sexta-feira, 24 de maio de 2013


Guerra perdida

A lei da oferta e da procura garante a sobrevivência perene do tráfico. A mais ferrenha repressão policial não resolve

por Drauzio Varella

Eduardo Recife
"Não existem guerras duradouras que
tenham beneficiado algum Estado" Sun Tzu
 
Na semana passada tomei um susto quando li na capa de CartaCapital: “Legalizem as drogas!” No subtítulo vinha a justificativa: “Seria o fim do tráfico e da violência e corrupção a ele associadas”.

É a primeira vez que uma revista semanal brasileira coloca essa proposta em discussão.

Assinada pelo jornalista Willian Vieira, a reportagem de CartaCapital alinha argumentos e dados numéricos que comprovam o fracasso retumbante das políticas repressivas adotadas em países como o Brasil.

O exemplo dos Estados Unidos é didático. Nos últimos 40 anos, eles investiram mais de 1 trilhão de dólares nessa guerra insólita. Nesse período, a população carcerária saltou de 38 mil para 500 mil, a um custo anual de 30 mil dólares por preso.

Além de enriquecer os grandes bancos envolvidos na lavagem dos narcodólares, o que a sociedade americana ganhou com esse esforço? Formar o maior mercado consumidor do mundo.

A matemática é clara: 1 quilo de cocaína de boa qualidade pode ser comprado por cerca de 2 mil dólares na Bolívia ou Colômbia. Quando desembarca em Nova York, já vale 30 mil; em Roma, 55 mil; na Austrália e no Japão, mais de 80 mil. Em São Paulo ou Rio de Janeiro, depois de “batizada” para aumentar o rendimento, essa quantidade poderá render de 20 mil a 30 mil dólares.

Para a viabilidade comercial de qualquer mercadoria o gasto com transporte é crucial. Plantar tomates no norte de Mato Grosso, para vendê-los nas feiras livres de São Paulo, levaria o produtor à falência. Quando o produto é uma droga ilícita, o custo do transporte torna-se, no entanto, desprezível.

Supomos que um comprador holandês pagasse 400 mil dólares por 200 quilos de cocaína colombiana, e um traficante pedisse a absurda quantia de 1 milhão de dólares para desembarcá--los em Amsterdã. Que diferença fará? Apesar de o transporte acrescer 5 mil dólares por quilo, a margem de lucro continuará estratosférica.

Lucros dessa magnitude, numa atividade não sujeita à taxação pela Receita Federal, obrigações trabalhistas e demais impostos que sufocam a produção em nosso país, têm um poder de corrupção irresistível. Não sejamos ingênuos: bocas de fumo são pontos de comércio estabelecidos em endereços acessíveis aos usuários. Se eles e até os cidadãos abstêmios sabem onde encontrá-las, só a polícia treinada para combatê-las é que não sabe?

A lei da oferta e da procura garante a sobrevivência perene ao tráfico. A mais ferrenha repressão policial poderá no máximo aumentar transitoriamente o preço das drogas nas ruas, e com isso talvez diminuir o consumo, jamais acabar com ele.

Está mais do que na hora de encontrarmos formas mais inteligentes de lidar com esse flagelo das sociedades modernas. Por que não começarmos mudando a legislação que criminaliza o consumo de maconha? Ou a solução será mandar para a cadeia todos os usuários, ainda que sejam da nossa família?

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