domingo, 31 de março de 2013


E se ela ganhar mais?

SUZANE G. FRUTUOSO

TABU Na cena, ela trabalha e ele descansa. Pesquisas sugerem que mulheres responsáveis pelo sustento do lar têm mais chance de se divorciar (Foto: Christian Parente/ÉPOCA; Produção: Cuca Elias)
TABU
Na cena, ela trabalha e ele descansa. 
Pesquisas sugerem que mulheres responsáveis
pelo sustento do lar têm mais chance de se divorciar 

(Foto: Christian Parente/ÉPOCA; Produção: Cuca Elias)
e se ela ganhar mais? (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
Ganhar mais do que o companheiro gera um incômodo semelhante ao da pilha de louças que se acumula na cozinha. A batalha de quem resiste mais tempo a lançar-se e lavá-la é silenciosa – mas só até que o primeiro prato caia, e o assunto venha à tona. Às vezes, de maneira explosiva. Com a ascensão feminina no mercado de trabalho, é natural que as mulheres sejam responsáveis pelo rendimento principal da família num número cada vez mais expressivo de lares. No Brasil, 37% das casas já são chefiadas por mulheres, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A tendência é mundial. Nos Estados Unidos, 40% das mulheres ganham mais que os parceiros – número que deverá cruzar os 50% em 2036, segundo projeções do Escritório de Estatísticas Laborais do governo americano. A notícia é boa. Mas, na prática, pode trazer desconforto para os homens menos bem-sucedidos. Em muitos casos, a guerra fria travada entre contas bancárias é letal para a relação.

A executiva paulistana Tatiana, de 34 anos, experimentou o abalo no relacionamento provocado pelas diferenças salariais. Seu ex-namorado, um gerente de relações públicas assim como ela, não gostou quando Tatiana recebeu uma nova proposta de emprego. Desconfiou que ela ganharia mais do que ele. Tatiana nunca aceitou revelar o novo salário – e a competição se acirrou. “Ele não perdia uma chance de mostrar que trabalhava melhor do que eu”, afirma Tatiana. “Começou a dizer que, se eu ganhava mais, tinha de pagar as despesas dele também.” O nível de tensão no relacionamento culminou com um empurrão dele durante uma briga. O namoro acabou. Tatiana está sozinha há um ano. Agora procura um parceiro que ganhe como ela ou não tenha complexos. De preferência, a primeira opção. “Quero alguém que esteja no mesmo patamar”, diz ela.

Casos como o de Tatiana já começam a se refletir nas tendências detectadas pelos cientistas sociais. Num dos estudos mais recentes sobre o assunto, publicado em 2010, o sociólogo americano Jay Teachman, da Western Washington University, cruzou a renda e o estado civil de 2.500 mulheres que haviam se casado entre 1979 e 2002. Concluiu que as responsáveis pelo sustento da família tinham uma chance 40% maior de se divorciar. As pesquisas sugerem que os conflitos são causados por antigos estereótipos, carregados tanto por homens como por mulheres. Não são só eles que se ofendem com a situação. Elas também se incomodam. O problema é cultural. “Ele até torce e colabora com o crescimento da parceira, mas o mantra do ‘eu consigo mais’ está sempre ali”, diz a psicóloga Rita Manjaterra Khater, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. “As mulheres querem homens que lhes sejam pelo menos iguais, porque não está estabelecido em nossa cultura o modelo do homem sustentado.”

Os homens podem se sentir diminuídos em sua virilidade, à sombra da mulher bem-sucedida. Em alguns casos, literalmente. Um levantamento feito na Dinamarca sugere que há um aumento de 10% no uso de medicamentos para tratar disfunção erétil entre os homens que ganham menos do que as parceiras. As mulheres podem se autossabotar porque não querem estar num relacionamento em que os papéis de gênero no sustento da família não sejam os convencionais. Pelo menos, é o que diz um estudo publicado no mês passado por pesquisadores da Universidade de Chicago e da Universidade Nacional de Cingapura. Eles concluíram que as mulheres com potencial para ganhar mais do que os maridos pedem demissão com mais frequência do que a média das mulheres. O comportamento atinge, inclusive, mulheres mais jovens, entre 22 e 34 anos – em tese, elas estariam menos contaminadas por estereótipos. No levantamento, os pesquisadores ainda levantam os motivos para a infelicidade no casamento, relatada pelos casais em que a mulher ganha mais. Para compensar a “ameaça” que elas oferecem ao marido, as mulheres assumem mais tarefas domésticas. O cansaço provocado pela jornada dupla leva às brigas que minam a estabilidade do casal e culminam em divórcio.
BEM RESOLVIDOS O casal paulista Emerson Fernandes e Thais Borgo, junto na reforma do apartamento. Ela ganha mais – e ele apoia (Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)
BEM RESOLVIDOS  
O casal paulista Emerson Fernandes e Thais Borgo, 
junto na reforma do apartamento. Ela ganha mais – e ele apoia 
(Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)


A socióloga Alexandra Killewald, da Universidade Harvard, descobriu que as mulheres com maior renda são, ironicamente, as que menos terceirizam o trabalho de casa. Entre as mulheres que trabalham, cada US$ 10 mil ganhos ao ano correspondem à diminuição de uma hora por semana nas atividades domésticas. Elas contratam empregadas, dividem as tarefas com marido e filhos ou simplesmente deixam de fazer algumas coisas. Contentam-se, até certa medida, com a casa menos arrumada. Entre as mulheres com os salários mais altos, porém, a carga de trabalho em casa diminui apenas 0,4 hora por semana. Talvez seja um ranço do efeito compensatório detectado por pesquisadores em outros estudos. “As mulheres não conseguem comprar facilmente a igualdade quando o assunto são as responsabilidades domésticas”, escreve Alexandra.

A solução para o embate entre salários e egos é tão simples quanto difícil de colocar em prática. Depende de uma mudança de mentalidade – deles e delas. A atleta Maria Elisa Antonelli, de 29 anos, do Rio de Janeiro, e o namorado, Leandro Pinheiro, de 31 anos, conseguiram escapar dos antigos estereótipos. Ela faz dupla com a jogadora Juliana no vôlei de praia e ganha mais do que Leandro, seu técnico. Nenhum dos dois vê problema nisso. “Para mim, é natural que as contas sejam divididas proporcionalmente aos ganhos de cada um”, afirma Elisa. A executiva americana Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, afirma em um novo livro que a escolha de um marido que apoie a carreira é a escolha mais importante da vida profissional de uma mulher. “Tenho um marido maravilhoso que divide tudo comigo meio a meio.” A conclusão de uma pesquisa feita pelos psicólogos americanos Patrick Coughlin e Jay Wade, da Universidade Fordham, é a mesma: a melhor maneira de lidar com esse assunto é encontrar um parceiro afinado com a ideia de ascensão profissional da companheira.

O paulista Emerson Fernandes, de 33 anos, e a psicóloga Thais Borgo, de 30 anos, conseguiram essa sintonia. Ele escolheu ganhar menos, para trabalhar numa organização não governamental. Hoje, está numa empresa pequena, e seu salário é menor que o de Thais. Ela paga quase todas as contas, ele dá uma boa ajuda nas tarefas domésticas. Ambos entendem que o maior desafio no relacionamento é zelar para que ele prossiga.
e se ela ganhar mais? (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)

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