Institucionalizar, não!
Está certo que oferecer algum tratamento a crianças sem família deve ser melhor do que deixá-las abandonadas à própria sorte, sem nenhum tipo de apoio. Mas, como mostra um estudo publicado recentemente, o simples fato de receber cuidados de uma instituição não basta para assegurar à criança um desenvolvimento normal.
Estudos anteriores haviam comparado o desenvolvimento cerebral de crianças criadas inicialmente em orfanatos romenos e depois adotadas por famílias de outros países como EUA e Reino Unido com o de crianças nativas desses países e nunca adotadas. Os resultados eram inconclusivos: ora havia diferenças, ora não -- talvez porque a comparação correta seria entre crianças romenas institucionalizadas e depois adotadas com outras crianças também romenas nunca institucionalizadas.
O estudo que faltava foi feito por Margaret Sheridan e seus colegas, do Hospital Infantil de Boston. O grupo examinou crianças romenas de cerca de 8 anos que haviam sido institucionalizadas quando tinham entre 6 e 31 meses de idade. Aos 8 anos, algumas dessas crianças permaneciam no orfanato, enquanto outras haviam sido adotadas por famílias romenas por um total de uns 6 anos, durante os quais receberam atenção individual de suas famílias, em vez de dividirem a atenção dos cuidadores do orfanato com cerca de 11 outras crianças.
Mas, em termos de desenvolvimento cerebral, pouco pareceu importar. O estudo mostrou um volume da substância cinzenta cortical, onde ficam os corpos dos neurônios, cerca de 10% menor nas crianças que foram institucionalizadas no começo da vida, não importa se depois adotadas ou não, em comparação com crianças criadas por suas próprias famílias desde o começo.
Uma redução semelhante acontece na substância branca cortical das crianças institucionalizadas --aquele conjunto de feixes que interligam zonas diferentes do córtex e fazem o cérebro funcionar como um todo integrado. De fato, o estudo mostrou que o amadurecimento funcional do córtex cerebral também fica para trás nas crianças institucionalizadas, mesmo que adotadas.
Está certo que há orfanatos e orfanatos --e os romenos não são conhecidos como particularmente bons. Mas fica a suspeita de que para crianças terem alguma chance de um desenvolvimento normal elas devem ser criadas desde sempre no seio de uma família, jamais em uma instituição.
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ.
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