domingo, 14 de outubro de 2012


Na vanguarda, Uruguai quer mudar leis de maconha, aborto e casamento gay


SYLVIA COLOMBO

Às vésperas de aprovar o fim de restrições à maconha, ao aborto e ao matrimônio gay, o pacato Uruguai aos poucos se posiciona como vanguarda no que diz respeito a leis relacionadas a direitos civis na América Latina.
Em distintos estágios, as três estão no Congresso e a previsão é que terminem de ser votadas ainda neste ano. O aborto já passou pela Câmara de Deputados.
Por trás delas, há um grupo de jovens legisladores da Frente Ampla, coligação de esquerda que o presidente Jose "Pepe" Mujica integra.
Sebastian Sabini, 31, é professor de história e recebeu a Folha em seu gabinete na Assembleia Legislativa de jeans e tênis vermelhos. "Trouxemos uma nova agenda, mas não estamos fazendo nenhuma revolução, ela é coerente com a tradição do país."
"Somos um Estado laico, que não proibiu o consumo de maconha nem durante a ditadura e sempre esteve adiante em temas como divórcio e direitos civis em geral", acrescenta Sabini.
O projeto tem no presidente Mujica e em seu ministro de Defesa, Eleuterio Huidobro, ambos ex-guerrilheiros, seus maiores entusiastas.

Andres Stapff - 9.ago.12/Reuters
Blocos de maconha seca expostos em Montevidéu; governo prevê produzir 81 mil quilos de maconha por ano
Blocos de maconha seca expostos em Montevidéu; governo prevê produzir 81 mil quilos de maconha por ano


Segundo o texto, o Estado produzirá e controlará a produção da droga. Serão criadas empresas públicas para as plantações, e cada cidadão poderá comprar até 40 cigarros por mês após registrar-se como usuário. Só valerá para uruguaios ou residentes.
"Dessa forma, pretendemos combater o narcotráfico. Hoje, de cada três presos no Uruguai, um está relacionado ao problema da droga. A estratégia proibicionista de países como Colômbia e México não trouxe resultados e criou mais violência", diz.
Segundo o Ministério da Defesa uruguaio, a maconha é um negócio que move US$ 75 milhões por ano e conta com 1.200 vendedores e distribuidores. O país possui 3,3 milhões de habitantes.
Uma pesquisa do Observatório Uruguaio de Drogas diz que 20% dos uruguaios entre 15 e 65 anos já provaram maconha alguma vez; 25% fumam regularmente; 21,1%, algumas vezes por semana; e 14,6%, diariamente.
Os planos do governo são produzir 81 mil quilos de maconha por ano, para atender a cerca de 150 mil consumidores, numa área de pelo menos 64 hectares.
A Frente Ampla possui uma maioria pequena na Câmara dos Deputados e no Senado. Por isso, a aprovação de cada uma dessas leis tem de ser muito negociada.
No caso do aborto, a proposta da coligação era mais ampla e foi rejeitada. Em setembro, os deputados acabaram aprovando uma lei alternativa, da oposição, que estabelece uma junta à qual a mulher tem de se apresentar e justificar suas intenções.
Alguns movimentos feministas reclamaram, alegando que se tratava de um constrangimento, e houve um protesto de mulheres nuas do lado de fora do Parlamento.

OPINIÕES CONTRÁRIAS
No caso da maconha, a disputa é mais acirrada, e alguns deputados ainda não definiram o voto. O governo é pressionado pelos dois lados.
Por um, a direita, liderada por deputados como Pedro Bordaberry (filho do ditador Juan María Bordaberry), diz que a liberação vai aumentar os índices de violência. "Precisamos de leis para combater a violência, e não para legalizar as drogas", diz.
Editoria de Arte/Folhapress




















O ex-presidente Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla, médico e pré-candidato a suceder Mujica, posicionou-se contra, dizendo que a maconha prejudica a saúde e leva a outros vícios.
Por outro lado, entre os consumidores, a grita é para que a lei contemple o cultivo próprio, hoje proibido.
O diretor da Associação de Estudos da Cannabis do Uruguai, Juan Vaz, diz temer o fato de que o Estado terá uma lista de usuários. "Na verdade, a lei é um passo atrás, uma vez que o consumo aqui já é despenalizado. O que muda é que agora vamos estar sob a vigilância do governo. Uma lista estigmatiza."
Em artigo no jornal "El País", o escritor peruano Mario Vargas Llosa disse, referindo-se ao projeto da maconha, que o Uruguai hoje é um "modelo de legalidade, liberdade, progresso e criatividade".

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