Em novo livro, autora israelense decreta "fim dos homens" e avanço das mulheres
RICARDO MANINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Para autora de "The End of Men" (O Fim dos Homens), a jornalista israelense Hanna Rosin, o mercado de trabalho passa por enorme transformação. Essa mudança, diz, favorece as mulheres.
De acordo com ela, características como inteligência social e facilidade de comunicação são fatores fundamentais no mundo pós-industrial.
Em outros momentos históricos, argumenta a jornalista, a economia dependeu muito da força e do tamanho dos homens. Atualmente, baseado em informação e em serviços, o mercado premia qualidades opostas, que não podem ser reproduzidas por máquinas e que, em boa medida, são femininas.
Segundo Rosin, a "mulher de plástico", com enorme capacidade de adaptação a novos tempos, contrapõe-se ao "homem de cartolina", que tem dificuldades de se ajustar às mudanças.
A autora é também editora da revista "The Atlantic" e do "DoubleX", dois dos mais prestigiosos veículos jornalísticos dos EUA. De sua casa, em Washington, onde vive com o marido -David Plotz, editor da revista "Slate David Plotz"- e seus três filhos, Rosin falou à Folha.
*
Folha - Você consegue imaginar, no futuro, um mundo em que os homens estejam em casa cuidando dos filhos e as mulheres estejam trabalhando?
Hanna Rosin - Não acho que homens e mulheres vão trocar completamente de papéis, mas acho que as pessoas terão compromissos muito diferentes do que têm hoje. Acredito que em breve não será mais vexaminoso para os homens que as mulheres ganhem mais dinheiro do que eles. Pode ser que, em alguns lugares, isso demore um pouco mais, mas vai ocorrer.
Qual é o ponto final dessa mudança?
Cada vez que falo sobre isso, penso em qual é o ponto final e não consigo chegar a alguma conclusão. Se tivéssemos olhado para a questão de gênero há cem anos, da divisão de trabalho entre homens e mulheres, provavelmente ninguém poderia dizer que o ponto final é aquele ao qual chegamos hoje. Não seria factível pensar que as mulheres iriam dominar algumas instituições e ir melhor nas universidades.
Você se refere ao conceito da "mulher de plástico" ("plastic woman") para fazer referência à capacidade de adaptação das mulheres. Como você acha que essa mulher está atingindo sucesso econômico e profissional?
Existe uma grande mudança econômica em curso. A economia de hoje pede que as pessoas se comuniquem mais, que façam muitas coisas ao mesmo tempo, exige habilidades que são culturalmente tidas como mais femininas. Exige flexibilidade. O que faz uma pessoa obter sucesso hoje é muito diferente do que era antes.
Também há o fato de que um diploma universitário é necessário em diversas carreiras. Em muitos mercados, o sucesso é muito maior caso a pessoa tenha um diploma universitário. E as mulheres são muito boas em obter diplomas universitários. Ainda existe espaço para que os homens usem a sua força e as suas habilidades, mas esse espaço está se tornando cada vez menor. Nós tivemos a crise de 2008 e ser mais agressivo e aceitar grandes riscos não parece muito bom.
Outro ponto importante é que as mulheres acreditam hoje que precisam trabalhar mais porque a todo instante acham que estão ficando para trás. Elas sabem que o mundo é mais difícil para elas do que para os homens, que elas precisam trabalhar muito mais, e, portanto, mostram mais vontade e energia.
As mulheres estão se tornando ou deveriam se tornar mais agressivas no ambiente de trabalho para atingir o topo da carreira?
Certas mulheres não chegam ao topo da carreira, aos cargos principais, porque não são agressivas o suficiente. Atualmente, algumas mulheres estão se tornando mais agressivas. Mas isso é complicado e nem sempre funciona. As pessoas não esperam que as mulheres se tornem mais agressivas em seus locais de trabalho. Então as mulheres precisam ser bastante cuidadosas em relação a como se apresentam. Ainda não podem agir exatamente como os homens, mas se sentem mais agressivas.
O que a senhora acha que pode dificultar a ascensão das mulheres?
Muitas coisas. Uma delas é que as mulheres ainda tomam mais conta dos filhos do que os homens. E, em muitas empresas, elas pagam um alto preço por isso. As empresas não conseguem entender essa questão de ter filhos. É assim na maior parte dos lugares do mundo e é uma questão cultural, não é apenas uma questão de aprovar leis para proteger as mulheres.
Os homens não se sentem ainda tão confortáveis quanto as mulheres se eles têm que tomar conta dos filhos. Também não se sentem confortáveis se estão casados com uma mulher mais ambiciosa do que eles. Mas há uma grande mudança cultural acontecendo.
Outro fator impeditivo é como a sociedade enxerga uma mulher que é agressiva. A agressividade pode ser usada positivamente, para atingir metas pessoais, por exemplo. Mas muitas sociedades não veem com bons olhos uma mulher que é agressiva.
Como uma mulher pode conciliar a vontade de ficar com os filhos e de trabalhar?
Algumas mulheres ainda querem gastar mais tempo com seus filhos do que com trabalho. Elas têm uma maior vontade de estar com os filhos que seus maridos. É claro que atualmente os homens fazem mais pelos filhos do que os pais deles fizeram por eles. Mesmo assim, a situação é diferente para homens e mulheres.
As mulheres precisam ser muito criativas. Por exemplo, arranjar um emprego em que elas possam ficar em casa, em que não precisem estar na empresa o tempo inteiro, do contrário nunca verão seus filhos.
Estou certa que existem muitos homens que não se importariam em ficar mais com seus filhos. Eles seriam mais felizes se ficassem em casa com os filhos e as mulheres fossem trabalhar --conhecendo a personalidade do meu pai, acho que era o caso dele. Mas isso simplesmente não é aceitável para a sociedade. Não é aceitável porque não é o que todo mundo faz.
Eu tenho feito algumas palestras e a relação de alguns homens mais jovens com trabalho é muito parecida com a de mulheres de quarenta e poucos anos. Eles acham que podem trabalhar durante duas horas, depois descansar um certo período e aí trabalhar de novo à noite. Eu não sei se isso está acontecendo no Brasil, mas com certeza está acontecendo aqui nos EUA. Eles não acham que têm que ir para o trabalho, ficar no trabalho o tempo todo, gastar todas as suas horas com trabalho. Não é assim. Eles querem misturar trabalho e vida do mesmo modo que algumas mães querem misturar trabalho e vida.
Você acha que os homens podem ter os mesmos resultados que a senhora vê nas mulheres no que diz respeito à educação e às habilidades sociais?
Isso é um grande mistério para mim, especialmente no que diz respeito à graduação. É verdade que, nos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial, quando os homens retornaram para os Estados Unidos, eles se sentiam um tanto deslocados e muitos foram para a universidade. Naquele período os homens pareciam ser mais flexíveis do que hoje. Nos Estados Unidos, faz ao menos 25 anos que estão dizendo para as pessoas que elas precisam ir para a universidade e os homens simplesmente não vão.
Eu não entendo por qual motivo os homens acham que se tornar mais inteligente não é tão masculino ou tão legal quanto desenvolver outras características. Mas muitos homens iriam dizer que eles deveriam estar ganhando dinheiro, que eles não deveriam gastar o tempo na escola, mas sim ganhando dinheiro. Tenho um filho de 10 anos e ele é muito inteligente, gosta muito de ler. E só agora que eu percebi que ele está começando a ser visto como um cara que não é descolado. Ele vai precisar ir jogar futebol, fazer outras atividades... Dizem que é uma característica feminina aprofundar os estudos.
Como a senhora vê essa mudança cultural no Brasil?
O meu irmão é casado com uma brasileira e conheço algumas coisas sobre o país. Em algumas classes sociais, as mulheres são muito preocupadas em relação à aparência e os homens agem de um modo demasiadamente masculino. É um tanto fora de moda. Por outro lado, existe uma mudança enorme em curso, mais gente está nas universidades e isso gera novos comportamentos. Nos EUA, há uma grande diferença entre o comportamento dos que foram à universidade em relação às outras pessoas. Para alguns homens, é mais fácil aceitar que existe uma mudança em curso do que para outros. Acho que o Brasil segue o mesmo caminho.
A senhora diz na introdução do seu livro que algumas dessas mudanças são assustadoras. Por quê?
Quando eu falo sobre o livro, muitas pessoas me dizem que sou muito negativa, mas muitos homens ficam muito felizes com as mudanças. A mudança pode ser um tanto assustadora. Alguns homens dizem, no começo, que a mudança é boa, que eles gostam de ficar em casa. Aí aprofundo a conversa e noto certo desconforto e nervosismo. Percebo que os homens não querem ter um estilo antigo, de não respeitar as mulheres e não cuidar de seus filhos. Mas eles também não estão preparados para ser um "novo cara novo" - não têm certeza se querem passar tanto tempo com crianças ou se querem trabalhar menos. Ou seja, eles não querem ir para trás, mas também não querem ir para frente.
No livro a senhora diz que não é uma feminista.
Eu sou uma autora, não sou parte do movimento feminista que engloba acadêmicas, escritoras, entre outras profissionais. Eu não escrevi sobre o tema durante toda a minha vida. Eu sou mais uma repórter, a minha carreira não esteve ligada ao movimento feminista, o meu livro anterior não tem nada a ver com o tema. Quero dizer que não sou uma pessoa ideológica, sou muito pragmática --até queria ser menos pragmática de vez em quando. Como um ser humano, porém, eu sou definitivamente uma feminista, defendo a igualdade de gênero.
No mundo existem menos mulheres que são chefes de Estado do que homens. Em algumas profissões, os homens ainda são dominantes.
Em campos como direito e medicina, as mudanças são muito rápidas. Mas, em outros casos, como o setor financeiro, a mudança é muito lenta. Em algumas áreas essa mudança pode demorar bastante tempo. No campo político, muitos países têm se acostumado a ter mulheres como líderes. Sinto que não é mais um problema. Na América Latina, por exemplo, existem muitos casos de mulheres que são líderes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário