"Meu desfile foi capturado pelo 'politicamente correto'", afirma estilista Ronaldo
Designer falou a Marie Claire sobre as acusações de racismo que sofreu após usar apliques com palha de aço em seu último desfile na SPFW
RONALDO FRAGA NO ENCERRAMENTO DO DESFILE DESTA TERÇA, 19 (Foto: Getty Images)
A moda ficou em segundo plano na São Paulo Fashion Week. O recurso de perucas feitas de Bombril, adotadas pelo estilista mineiro Ronaldo Fraga, gerou uma onda de críticas e de acusações de racismo contra o trabalho. "Meu cabelo e dos meus familiares não são daquele jeito, honestamente ninguém tem cabelo bombril" ou "Gente, e esse cabelo que Ronaldo Fraga criou, extremo mau gosto para caracterizar os negros" foram alguns dos comentários lançados contra o estilista na web, principalmente via Twitter e Facebook.
Nos últimos 10 anos, pelo menos, a moda vêm sistematicamente adotando padrões de beleza caucasianos. São cabelos loiros, lisos, escorridos (ainda que a base de tratamentos químicos com formol e chapinhas a temperaturas escaldantes), corpos esguios, sem qualquer menção a curvas, a ancas fartas (tão marcadamente afro). Tudo isso posto, no entanto, não despertou grandes sanhas anti-racismo, contra a discriminação. Neste momento, talvez, os defensores dos direitos dos negros tenham cochilado. Ou se contentaram com a cota de 10% de modelos negras por desfile que lhes foi reservada - Naomi Campbell, com seus traços europeus, despontando como a principal representante até hoje, mesmo tendo mais de 20 anos de carreira.
Curiosamente, no entanto, o desfile de Ronaldo Fraga, que encerrou o segundo dia de Fashion Week, teve o condão de despertar a ira de inúmeros defensores repentinos dos direitos dos negros. No desfile, ele e o maquiador Marcos Costa enfeitaram as modelos com perucas de palha de aço. O desfile era uma obra de arte, que retomava a herança futebolística do estilista (o pai de Ronaldo foi jogador). “Nunca foi uma homenagem aos negros”, afirmou a Marie Claire o maquiador Marcos Costa, cujo pai adotivo também é negro. “Se a gente tivesse usado só loira de cabelo liso, como todo mundo faz, ninguém falaria que somos racistas”.
Modelos no desfile do estilista: o adereço na cabeça, marca registrada de Ronaldo, foi feito de palha de aço (Foto: Getty Images e Agência Fotosite (Divulgação)
A passarela em questão contou com modelos brancas e negras. E não foi a primeira vez que o recurso da palha de aço foi usado. Ronaldo já havia lançado mão do apetrecho no desfile "Eu amo coração de galinha", em 1996, em São Paulo. "Eu estou assustado com a repercussão porque eu sou mestiço, neto de descendente de escravos e filho de pai mulato jogador de futebol", diz Ronaldo. "Na coleção, o futebol dos anos 1930, 1940 e 1950 era o objeto de pesquisa e não de homenagem. A situação é uma grande ironia porque nos anos 30 os jogadores negros eram surrados em público quando cometiam falta porque o futebol é de origem inglesa e vem de uma elite branca. Foi no Brasil que nasceu o futebol arte, com influência da capoeira. E agora, meu desfile foi capturado pelo 'politicamente correto'".
A palha de aço na cabeça nada mais foi do que um recurso estético, uma licença poética, um apelo estilístico. Os detradores de Ronaldo Fraga, provavelmente, não entendem nem de arte e nem de negros. Acusá-lo de racista seria o mesmo que dizer que Tarsila do Amaral é jocosa em seu "Abaporu", ao retratar o povo brasileiro em linhas modernistas. E achar que a defesa dos negros e de seus direitos se dá em uma arena histriônica, em um compêndio de acusações e ofensas desprovidas de ligações com a realidade é no mínimo ingenuidade, senão má-fé. As arenas de debate estão postas: o Congresso Nacional discute morosamente a criação de cotas para negros em faculdades e no mercado de trabalho.
Será que esses que se levantam para apontar o dedo a Ronaldo já se mobilizaram para ajudar a sociedade a garantir os direitos dos negros? É irônico que não tenham produzido contra o deputado Marcos Feliciano (atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara), abertamente racista, a mesma enxurrada cibernética de críticas que destinaram ao estilista brasileiro.
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