Em vez de manuais com a história de alguns autores,
seria melhor submeter aos estudantes textos de Platão, Kant, Descartes,
Rousseau...
Há poucos anos, o ensino de filosofia tornou-se matéria obrigatória para os alunos de ensino médio. Uma decisão acertada que leva em conta a necessidade de estudantes adolescentes desenvolverem habilidades críticas, além de compreenderem a complexidade da gênese de conceitos fundamentais para nossas formas de vida.
De fato, a filosofia, tal como a
conhecemos hoje, é o discurso que permite à chamada “experiência do
pensamento ocidental” criticar seus próprios valores morais, estéticos,
normas sociais e evidências cognitivas. A cláusula restritiva relativa
ao “ocidente” justifica-se pelo fato de conhecermos muito pouco a
respeito dos sistemas não ocidentais de pensamento. Temos, em larga
medida, uma visão estereotipada de que eles ainda seriam fortemente
vinculados ao pensamento mítico e, por isso, não teriam algo parecido à
nossa razão desencantada, que baseia seus princípios na confrontação das
argumentações a partir da procura do melhor argumento. É provável que
em alguns anos tenhamos de rever tal análise.
De toda forma, que adolescentes sejam
apresentados à filosofia, eis algo que vale a pena conservar. A
adolescência transformou-se entre nós em um momento de revisão profunda
do sistema de valores e crenças, de abertura e de profunda insegurança.
Em sociedades com tendências a criticar modelos de autoridade baseados
no legado da tradição e na repetição de experiências passadas,
sociedades que incitam os indivíduos a tomar em seus ombros a
responsabilidade pela construção de seus estilos de vida, inclusive como
estratégia para apagar os impasses propriamente sociais de nossos
modelos de conduta e julgamento, a adolescência será necessariamente
vivenciada de forma mais angustiante. Nesse sentido, o contato com a
filosofia encontra um terreno fértil de questionamento.
A avaliação dos livros e projetos
pedagógicos normalmente direcionados a nossos alunos revela, no
entanto, que deveríamos procurar outras estratégias de ensino. Nossos
livros didáticos e paradidáticos são, na sua grande maioria, manuais de
exposição da história da filosofia a partir de seus personagens
principais. Os melhores se organizam a partir de temas específicos e do
seu desdobramento nos últimos 2 mil anos (o que, convenhamos, não é
pouco tempo). Nos dois casos, alcança-se, no máximo, uma visão geral da
história das ideias. Normalmente muito bem ilustrada.
Melhor seria
focar o ensino na leitura dirigida de textos maiores da tradição
filosófica. Um adolescente tem todas as condições de ter uma primeira
leitura produtiva de textos como O Banquete ou A República, de Platão, Discurso Sobre a Origem da Desigualdade, de Rousseau, as Meditações, de Descartes, Além do Bem e do Mal, de Nietzsche, ou mesmo um texto como O Que É o Esclarecimento?,
de Kant, entre tantos outros. São obras que abrem parte de suas
questões diante de uma primeira leitura dirigida. Eles permitem ainda
uma problematização sobre questões maiores como o amor, a política, a
autoidentidade, a injustiça social e as aspirações da razão.
Nesse sentido,
ganharíamos mais se os cursos fossem direcionados, por um lado, ao
aprendizado sistemático da leitura e da interpretação. Nossos alunos
chegam à universidade sem uma real capacidade de compreensão e
problematização de textos. Os cursos de Filosofia poderiam colaborar em
muito para mudar tal realidade.
Por outro lado, e sei que isso pode
estranhar alguns, ganharíamos muito se uma parte dos cursos de Filosofia
para os adolescentes fosse dedicada ao ensino da lógica. Nossos alunos
chegam às universidades com dificuldades de escrita e raciocínio que
poderiam ser minoradas se eles tivessem cursos de lógica. Sei que esta é
uma das disciplinas que nossos alunos de filosofia menos gostam, mas
eles ganhariam muito, em todas as áreas, se tivessem uma formação mais
sistemática no campo da lógica e da teoria do conhecimento.
Neste momento em que a sociedade
brasileira se dá conta da importância da luta pela qualidade do ensino,
deveríamos parar de desqualificar a capacidade de raciocínio de nossos
adolescentes. Eles merecem conhecer diretamente os textos e ideias que
constituíram nossa experiência social. Esta seria uma estratégia melhor
do que lhes apresentar manuais.
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