sábado, 8 de junho de 2013

O abraço de dois homens jovens, a cartilha contra a homofobia, as prostitutas felizes e a camisinha.

por Yvonne Maggie
Abri O Globo de ontem, 6 de junho, e vi a demissão do infectologista e ex-diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, dr. Dirceu Greco causada, segundo ele,  porque suas decisões não se “coadunavam com a política conservadora do atual Governo”. O médico responsável pelo setor desde 2010 falou sobre a pressão religiosa na pasta da saúde e disse que os avanços até hoje alcançados para diminuir os casos de pessoas infectadas estão ameaçados.

Em sua entrevista ao jornal o infectologista afirmou o princípio republicano que permitiu ao País ter um dos programas mais avançados do mundo em relação à epidemia de HIV/Aids: “Em qualquer situação, o papel que o gestor de saúde tem é separar o que é saúde, do ponto de vista lato, do que é decisão individual em relação à religião.” E completou: “Se você é um fundamentalista e quer andar de burca, é um direito seu. Mas não pode ir contra mim por não ser desse jeito”.
Juntando lé com cré o Estado não pode impor a visão religiosa de alguns ou a ideologia quase religiosa de outros, porque seu dever é zelar por todos. Afinal, só teremos um estado democrático se seguirmos o princípio da separação entre Estado e religião e o artigo 3o da nossa Constituição que reza: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Foi por seguir à risca este princípio constitucional que as decisões sobre a saúde pública no País se desenvolveram com relativa autonomia. Desde que a epidemia de Aids se instalou, lá pelos anos 1980, tem sido impecável a política de Estado no sentido de dar assistência universal aos contaminados pelo vírus e de executar campanhas que atinjam todos os cidadãos, do Norte ao Sul do País.
A demissão do sanitarista não representa apenas uma discordância relativa às campanhas veiculadas recentemente pelo setor. É uma ameaça e pode significar um terrível retrocesso, pois revela a invasão do pensamento conservador na política de Estado em relação à epidemia de HIV/Aids.
Até agora o enorme peso da Igreja católica e de outros grupos religiosos vinham sendo mantidos longe das decisões frente a esta política. A pressão desses grupos conservadores e a fraqueza do Governo em contradizê-los tem forte relação com o medo das urnas, de manter-se no poder a qualquer custo, e pode levar por água abaixo o esforço conjunto, talvez único no mundo, que permitiu frear o avanço da doença que era mortal há alguns poucos anos e continua a atingir milhares de pessoas. Nosso país teve uma postura laica e universalista, mas, sobretudo, entendeu, desde o início, que esta epidemia não afetava apenas os chamados “grupos de risco”, atingia toda a sociedade, sem distinção de sexo e idade.
A causa da demissão do médico sanitarista contradiz a forma que o Brasil encontrou de, independentemente de governos ou partidos,  tratar uma questão tão delicada como as relações amorosas e sexuais e implantar uma política eficaz de combater as causas da transmissão da doença.
No entanto, ao longo dos últimos 18 meses três campanhas foram vetadas pelo ministro da Saúde Alexandre Padilha: a veiculação no carnaval deste ano de um vídeo institucional com cenas de dois homens jovens se abraçando, para mostrar a necessidade do uso da camisinha; a “chamada cartilha gay”, material educativo com histórias em quadrinhos sobre homofobia e sexualidade e finalmente, a gota d’água, a campanha do dia internacional da prostituta cujo bordão é “Eu sou feliz sendo prostituta”.
As relações homoafetivas são, a cada dia, mais assumidas publicamente, porém a campanha focalizando um abraço entre jovens homens e a cartilha gay, como foi apelidada, não puderam ser veiculadas. Também a cruzada do dia internacional das prostitutas foi vetada porque não se pode dizer que elas são felizes e usam camisinha. Por que mesmo fazendo parte de uma profissão legalizada no Brasil, o Governo tem de obedecer aos “sepulcros caiados”, na expressão bíblica, no que tange a mostrar a realidade das prostitutas? Desde 2002 a profissão foi inserida na Classificação Brasileira de Ocupações, item 5.198 – 05 – Profissional do sexo – Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Puta, Quenga, Rapariga, Trabalhador do sexo, Transexual (profissionais do sexo), Travesti (profissionais do sexo).
O Brasil obteve êxito na política de combate à epidemia de HIV/Aids porque  fez maravilhosas campanhas a favor do uso do preservativo que salvou e salva muitas vidas. Podemos nos orgulhar de ter conseguido deixar até papas falando apenas para seus rebanhos, ou seja, separar a religião do Estado pelo menos à em relação Aids.
Embora muitos brasileiros continuem a ter preconceito contra gays, prostitutas e lésbicas, até então estávamos conseguindo cumprir, no âmbito da política de saúde pública e das campanhas de combate à epidemia, a meta civilizatória de zelar por todos os cidadãos tratando-os como iguais.

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