segunda-feira, 8 de outubro de 2012


Análise: Tumultos em fábricas chinesas ecoam alterações demográficas

DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"


O tumulto na fábrica da Foxconn em Taiyuan, no norte da China, na semana passada teria começado com uma briga entre dois trabalhadores embriagados. O enfrentamento se agravou quando guardas de segurança intervieram agressivamente, saindo de controle completamente quando 5.000 policiais foram despachados para reprimir 2.000 operários enfurecidos. Cerca de 40 pessoas acabaram sendo hospitalizadas.
A Foxconn, empresa manufatureira taiuanesa que opera sob contrato e emprego 1 milhão de operários na China, enfrenta pressões devido às condições vigentes em suas fábricas desde uma onda de suicídios em sua fábrica em Shenzhen, alguns anos atrás. Desde então, a empresa aumentou salários e fez outras modificações para melhorar sua imagem e as relações com os funcionários às vezes insatisfeitos.
Um relatório divulgado este ano pelo grupo americano Fair Labour Association constatou que a Foxconn resolveu muitos de seus problemas trabalhistas, mas ainda assim encontrou evidências de "descumprimentos graves e urgentes", incluindo horas extras que excedem os limites permitidos pelas leis da China. O relatório não cobriu a fábrica de Taiyuan, que recentemente aumentou sua produção, possivelmente para suprir os pedidos para o lançamento do iPhone 5 da Apple.
A Foxconn é a empresa que vem atraindo mais atenção, devido a suas dimensões enormes e ao trabalho que faz para marcas famosas, incluindo a Dell, Sony, Hewlett-Packard e Apple. Mas é provável que a Foxconn seja melhor empregadora que muitos de seus pares. A tensão crescente no chão de fábrica chinês é sintomático de tendências muito mais fundamentais e abrangentes do que as que poderiam ser resolvidas com mudanças superficiais em salários ou condições de trabalho.

FLUXO DE MIGRANTES
A mudança mais fundamental é de natureza demográfica. A China não pode mais contar com um fluxo interminável de trabalhadores migrantes flexíveis e que se contentam com trabalho exaustivo e monótono. De acordo com o Asian Development Bank, entre 1975 e 2005 a população chinesa em idade economicamente ativa quase dobrou, passando de 407 milhões para 786 milhões. O aumento real no número de trabalhadores produtivos foi ainda maior, já que o aumento da população coincidiu estreitamente com as reformas econômicas de Deng Xiaoping, que tiraram dezenas de milhões de pessoas do campo, levando-as a trabalhar em fábricas urbanas. Com isso, pessoas que antes eram mão-de-obra excedente em fazendas ineficientes se converteram em membros produtivos da força de trabalho global.
A boa notícia é que esse aumento maciço na força de trabalho ajuda muito a explicar o crescimento notável da China nos últimos 30 anos. A má notícia é que isso acabou. A população chinesa vem envelhecendo desde 2000, segundo as definições da ONU. A partir de 2015, quando a população em idade economicamente ativa vai começar a encolher, o dividendo demográfico que a China desfrutou por tanto tempo vai se inverter rapidamente.
Tudo isso está acontecendo em muito menos tempo do que em outros países que seguiram um caminho de desenvolvimento semelhante. Num documento de trabalho de 2010 do Asian Development Bank, Yolanda Fernandez Lommen calcula que a população chinesa começou a envelhecer quando a renda per capita real chegou a US$4.000, contra US$14.900 no caso do Japão e US$16.200, da Coreia do Sul.

TRABALHO FÁCIL
Ao nível do chão de fábrica, isso significa que a balança oscilou em favor da força de trabalho numa etapa muito anterior do desenvolvimento. Hoje está mais fácil encontrar trabalho na China, e os trabalhadores sentem-se muito menos em dívida com seus empregadores. Apesar da desaceleração forte no crescimento da China, chama a atenção o fato de que o índice de desemprego praticamente não mudou.
Os operários de hoje estão menos dispostos a tolerar muitas horas de trabalho monótono por dia. A insatisfação é agravada por uma consciência crescente do estilo de vida dos chineses mais ricos. É verdade que os salários pagos nas fábricas vêm subindo até 20% ao ano. Mas, para um número cada vez maior de trabalhadores, isso não compensa pelo sentimento de estarem sendo explorados em empregos que constituem becos sem saída.
Há outro fator demográfico mais sutil em ação. A política do filho único lançada em 1979 explica o envelhecimento repentino da China. Ela também explica a escassez de mulheres. A preferência tradicional por filhos homens fez com que milhões de fetos do sexo feminino fossem abortados. Em consequência disso, nascem 119 meninos para cada cem meninas, sendo que o índice natural é de 104 para cada cem. A preferência por meninos está diminuindo, mas os efeitos ainda serão sentidos por décadas.
Nas fábricas chinesas, um resultado disso vem sendo o aumento gradual na proporção de trabalhadores homens, menos facilmente dominados que a força de trabalho predominantemente feminina que enchia as fábricas anteriormente. Alexandra Harney, autora de "The China Price", faz visitas a fábricas chinesas há uma década. Alguns anos atrás, começou a perceber que estava entrevistando mais e mais homens. Recentemente uma jovem lhe disse: "Nossa geração não trabalha em fábricas".

"JUST IN TIME"
Numa coluna fascinante na "Bloomberg", Harney escreve que as fábricas chinesas fazem um trabalho péssimo no treinamento de seus operários ou na oferta de planos de carreira para eles. Ao invés disso, querem o que Harney descreve como "trabalhadores just-in-time", que possam ser contratados e demitidos de acordo com as demandas de cada novo ciclo de pedidos. "A dúvida para mim", ela diz, aludindo à necessidade de mais valor adicionado manufatureiro, "é como a China vai aprimorar seu setor manufatureiro."
É uma pergunta enorme para o país. E não é tão pequena para os proprietários de fábricas, tampouco. O fundador da Foxconn, Terry Gou, já anunciou planos para instalar 1 milhão de robôs em suas fábricas em três anos. Além disso, a Foxconn está se diversificando, investindo em fábricas no Brasil, México e leste europeu. A Indonésia também vem cortejando Gou para convencê-lo a construir uma fábrica no país. Instalar robôs e transferir produção para outros países é uma resposta às mudanças nos fatores demográficos chineses. Muito mais difícil que isso será criar um modo de projetar fábricas em que os trabalhadores possam construir produtos mais sofisticados e ao mesmo tempo construir suas carreiras.

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