terça-feira, 18 de setembro de 2012


Entrevista: Comissão da CNBB relata tráfico de pessoas na fronteira do Amapá com a Guiana Francesa

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Elisangela Cavalheiro
Redação Portal A12


Para averiguar denúncias de tráfico de pessoas a Comissão Episcopal Pastoral para a Amazônia enviou em agosto passado para o Amapá (AP) e Guiana Francesa um grupo de religiosas e uma integrante do movimento Humanos Direitos do Rio de Janeiro.

A comitiva formada pelas Irmãs, Irene Lopes da Silva da Comissão Episcopal para a Amazônia, Henriqueta Cavalcante da Comissão Justiça e Paz do Regional Norte 2, Osnilda Lima da revista Família Cristã e Salete Hallack do movimento Humanos Direitos (RJ) visitou as cidades, ouviu a população e registrou os graves problemas enfrentados nessa região de fronteira. 

A Comissão para a Amazônia realizou a viagem para analisar denúncias recebidas pela Comissão Justiça e Paz da CNBB - Norte 2. 

Irmã Irene Lopes, contou ao Portal A12 como foi a experiência realizada nessas semanas de trabalho, colhendo informações da população e comunidade local e também analisando os desafios no combate ao crime de exploração sexual e ao tráfico, a pobreza e a falta de perspectiva dos jovens amapaenses.

Primeiras impressões

O grupo chegou a Calçoene, município da região nordeste que fica a 384 quilômetros da capital Amapá, que possui segundo dados do IBGE (2010), quase nove mil habitantes.

A população vive de colheitas de frutas da floresta, pesca, criação de búfalos, comércio e do funcionalismo público, e no distrito de Lourenço, as famílias também trabalham na extração do ouro.

Ao visitar um grupo de adolescentes, a irmã recebeu informações que denotam o descaso do governo e das autoridades locais.

“Eles lamentam a inexistência de cursos universitários, empreendimentos que apresentem perspectiva de futuro para permanecer na cidade. Contam que se alguém deseja continuar estudando após a conclusão do ensino médio precisa alugar uma quitinete na capital, Macapá. No entanto, a família que não possui condições financeiras, os jovens não têm como continuar estudando. Afirmaram sentirem vergonha da cidade pelo total abandono que se encontra. Os adolescentes se perguntam para aonde vai o investimento que vem para o município”, esclarece a religiosa.

Falta de perspectivas, drogas e prostituição

Segundo a assessora, outra preocupação dos adolescentes, é o alto índice de garotas de 12 a 15 anos que engravidam e acabam ficando desamparadas.

“Desabafam que pela falta de perspectivas engravidam. Acreditam ser a única alternativa para mudar, contudo muitos namorados não assumem o filho, os pais as põem para fora de casa. As meninas reclamam que somente a adolescente aguenta as consequências. Segundo elas, o pai da criança parece que não teve participação”, conta Irmã Irene.

A proximidade com as drogas também é outro ponto que os jovens de Calçoene enfrentam. Os meninos e meninas disseram que a oferta de narcóticos é muito grande.

Com essa abertura para a criminalidade e o descaso do poder público, os jovens contaram ao grupo que além da droga, também a prostituição acontece de forma aberta.

Segundo relatos, a prostituição acontece próximo do local aonde desembarcam os pescadores, e grande parte da droga que chega ao município vem escondida no meio dos gelos dos pescados.

Irmã Irene conta como a oferta de trabalho em Oiapoque engana as jovens que procuram melhores condições de vida e de trabalho.

“Mais um agravante é a oferta de emprego para trabalhar na cidade do Oiapoque com propostas irrecusáveis. Contudo, ao chegar lá tudo muda e o sonhado trabalho acaba se tornando um drama, pois são obrigadas a se prostituírem em bordeis e, chegam lá devendo, dificilmente conseguem quitar as despesas. As meninas que ‘dão lucro’ são ‘vendidas’, por valores significativos e levadas à cidade francesa de Caiena e daí seguem para outros países”.









Na rodovia BR 156 que liga a capital Macapá à fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, próximo da cidade de Oiapoque, o grupo viu municípios, distritos e povoados inteiros, esquecidos em uma estrada abandonada, de chão batido, em péssimas condições.

No distrito de Lourenço, onde acontece o garimpo do ouro, a irmã conta que viu uma “situação de total abandono” e “notória situação de exploração sexual”. O trabalho que busca dar esperança à população é realizado pelas Irmãs de Nossa Senhora Menina.

Em Oiapoque, onde atuam os padres da Congregação do Verbo Divino, a proximidade com a fronteira favorece diversos crimes.

“A realidade do município é muito grave, pois se trata de um espaço geográfico de transição. Oiapoque faz fronteira com a Guiana Francesa e a passagem para o garimpo, assim como para o tráfico com fins de exploração sexual é incontrolável”, esclarece a assessora.

O papel das comissões da CNBB

O papel da Comissão Justiça e Paz do Regional Norte 2 tem sido o de um espaço de acolhida de muitas denúncias de tráfico de pessoas. Com essa realidade, a comissão busca dar encaminhamentos para que as denúncias sejam analisadas e encontrem justiça.

O trabalho de prevenção também é uma das metas da comissão e é um trabalho que vem sendo desenvolvido com outras comissões, esclarece Irmã Irene.

“A Comissão para Amazônia em parceria com a Comissão da Missão Continental tem um projeto que tem como objetivo, favorecer o intercâmbio e articulação entre as dioceses de fronteiras dos países que compõem a Amazônia Legal, a fim de concretizar a proposta de uma Igreja em estado permanente de missão”.

“Nossa estratégia é conhecer a realidade fronteiriça e elaborar um plano de ação”, finaliza Irmã Irene. 

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