com certeza fortalece a luta das mulheres.
Existe uma diferença entre o cavalheirismo e a gentileza.

Gentileza é o gesto ou uma capacidade de ajudar o outro, sem distinção de gênero. O cavalheirismo é quando o homem faz algo por uma mulher por entender que eles exercem papéis sociais distintos. Atitudes como pagar a conta são tomadas geralmente sem perguntar a opinião da mulher. Sabemos abrir portas e podemos pagar contas. É uma ideia similar à do assédio, pois propaga que a escolha é sempre do homem. Sendo assim, o cavalheirismo pode parecer gentil, mas não é justamente por essa carga ideológica machista que carrega consigo.”

“As brasileiras entenderam que têm direitos”


A afirmação é de Maria Lygia Quartim de Moraes. Socióloga, doutora em Ciências Políticas e feminista, ela, ao lado de outras mulheres, com muita teoria e atitude, ajudou a construir o atual questionamento da sociedade. Para Maria Lygia, os recentes movimentos no País são espontâneos e por isso mobilizadores
23/01/2016

Maria Lygia Quartim de Moraes teve a sorte de nascer em uma família que tratava bem as mulheres. Filha do meio, entre dois meninos, de uma dedicada dona de casa e de um pai bacharel em Direito, que fez um pouco de tudo – foi gerente de banco, vendedor, diretor financeiro –, o casal tinha como verdadeiro negócio a cultura. Aluna rebelde do tradicional e conservador Sacre Coeur de Marie, Maria Lygia encontrou em O Segundo Sexo, obra de Simone de Beauvoir, a “munição” perfeita para, mais tarde, se tornar o que é: socióloga formada pela USP, com cursos de pós-graduação na França e no Chile, além de doutora em Ciências Políticas, também pela USP, e professora titular da Unicamp.

Disparidade salarial pode contribuir para a ansiedade e depressão das mulheres, aponta estudo

O cenário

Estudos anteriores já mostraram que a depressão e a ansiedade são mais comuns nas mulheres que nos homens.

Com isso em mente, pesquisadores da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade Columbia decidiram examinar se a disparidade salarial entre homens e mulheres exerce um efeito sobre a saúde mental da mulher.
Como o estudo foi realizado
Os pesquisadores analisaram informações sobre 22.581 adultos empregados, na faixa dos 30 aos 65 anos, baseados numa pesquisa de 2001-2002 representativa de todo o país (EUA). Em seguida, formaram pares de um homem e uma mulher com base em fatores relacionados aos salários recebidos, incluindo ocupação, setor da economia e idade.
Os pesquisadores também determinaram se os participantes sofriam de transtorno depressivo grave ou transtorno de ansiedade generalizada, usando uma “entrevista de diagnóstico para uso por entrevistadores experientes sem formação clínica”, do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria.
O que se descobriu
Nas duplas em que as mulheres ganhavam menos que os homens em função e situação semelhante, as chances de depressão nas mulheres eram mais de duas vezes maiores que nos homens. Nas duplas em que homens e mulheres tinham renda igual ou em que a mulher ganhava mais, as chances de transtorno depressivo grave eram “insignificantes”.
Publicidade
Os pesquisadores encontraram resultados ainda mais preocupantes quando compararam a presença de ansiedade. Nas duplas em que as mulheres ganhavam menos que os homens, as chances de ser encontrados casos de transtorno depressivo grave eram mais de quatro vezes maiores entre as mulheres. Quando as mulheres ganhavam mais que os homens, os pesquisadores constataram uma “disparidade substancialmente reduzida”.
A conclusão
Com base nessa pesquisa, a disparidade salarial de gêneros transcende a diferença de renda entre homens e mulheres, podendo ter um efeito sobre a saúde mental. Ou, nas palavras de Katherine Keyes, uma das autoras do estudo: “Embora se considere comumente que diferenças de gênero em matéria de depressão e ansiedade tenham origens biológicas, estes resultados sugerem que elas são muito mais socialmente construídas do que se pensava anteriormente, indicando que as disparidades de gênero nos transtornos psiquiátricos são maleáveis, resultantes de tratamento injusto.”
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.

Reduzindo a disparidade de gênero na indústria da tecnologia


CEO do YouTube
28/01/2016
Acabo de voltar do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde líderes do mundo inteiro se reuniram para discutir as implicações de uma nova revolução industrial. Esta quarta revolução industrial (depois das provocadas pelo motor a vapor, pela eletricidade e pelos eletrônicos) está usando a tecnologia digital para revolucionar quase todas as partes de nossas vidas num ritmo sem precedentes, de carros que andam sozinhos a assistentes baseados em inteligência artificial.
Uma das maiores implicações, detalhada no relatório The Industry Gender Gap (a disparidade de gênero na indústria, em tradução livre), é o prejuízo que essa revolução pode causar para o progresso das mulheres, pois elas têm pouca representação no setor de tecnologia. As forças de mercado estão transformando indústrias, favorecendo habilidades técnicas, e as mulheres respondem por apenas 26% dos empregos. Pior ainda, elas só tendem a conquistar um emprego de CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) para cada 20 outros perdidos graças a indústrias que passam por rupturas tecnológicas. Para os homens, essa proporção é muito mais favorável: um para cada quatro.
Como o relatório deixa claro, "se as tendências atuais de diferença entre os gêneros persistir e se a transformação do mercado de trabalho em direção a papeis novos e emergentes nos campos de computação, tecnologia e engenharia continuar num ritmo mais acelerado que a conquista desses novos empregos pelas mulheres, elas correm o risco de perder as melhores oportunidade de emprego do amanhã".
Achei as conversas em Davos e as conclusões do relatório muito inquietantes, mas também familiares. Em outubro passado, fui à Grace Hopper Celebration of Women in Computing Conference, uma conferência que comemora a participação das mulheres na indústria de tecnologia, para transmitir uma mensagem semelhante: as mulheres não só correm o risco de perder as melhores oportunidades de emprego no futuro, elas também correm o risco ainda mais preocupante de declínio de sua influência social. Conforme a tecnologia transforma o mundo, as mulheres perderão a chance de ter impacto nas enormes mudanças sociais e econômicas trazidas por esta quarta revolução industrial.
Há muito a fazer para atacar este problema, especialmente melhorar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, apontado no relatório como o principal obstáculo para manter mulheres no setor de tecnologia. Abaixo, você encontra o texto de meu discurso na conferência, no qual falo sobre esse problema iminente, além dos passos que podemos tomar para garantir que as mulheres ocupem seu lugar de direito na construção do futuro.
***
O que segue foi adaptado do discurso na Grace Hopper Celebration of Women in Computing, realizado pelo Anita Borg Institute for Women in Technology and the Association for Computing Machinery.
Bom dia, Grace Hopper! É uma honra incrível estar aqui com vocês... tantas cientistas da computação interessantes e brilhantes! Para todas as mulheres que se sentem sozinhas em seus campos de atuação, esta convenção é um salva-vidas - um lugar de apoio e inspiração onde você pode ser você mesma e se reunir com outras cientistas da computação. Isso também é verdade para mim.
É ótimo ver tantas de você na plateia hoje... incluindo as 1 000 funcionárias do Google e do YouTube que estão aqui hoje. Obrigada pela presença!
Deixem-me começar com uma história da minha vida...
Alguns anos atrás, minha filha, que tinha dez anos, me disse que odiava computadores.
Acho que vocês não imaginavam que eu começaria meu discurso desse jeito hoje.
Quando ela me disse aquilo, fiquei chocada. Ela ia comigo para o Google desde que era bebê. Sabia que seus pais trabalhavam com tecnologia. Sabia que eu me interessava pela questão de mulheres trabalhando em tecnologia. De repente, essa questão tão importante para mim no trabalho apareceu na minha vida doméstica.
O que aconteceu na minha casa pode soar familiar para todas vocês. Tínhamos um computador em casa, que meu filho adorava. Adorava tanto que minha filha não podia chegar perto. Nas palavras dela: "Ele tinha dominado (o computador)", então ela era obrigada a procurar outra coisa para fazer.
Ela também disse que era "super nada a ver" gostar de computadores e que tinha mais o que fazer da vida.
Hoje, esse padrão se repete com meninas de todos os Estados Unidos. As meninas estão ficando fora da conversa quando se fala de tecnologia. Elas são levadas a acreditar que o setor de tecnologia é insular e antissocial. E nunca têm a chance de ter essas perspectivas corrigidas.
Esse padrão pode começar em nossas casas, mas tem sérias implicações para a economia e para as mulheres como um todo.
Em 2020, estima-se que os empregos de ciência da computação cresçam duas vezes mais rápido que a média nacional, totalizando quase 5 milhões de empregos.
E estes são apenas os empregos que o Pew Research Department considera empregos tecnológicos. Mas é claro que a tecnologia está presente em muito mais empregos que aqueles incluídos nessa lista e, portanto, tem muito mais influência.
Por exemplo, todos os carros fabricados hoje têm mais poder computacional que o foguete Apollo 11, que levou o homem à Lua. O Watson, da IBM, diagnostica câncer com mais precisão que oncologistas. E agricultores usam satélites e previsão do tempo para maximizar suas colheitas.
A tecnologia revoluciona quase todas as partes de nossas vidas, num ritmo sem precedentes. Mas, hoje, as mulheres têm apenas 26% dos empregos do setor.
Se as mulheres não participam da tecnologia, estão perdendo a chance de influenciar a maior mudança econômica e social deste século.
O fato de que as mulheres representem uma porção tão pequena da força de trabalho tecnológica não deveria ser apenas um sinal de alerta, deveria ser um Sputnik.
É uma ameaça à proeminência econômica do nosso país e coloca em risco nossa competitividade futura. E isso deveria nos acordar.
Por onde começar, então?
Existe um debate sério sobre a falta de mulheres no setor de tecnologia. É um problema de falta de interesse das mulheres pelos cursos de CTEM das universidades? Ou é questão de retenção de funcionárias?
Na minha opinião, ambos.
Vamos começar com a fonte. Hoje em dia, as mulheres obtêm mais de metade de todos os diplomas universitários dos Estados Unidos, mas menos de 20% dos de ciência da computação.
E esse problema, infelizmente, não está melhorando, está piorando.
A representatividade das mulheres no setor de tecnologia era maior em meados dos anos 1980. Outros campos, como biologia e química, melhoraram desde então; mas a ciência da computação piorou.
Há dois anos, estava na plateia desta conferência quando Maria Klawe estava aqui no palco. Para quem não sabe, Maria é a presidente do Mudd College, da Universidade Harvard, onde ajudou a liderar um esforço bem-sucedido de incentivo às mulheres na ciência da computação. Maria se dedicou a fazer as mulheres se empolgar com a tecnologia, e ela está obtendo resultados. Quando conversamos, ela falou das três razões pelas quais as mulheres não entram para o setor.
Nas palavras dela:
Primeiro, elas acham chato.
Segundo, elas acham que não serão boas o suficiente.
Terceiro, elas preferem estar mortas a serem vistas com o pessoal que se forma em ciência da computação.
Chequei com a minha filha e, infelizmente, essas percepções distorcidas são verdadeiras.
Todas sabemos que nada disso é verdade. Mas as percepções são importantes na vida real. Então vamos entender por que elas existem e como podemos consertá-las.
Primeiro, ciência da computação é chato.
OK, obviamente não é verdade. Mas como saber se você não experimenta? O problema é que, a menos que você seja a pessoa sentada na frente do computador e escrevendo seu próprio programa, pode parecer incrivelmente chato para quem olha de fora.
A segunda percepção, segundo a qual as meninas não seriam boas em ciência da computação... isso me deixa maluca.
É claro que elas seriam boas.
Alguns dos melhores programadores da história eram mulheres! Ada Lovelace, primeira programadora do mundo; Ida Rhodes, que desenhou os primeiros computadores do Censo e da Seguridade Social; Margaret Hamilton, que escreveu o software que colocou a Apollo 11 na Lua; e Joan Clark, que, com outras mulheres, quebrou o código secreto nazista Enigma, em Bletchley Park.
E não nos esqueçamos de Anita Borg e Grace Hopper.
E há muitas mulheres incríveis na indústria hoje no Google e no YouTube trabalhando em partes importantes de nossos sistemas. Elas são muitas para serem mencionadas pelos nomes, mas aposto que várias estão aqui na plateia.
Mas, dado o número de homens versus o número de mulheres, e dado que a maioria das mulheres nem sequer experimentou a ciência da computação, entendo como as mulheres podem internalizar essas percepções distorcidas.
Então deixa eu contar um segredinho que aprendi no topo de uma das maiores empresas de tecnologia...
Os homens não têm nenhuma habilidade especial para liderar empresas de tecnologia.
É claro que a disparidade de gênero na ciência da computação não vai desaparecer sozinha. Toda vez que vou buscar meus filhos no curso de computação no Vale do Silício, vejo crianças de 7, 10, 12 anos, e vejo a mesma coisa no trabalho. Se não mudarmos nada, o futuro da tecnologia será igual ao presente.
A única maneira de consertarmos essas percepções é dar a todos a chance de aprender ciência da computação.
Começaria disponibilizando ciência da computação para todos os estudantes nos Estados Unidos, com o objetivo final de torná-la uma disciplina obrigatória.
Reconheço que muitas escolas do país não têm os recursos necessários e enfrentam dificuldades de orçamento. Não estou dizendo que é fácil, mas, por outro lado, o mundo está mudando, e nosso sistema educacional precisa preparar os estudantes para o século 21.
Hoje, cerca de 10% das escolas oferecem aulas de ciência da computação, enquanto matérias como biologia, química e física são obrigatórias.
A menos que ciência da computação seja uma prioridade, corremos o risco de aprofundar as disparidades de gênero, classe e raça, com empregos e oportunidades fluindo para aqueles que aprenderam ciência da computação. Como país, também arriscamos nossa competitividade futura.
Outros países já adotaram essas medidas. No ano passado, a Inglaterra se tornou o primeiro país da União Europeia a tornar a ciência da computação uma matéria obrigatória. A Itália logo vai implementar algo semelhante. E Israel e Coreia do Sul têm alguns dos currículos mais rigorosos (http://theinstitute.ieee.org/career-and-education/preuniversity-education/computer-science-classes-for-kids-becoming-mandatory) de ciência da computação.
Nos Estados Unidos, começamos a ver as primeiras mudanças. Cidades como Nova York, Chicago e San Francisco estão fazendo progresso, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
A melhor coisa de uma geração em que todos os estudantes entendem ciência da computação é que ela terá impacto significativo para mulheres e minorias que hoje são subrepresentadas no setor.
E agora a terceira percepção distorcida... Nem morta seria vista na mesma classe de um nerd.
Primeiro, precisamos que mais dessas meninas venham para a Grace Hopper para ver as mulheres extraordinárias que temos aqui.
Quando se trata desse tipo de percepção distorcida, costumamos culpar a mídia por reforçar estereótipos.
Hummm... tenho um problema com isso... Não posso culpar a mídia... Sou responsável por uma das maiores plataformas de mídia do mundo. Temos mais de 1 bilhão de visitantes por mês.
Então comecei a pensar o que o YouTube poderia fazer para mudar essa percepção.
Publicidade
Bem, a primeira coisa que podemos fazer é ajudar as pessoas a entender que existe um problema.
Então é com orgulho que anuncio que estamos trabalhando com Lesley Chilcott, a produtora vencedora de um Oscar e responsável por "An Inconvenient Truth" e "Waiting for Superman". Lesley criou um novo documentário sobre o papel que as meninas podem ter na tecnologia e sobre a importância do envolvimento delas.
O novo filme de Lesley se chama "Code Girl", e ela não apenas está na plateia hoje como trouxe um teaser exclusivo do filme, que gostaria de compartilhar com vocês agora.
Vamos assistir o clipe.
É com orgulho que anuncio que, junto com a equipe Made w/Code, do Google, vamos exibir o "Code Girl" de graça no YouTube durante cinco dias, antes da estreia nos cinemas. Gostaria de agradecer Lesley pela tremenda paixão que ela trouxe para o projeto, a fim de gerar conscientização para esta questão importante.
Mas nosso apoio não para por aí.
No próximo ano, você vai ouvir falar que o YouTube está trabalhando para termos mais mulheres na frente e atrás das câmeras e como vamos incentivar conteúdos que mostrem de forma positiva as mulheres na tecnologia.
Mas, mesmo que mudemos percepções e reforcemos a produção de candidatas na fonte, temos de ser sinceros: há muitos problemas culturais que afastam as mulheres.
Para empresas como o Google, isso é uma enorme perda de talento, num campo em que constantemente temos falta de mão-de-obra. Hoje, as mulheres nas carreiras CTEM têm 45% (http://www.talentinnovation.org/publication.cfm?publication=1420) mais propensão a deixar o setor que os homens.
Há algumas explicações. Uma delas é uma cultura que vangloria quem trabalha a noite inteira e aceita longas jornadas.
Pode ser muito extremo, especialmente nas startups. Trabalhar muitas horas demonstra seriedade, compromisso, potencial. Há maratonas de programação que duram a noite inteira e programadores que tomam Soylent para não ter de sair da mesa para comer. E os frigobares estão cheios de Red Bull para quando você precisar daquela energia extra. Isso cria uma cultura que intimida as pessoas que querem uma vida normal e pune quem tem compromissos importantes em casa, homens ou mulheres.
Jamais seria parte de uma cultura dessas, pois tive meu primeiro bebê logo depois de entrar para o Google. Ao longo da minha carreira, sempre fiz questão de estar em casa à noite para jantar com minha família.
No começo, não era exatamente uma escolha. Meus filhos estavam no berçário. E você sabe o que acontece quando você se atrasa para buscá-los? Cobra um dólar por minuto de atraso! E essa não é a pior parte... A pior parte é que seus filhos ficam bravos com você porque foram os últimos a ser pegos pelos pais.
Mas essa restrição me permitiu desenvolver um estilo de trabalho focado em eficiência, produtividade e priorização durante as horas em que estou no escritório.
Às vezes é necessário trabalhar muitas horas. Há emergências que exigem que você esteja no escritório nos finais de semana ou à noite. Mas não é uma solução sustentável no longo prazo. Um estudo recente da Harvard Business Review aponta que os funcionários que fazem pausas regulares veem um aumento de 30% na concentração, comparado com os colegas que não fazem pausas. E os funcionários que se sentem incentivados pelos chefes a tirar pausas relataram quase 100% mais lealdade às empresas.
Eis meu conselho para todas vocês: trabalhem de forma inteligente. Trabalhem duro, trabalhem bem. E... vão para casa.
Olhar para o longo prazo e não sofrer de estafa é mais importante que uma passagem meteórica e intensa pelo setor de tecnologia. Empresas de tecnologia, se vocês quiserem atrair e reter os melhores talentos, precisam ajudar os funcionários a encontrar equilíbrio.
Outra coisa que podemos fazer para tornar nossa indústria um lugar mais acolhedor para as mulheres é defender a licença familiar remunerada.
Tive sorte na vida. Fui a primeira funcionária do Google a sair de licença-maternidade, e no ano passado me tornei a única pessoa a tirar cinco licenças-maternidades no Google. Cada uma delas enriqueceu minha carreira e, acima de tudo, enriqueceu minha vida. Elas me trouxeram paz de espírito, sabendo que eu poderia voltar depois de passar o tempo que eu realmente queria e precisava com meu novo bebê.
Curiosamente, também descobri que cada licença me deu uma oportunidade para refletir sobre minha carreira. Na minha segunda licença-maternidade, decidi mudar e trabalhar em publicidade, onde passei os 12 anos seguintes da minha carreira.
Por parecer contraintuitivo, mas as pesquisas - e a experiência do Google - mostram que uma licença-maternidade remunerada e generosa aumenta a retenção de funcionários.
Quando as mulheres têm licenças curtas, ou quando são pressionadas a estar à disposição, algumas delas decidem que não vale a pena voltar. É por isso que quando o Google aumentou a licença maternidade de 12 para 18 semanas, vimos o índice de demissões de mulheres cair 50%.
Com suas ofertas de licenças mais generosas, empresas como Netflix e Microsoft me inspiraram. Infelizmente, os Estados Unidos são o único país do mundo além da Papua-Nova Guiné que não oferece licença maternidade remunerada. Hoje, 88% das americanas não têm licença-maternidade remunerada. Isso cria uma situação terrível, em que um quarto das mulheres volta ao trabalho dez dias depois de dar à luz.
Se as empresas de tecnologia quiserem aumentar a retenção, precisam oferecer licenças remuneradas e generosas. E, aumentando a conscientização sobre os benefícios da licença remunerada, a esperança é que elas inspirem o país a fazer o mesmo.
Se você trabalha para uma empresa e acha que não tem equilíbrio no dia-a-dia, e a licença-maternidade é ruim ou não-existente, recomendo começar a procurar outro emprego.
A propósito... estamos contratando!
Mas, ao reformar a cultura, aconselharia todas vocês a defender seus direitos e não se sentir culpadas por isso.
Deixem-me dar um exemplo:
Alguns anos atrás, houve uma importante conferência só para convidados com vários outros líderes do meu setor. Eu trabalhava com aquelas pessoas. Eram pessoas com quem tinha relacionamentos, parcerias, mas meu convite nunca chegou.
Eu poderia simplesmente ter esquecido. Mas não. Queria ir ao evento, porque era importante para o meu trabalho. Entrei em contato; outras pessoas fizeram o mesmo em meu nome. Pedi e pedi... mas mesmo assim não fui convidada.
Algumas pessoas pareciam irritadas porque eu continuava falando do assunto. Sinceramente, era meio constrangedor contar para as pessoas que eu não tinha sido convidada. A certa altura comecei a achar que o evento não era para mim.
Mas, quando praticamente estava sem esperanças, encontrei uma pessoa que tinha a influência certa. Contei o que estava acontecendo e ele fez acontecer.
Um dia depois, meu convite chegou, como mágica. E no evento era óbvio - eu deveria estar lá.
Depois dessa experiência, dei-me conta de que todas passamos por algo parecido. Pode ser uma reunião, um evento, uma aula, algo de que você quisesse participar mas não foi convidada.
As pessoas podem te impedir de ir de várias maneiras.
Meu conselho para vocês é continuar pedindo. Cuidem de vocês, defendam seus direitos. E não se sintam culpadas por isso.
Também me dei conta de outra coisa importante nesse episódio...
Alguém da empresa que tinha mais poder e influência que eu entrou em contato e fez acontecer.
Ficou claro para mim como as pessoas conseguem aquele próximo emprego, aquela promoção, aquele convite. Poder e influência são passados adiante por quem os detém.
Portanto, se você vir uma empresa com pouca diversidade, procure o líder.
Voltando à minha filha agora.
Estou feliz de poder contar que agora ela gosta de computadores. Depois daquele alerta em casa, a inscrevi num curso de computação. Ela voltou para casa reclamando que só tinha meninos na sala - e que ninguém era como ela. Ela odiava computadores ainda mais que antes!
Mas não desisti!
Coloquei-a num curso de programação só para meninas. Logo ela começou a ver a luz. Em pouco tempo ela tinha desenhado um computador-relógio, com telefone, vídeo e os contatos das amigas, como ela queria. E isso, a propósito, foi antes de Apple e Samsung lançarem os seus modelos.
Eu via que ela começava a enxergar tecnologia como uma ferramenta para trazer à vida suas ideias, para melhorar o mundo dela. Apoiando e incentivando minha filha, consegui virar o jogo. Mas ela é só uma menina.
Então gostaria de pedir que vocês se apoiassem e se incentivassem. E fizessem contato com a próxima geração de meninas na sua vida que acha que tecnologia é inacessível, pouco criativo, difícil ou chato - mostrando para elas por que isso é um estereótipo. Não importa onde estejamos em nossas vidas - podemos fazer diferença.
Se você está na universidade, pode influenciar estudantes do ensino médio ou seus colegas. Se você acabou de começar a trabalhar, pode ajudar quem está na escola a arrumar um emprego. Se você é executivo, pode identificar mulheres talentosas da empresa e ajudá-las a progredir na carreira.
E, se todas fizermos isso juntas, veremos um grande progresso nas estatísticas e na mudança das percepções.
Temos de ter mais meninas entrando nos cursos de ciência da computação, reformando nossos padrões educacionais para século 21. Temos de melhorar a cultura do ambiente de trabalho do nosso setor para torná-lo mais amigável para as mulheres.
E, acima de tudo, temos mostrar para a próxima geração de meninas e a geração atual de mulheres que a ciência da computação é lugar para elas, sim, e com ela podemos mudar o mundo.
Obrigada e aproveitem a conferência!