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sábado, 20 de abril de 2013


Pena de vida

Renata Neder

Na semana que passou, assisti a um pequeno filme que me tocou. Ele conta a história de Kirk Bloodsworth, a primeira pessoa no corredor da morte a ser inocentada através de exame de DNA.

Em geral, não se fala muito sobre pena de morte porque, no Brasil, não é algo que faça parte do nosso cotidiano. De vez em quando, algum filme chega às telas e o tema vira assunto. Quem não se lembra de “Os últimos passos de um homem” com Susan Sarandon interpretando a guia espiritual de um homem (Sean Penn) prestes a ser executado? E de “À espera de um milagre”, com Tom Hanks no papel de um guarda que trabalha no corredor da morte e passa pelo dilema de executar um homem que ele sabe que é inocente? Ou do filme mais ativista “A vida de David Gale” com Kevin Spacey? Quem não se debulhou em lágrimas ao ver a cena da execução de Selma, interpretada por Bjork, em “Dançando no escuro”?

Agora, a história de Kirk me fez parar para pensar sobre o assunto. Em 1984, Kirk foi preso nos Estados Unidos pelo estupro e morte de uma menina, um crime que ele não cometeu. Apesar de alegar inocência, ele foi condenado à morte na câmara de gás. Mas, em 1992, ele leu sobre os avanços da ciência com os testes de DNA e seu advogado, então, solicitou os testes com o material arquivado da cena do crime. Os testes provaram sua inocência. Kirk foi a primeira pessoa a ser libertada do corredor da morte a partir de uso de evidências de DNA. Em 2003, o verdadeiro responsável pelo assassinato foi encontrado.

O filme é produzido como parte de uma iniciativa chamada “One for Ten” (algo como “1 em cada 10” que produz uma série de filmes sobre inocência no corredor da morte. O nome do projeto vem do fato de que desde 1976, quando a pena de morte foi novamente instaurada nos EUA,  para cada 10 pessoas executadas uma é libertada do corredor da morte após passar uma média de 10 anos em isolamento. Ao longo de abril e maio, eles estão produzindo filmes contando algumas das histórias dessas pessoas inocentes, como Kirk.

Mundo afora, ainda se aplica (muito) a pena de morte. Em 2012, pelo menos 682 pessoas foram executadas em 21 países e outras 1.722 pessoas foram condenadas à morte em 58 países. E esses dados não incluem dados sobre a China, porque lá os dados sobre execuções e sentenças de pena de morte são considerados segredos de Estado. Então, esses números, na prática, são ainda maiores.

Aí você pensa… e se Kirk tivesse sido executado antes? Bom, nesse caso o Estado teria executado um homem inocente. Mesmo que testes fossem feitos depois e que o verdadeiro culpado fosse preso, Kirk não poderia ser trazido de volta. Da morte, não tem retorno.

Precisamos reconhecer que o sistema de justiça não é perfeito  e, assim, sempre haverá o risco de executar uma pessoa inocente. Esse não me parece um risco aceitável. Um erro desses é irreversível, não dá para voltar atrás em uma execução. Mas esse não é o único problema da pena de morte.

Um dos argumentos usados por aqueles que defendem a pena de morte é que sua aplicação reduziria a incidência de crimes violentos, pois as pessoas não iriam cometer tais crimes por medo de serem condenados e executados. Isso é um mito. Não há nada que comprove que o uso da pena de morte de fato ajude a reduzir os crimes violentos.

A pena de morte não é uma solução para a violência, ela apenas desvia o foco do que deveriam ser as políticas de segurança pública e prevenção da criminalidade. A pena de morte é um sintoma de uma cultura de violência e não uma solução para ela. É uma afronta à dignidade humana. Nega qualquer possibilidade de reabilitação e reconciliação. E, com frequência, ela é discriminatória e usada de maneira desproporcional contra os pobres e as minorias.

Em última instância, a pena de morte é a morte premeditada e a sangue-frio de um ser humano por parte do Estado, “em nome da justiça”. É a violação dos direitos humanos, do direito de todas as pessoas à vida e do direito a não ser submetido à tortura nem tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante. Direitos esses reconhecidos pela Declaração Internacional de Direitos Humanos.

Ao escrever esse texto de hoje, me lembrei de uma música  gravada por Pedro Luís & A Parede que diz: “Eu assinei a pena de vida, sou a favor da pena de vida…”. É isso aí, as sociedades bem que poderiam abolir de vez a pena de morte. O mundo seria mais humano sem ela.

* Renata Neder é assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil.

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