domingo, 10 de fevereiro de 2013


Sucesso na carreira é sinônimo de solidão?

Cada uma na sua área, estas mulheres chegaram ao topo. São respeitadas pelas empresas, lideram equipes e, quase sempre, ganham mais que o marido. Descobriram, porém, que tantas conquistas podem custar caro. Numa conversa franca, elas discutem as ciladas da ascensão profissional e os truques para não cair nelas!
Sibelle Pedral 

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 Foto: Thinkstock
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Depois de semanas negociando agendas carregadas, conseguimos reunir um timaço para discutir um tema que ainda é tabu: o quociente de solidão de executivas poderosas. Atuando como mediadora ao lado de CLAUDIA, a psicóloga Valéria Meirelles, que organiza workshops sobre mulher, carreira e vida pessoal. Veja o que dizem estas mulheres de sucesso, com idade entre 35 e 45 anos.
CLAUDIA: Foi preciso fazer renúncias para chegar aonde vocês chegaram?
Eneida: Minha maior renúncia foi o tempo que não pude dedicar ao meu filho. Até ele completar 8 anos, cumpri muito bem o meu papel de mãe. Ainda era supervisora, executava as minhas tarefas e ia cedo para casa. Tirava férias de 30 dias! Quando assumi mais responsabilidades como diretora, acabaram-se as férias longas e passei a trabalhar após o expediente. Aí mudou a forma de me relacionar com a família. Felizmente, não houve ruptura: o César já tinha os amigos da escola, se preocupava com outras coisas.
Rosi: Praticamente não tive licença-maternidade. Vinte dias depois da cesárea, estava na empresa com o bebê no moisés. Antes de completar 3 meses, ele já ficava dez horas por dia num berçário. Hoje me arrependo: perdi um momento importante da história do meu filho.
Beth: Por causa da carreira, adiei muito a maternidade. Além de trabalhar sem parar, viajava demais. O resultado é que me tornei mãe só agora, aos 44 anos, depois de encerrar o segundo casamento, que durou mais de 20 anos - apesar de ter adotado o Ricardo, um garoto de 9 anos que certa manhã encontrei dormindo na porta da minha empresa. O fim daquela relação me fez repensar meus valores e quis ser mãe. Cheguei a procurar um banco de esperma, mas desisti quando o geneticista alertou que não podia dar nenhuma garantia sobre o caráter do bebê. Nessa época, numa viagem de trabalho, uma pessoa que eu conhecia havia muito tempo disse que gostaria de me dar um filho. Eu já conhecia bem o caráter dele. Fizemos uma viagem e voltei grávida.
Valéria: Em nenhum momento você pensou em conciliar as duas coisas, o filho e a carreira?
Beth: Em todos os momentos pensei nisso, mas meu marido não queria. Então, como na época a carreira supria as minhas necessidades de felicidade, eu me alimentava dela.
CLAUDIA: Tantas renúncias na vida pessoal não deixaram um gosto amargo? Sucesso pode ser sinônimo de solidão?
Rosi: Acho que sim. Na verdade, tem menos a ver com as renúncias e mais com o fato de não encontrar ninguém com quem dividir decisões. Já contei histórias da empresa para meu marido e ouvi críticas à minha atitude. No setor empresarial, você vai subindo e fazendo inimigos naturalmente. A tendência é ficar só e limitar a convivência às pessoas em quem realmente confia, ou seja, a família. Se nem na família existe apoio, tenho um problema.
Beth: Nossa convivência fica restrita, o que pode causar solidão. Até dois anos atrás, por exemplo, não comemorava meu aniversário com festa. Minha grande dúvida era: as pessoas virão porque gostam de mim ou simplesmente porque sou a chefe? Outro momento de solidão vinculado à ascensão profissional é o final de semana. Você não tem para quem ligar, porque não sobrou espaço para amigos fora do trabalho.
Vânia: Isso para mim é prioridade - e uma questão de disciplina. Pelo menos uma vez por mês, saio para jantar com os amigos da faculdade. Faço três horas de almoço para encontrar uma pessoa querida. Em contrapartida, se um dia for preciso trabalhar 15 horas seguidas, a empresa sabe que pode contar comigo.
Eneida: Para mim a solidão aparece no momento das grandes decisões. Não posso compartilhar meus pontos de vista com muitas pessoas nem buscar opiniões diferentes. Por outro lado, amadurecemos à medida que a carreira progride. Procurei não me isolar nesse processo: fui aprendendo com as pessoas, me aproximando delas. Quando eu estava em plena ascensão, tinha que me empenhar tanto que aí, sim, me distanciava dos outros. Para mim, a solidão foi muito maior no começo.
Valéria: É possível sair da solidão e administrar bem o estar sozinha. São coisas muito diferentes...
Cristiane: Outro dia, li isso num livro budista. A solidão é a ausência do outro. Já a solitude é sentir-se feliz simplesmente por estar consigo mesma. A maturidade traz essa capacidade de ver a vida com outros olhos.
CLAUDIA: Qual o papel dos maridos no sucesso profissional de vocês?
Eneida: O meu é um maridaço. Se não fosse ele, acho que não teria feito nem metade do que consegui fazer. O Paulo já estava no nível gerencial quando entrei na Avon. Aí vieram as promoções e meu salário se aproximou do dele. Há um momento em que o homem começa a ficar um pouco inseguro, como se tivesse que ganhar mais sempre. Mas meu marido me apoiou o tempo todo, eventualmente cuidando do filho, ajudando no supermercado...
Cristiane: Meu ex é uma das melhores pessoas que conheci na vida. O problema é que ele é um grande sonhador e eu sempre fui uma pessoa prática. A situação degringolou depois que fiz especialização em trauma de crânio nos Estados Unidos. Como é uma área que pouca gente estuda, na volta comecei a me projetar na profissão. Ele passou a implicar com o fato de eu trabalhar demais, e as coisas ficaram difíceis.
Beth: Minha primeira separação tem uma história parecida: um marido sonhador, e eu numa situação de ascensão, inclusive salarial. Quando eu tinha uma reunião ou viagem, ele fazia um escândalo. A certa altura, precisei optar entre a relação amorosa e o trabalho. Escolhi o trabalho.
Rosi: Todas nós temos o sonho de encontrar uma pessoa que queira crescer com a gente, criar filhos. Mas isso é difícil. Muitos homens acham que a carreira deles vem em primeiro lugar. Se a mulher é forte e bem-sucedida, pensam: "Já não sou o primeiro na vida dela, tem a carreira".
Vânia: Sempre tive muito apoio. Este ano, pela primeira vez, não pude ir à festa de Dia das Mães da escola dos meus filhos. Meu marido me disse: "Não tem problema. Deixa que eu vou, mesmo que tenha que me vestir de mulher". Era o único homem.

CLAUDIA: Os filhos são os maiores afetados pela dedicação à carreira?
Vânia: Os meus levam numa boa. Sabem que eu gosto do meu trabalho. Mas é claro que eu faço lição pelo telefone e o fim de semana é deles.
Eneida: Uma vez disse para o meu filho: "Você gostaria que a mamãe parasse de trabalhar e ficasse com você em casa?" Ele tinha uns 12 anos e me respondeu: "Ficou louca? Imagine, o que você iria fazer aqui dentro?" É um menino ótimo, de cabeça boa, ajustado. Agora que está na Austrália, estudando, me preocupo com a solidão do meu marido. Trabalho até tarde e não estou em casa quando ele chega.
Cristiane: Se meu filho me liga a qualquer momento e diz que precisa de mim, largo tudo na hora para atendê-lo. Ele sabe que é a coisa mais importante da minha vida.
CLAUDIA: Se fosse preciso deixar cair um dos pratinhos que a gente equilibra - os filhos, o trabalho, o relacionamento amoroso e outros mais -, qual vocês escolheriam?
Cristiane: Deixei cair o da relação. E hoje acho que foi uma coisa boa. Meu marido está melhor, encontrou seu espaço. E eu me vi inteira para cuidar do meu filho.
Eneida: Para mim, é o do trabalho. Se acontecer alguma coisa com o atual emprego, arrumo outro. Com a família, é bem mais complicado. As pessoas acham que, quando atingimos um determinado patamar profissional, a carreira se torna tudo na vida. Não é verdade. Meu trabalho pode ou não durar muito tempo e, no final, quero olhar para trás e encontrar a família, os amigos, a saúde em dia.
Beth: A família é importante, mas não posso dizer simplesmente que deixo cair o pratinho do trabalho. A empresa é minha. Vários empregos dependem de mim. Se eu fechar a porta, prejudico muita gente.
Valéria: A escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira afirmou certa vez que a mulher, ao entrar no mercado de trabalho, fez um acordo secreto: ao empregador, prometeu que ele não perceberia que ela tem família; à família, que nem sequer notariam que ela tem um emprego. Pelo visto, não é bem verdade...
Vânia: Se for verdade, devemos virar esse jogo. As empresas precisam aceitar que a mulher tenha uma família e criar condições flexíveis para que ela cresça na carreira. A culpa também é das mulheres, que insistem em tentar se adaptar mesmo que a empresa não mostre nenhum jogo de cintura. Na minha, procuramos conciliar as coisas. Um dia, cheguei tarde para uma reunião com o presidente porque tinha ido à festa de final de ano dos meus filhos na escola. Todos estavam me esperando. Como sabiam o porquê do meu atraso, alguns tentaram fazer gracinhas. Cortei na hora: "Estou vindo da festinha das crianças". Nos sentamos e a reunião começou.
CLAUDIA: Vocês têm truques para afastar a solidão?
Eneida: Mesmo que você não tenha tempo para sair, o que custa pegar o telefone e ligar para alguém? Ontem, fiquei uma hora e meia parada no trânsito. Liguei para minha mãe, falei com duas amigas... Não perco o contato com as pessoas.
Beth: Não sou de sair com amigos, mas não esqueço aniversário de ninguém. Não deixo passar batido. Outra estratégia é sempre encontrar um tempo quando alguém me procura para conversar. Minha agenda pode estar cheia, mas paro e ouço.
CLAUDIA: Que conselho vocês dariam às mulheres que estão batalhando para subir na carreira talvez sem imaginar que triunfo não é necessariamente sinônimo de bem-estar?
Rosi: Acho que elas devem se valorizar e repetir sempre: "Eu mereço".
Vânia: Elas precisam acreditar em sua força interior.
Beth: Tudo na vida tem seu ônus. Todas terão que fazer escolhas. Então, é pesar os prós e os contras e seguir em frente. Quando a gente muda de emprego para ganhar mais, não sabe se os novos colegas vão nos respeitar tanto quanto os do trabalho anterior. O importante é ter foco e saber o que se quer conquistar.
Eneida: É isso. E não se sujeitar a situações que as façam infelizes só em nome da carreira ou do dinheiro.
Cristiane: Só quero lembrar que sucesso na carreira não é sinônimo de felicidade. Você pode ter a admiração dos colegas e não ser feliz.

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