Dia de comemorações relativas
por Fabiana Frayssinet, da IPS
Rio de Janeiro, Brasil – Embora o número de portadores do HIV tenha caído no Brasil, o governo está preocupado pelo aumento da epidemia entre jovens homossexuais, que representam quase a metade dos novos casos registrados no país, e também pela quantidade de pessoas que não sabem que estão infectadas. “Não é uma comemoração, mas um dia de luta”, disse Dirceu Greco, diretor do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatite, do Ministério da Saúde. “É que, apesar da pandemia ser muito menos intensa no mundo do que há dois ou três anos, para nós não há comemoração enquanto não estiver sob controle”, afirmou à IPS.
Os cálculos do último Estudo Epidemiológico do Ministério da Saúde e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Onusida) indicam que a quantidade de pessoas infectadas com o vírus no Brasil caiu de 600 mil para 530 mil. Com 194 milhões de habitantes, o país é considerado uma referência mundial no combate à aids. O Sistema Único de Saúde (SUS) garante, há 16 anos, o acesso universal a todos os medicamentos necessários para tratar pacientes com o vírus HIV, causador da aids, além de disponibilizar os exames e controles médicos necessários para um universo de 217 mil pessoas atualmente.
O SUS oferece tratamento antirretroviral para 97% dos brasileiros diagnosticados com aids. No total são 20 medicamentos. “Cerca de 70% dos que tomam antirretrovirais no Brasil diminuíram sua carga viral em seis vezes depois do tratamento”, disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em um ato realizado no dia 29 de novembro, no Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz, onde são produzidos oito desses remédios.
Padilha apresentou outros êxitos do programa, como o trabalho focado nas gestantes, que permitiu a redução dos casos por transmissão vertical. Em 2006, apenas 62% das grávidas faziam o teste de aids, enquanto no ano passado esse indicador subiu para 84%. Agora, o governo de Dilma Rousseff dirige a atenção em especial para outros grupos populacionais, como os “jovens que praticam sexo com outros homens” (definido assim epidemiologicamente), com idades entre 15 e 24 anos.
“Como vários países da América Latina, temos uma epidemia chamada concentrada. A prevalência da doença, em geral, é de 0,4% no Brasil, semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos e na Europa ocidental. Contudo, há grupos mais expostos, como os homossexuais masculinos”, explicou Greco. “É necessário focar nesses grupos”, acrescentou. Entre outros fatores, o diretor de DST mencionou a razão “inconsciente” de pensar que a epidemia está controlada e que agora a cura é possível. Também apontou “o esquecimento da aids por parte dos meios de comunicação”.
Segundo Greco, “a maioria nos procura nas épocas em que temos um evento, como o Dia Mundial da Luta contra a Aids, celebrado no dia 1º, ou na época do Carnaval. Mas o problema existe o ano todo e é preciso continuar falando a respeito”. Com relação aos jovens homossexuais, Greco disse que muitos têm medo de assumir sua condição perante o sistema de saúde e, às vezes, “deixam até de buscar tratamento por medo de não serem bem atendidos”.
Um grupo de pacientes do Hospital Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, conhece muito bem esse preconceito. Identificando-se apenas pelas iniciais FR, um jovem produtor cultural contou à IPS que em seu trabalho não se atreve a dizer que é portador de HIV. “Muitos não me contratariam porque diriam: “é um aidético”, afirmou. Entretanto, se considera vitorioso por poder celebrar “a vitória da vida dia a dia”, graças aos medicamentos.
Pedro Chequer, representante da Onusida no Brasil, destacou que, em primeiro lugar, o grupo de homens que faz sexo com homens “enfrenta um risco maior de contrair HIV”, junto a outros segmentos populacionais, como usuários de drogas injetáveis e trabalhadores e trabalhadoras sexuais. Em entrevista à IPS, Chequer afirmou que há queda no uso de camisinha, mudando a tendência de alta verificada tempos atrás. “Como consequência disso, temos um crescimento da epidemia entre homens e mulheres jovens”, explicou.
Chequer atribui esse descuido na prevenção à “ideia de que a aids como epidemia perigosa passou, porque há tratamento. Isto criou uma falsa impressão de que o problema está solucionado”, acrescentou. Embora tenha diminuído a mortalidade, “a verdade é que ainda não há cura para a doença. Temos que sim ou sim manter a guarda”, enfatizou.
Clever Gonçalves, ativista do grupo homossexual Arco-Íris, tem uma explicação adicional: o próprio governo deixou de lado em suas campanhas os homens homossexuais. “Apesar de se falar em uma estabilização da epidemia, entre esse público o número de novos casos é muito alto”, ressaltou. “Ainda assim, não há campanhas dirigidas para esse público. Existe uma resistência muito grande devido a pressões de líderes religiosos dentro do governo. Falar de homossexualidade é um tabu para eles”, acrescentou.
Mas esse não é o único desafio para o governo, que também se manifesta preocupado pelos altos índices de pessoas que não sabem que são portadoras do HIV. Segundo Padilha, isto diminui a possibilidade de salvar vidas com um tratamento que comece mais cedo, além de aumentar o potencial de propagação da epidemia. Para promover uma detecção mais precoce, o Ministério da Saúde iniciou uma mobilização nacional para que a população faça exames de aids, hepatite e sífilis. E o ministro começou dando o exemplo, submetendo-se a esse teste publicamente em dois dias consecutivos. Envolverde/IPS
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