sábado, 14 de setembro de 2013

A gravidez e a arte de aceitar mudanças

Prós e contras dos novos exames de sangue que detectam síndrome de Down

CRISTIANE SEGATTO

Toda gravidez é um treino intensivo na arte de aceitar mudanças. Algumas mudanças podem ser bem radicais. A médica Ivelise Giarolla estava grávida de 28 semanas quando registrou a insegurança que a espera causava:

“Durmo e acordo pensando como serão nossas vidas, nossa convivência, nosso futuro. Procuro respostas, todavia não sei ainda as perguntas. Uma ansiedade sem limites, uma vontade extrema de fazer a Terra girar mais rápido. Vontade de transpor barreiras e ser mais veloz que a luz...Meu Deus, Lorena, venha rápido...

Lorena não ultrapassou a velocidade da luz. Veio quando tinha que vir. Veio como tinha que vir. Com síndrome de Down. Não foi uma surpresa. O diagnóstico havia sido feito no quinto mês de gestação, a partir de uma punção do líquido amniótico.

“O mundo parou quando recebi o diagnóstico”, diz Ivelise. “De repente, o filho idealizado não viria. Viria outro, com dificuldades de aprendizado, motoras e cognitivas. Não sabia se daria conta. Entrei em desespero”.

A chegada de Lorena mudou tudo. O sorriso da mãe e o rostinho da filha, flagrados há 15 dias durante um passeio pelo Clube Pinheiros, em São Paulo, sugerem que as mudanças não foram necessariamente para pior. Lorena está com sete meses de idade. Ivelise faz 38 anos hoje (13). O presente quem ganha somos nós, que podemos ouvir, contar e recontar essa história.

Lorena não é fruto de uma gravidez planejada. Ivelise já era mãe de Marina, hoje com 2 anos e 9 meses, e não esperava ter outro filho tão cedo. Assim que engravidou, a infectologista passou a acreditar que a criança nasceria com alguma síndrome. Havia razão para se preocupar.

O risco de síndrome de Down aumenta gradualmente de acordo com a idade da mãe. O risco de uma mulher ter um filho com síndrome de Down aos 20 anos é de 1 para 1.600. Aos 35 anos, é de 1 para 370.

“Não pensava isso só por causa da idade. Foi uma intuição mesmo”, diz Ivelise. A confirmação, durante a gravidez, ajudou a família a se organizar para as necessidades que Lorena teria. Quando ela nasceu, os pais estavam felizes. Lorena já tinha pediatra especializada, fisioterapeuta, fonoaudióloga e atenção especial para os exames cardíacos. 

Saber o quanto antes facilita tudo. Nesta semana, o grupo Fleury anunciou o lançamento no Brasil de um exame de sangue que detecta Down na décima semana de gestação. Ele também revela outras síndromes menos conhecidas, como Edwards, Patau, Turner, Klinefelter e Triplo x. Outras empresas oferecem o mesmo serviço. A novidade, agora, é que o teste também pode ser feito no caso de gravidez de gêmeos.

O exame é feito a partir do DNA de células fetais que circulam no sangue da mãe. Segundo a empresa, a taxa de precisão do teste é superior a 99%. O exame não é barato. Custa R$ 3,6 mil e o resultado sai em cerca de dez dias.

Uma das vantagens desses exames de sangue é a segurança do procedimento. Não há risco de perda fetal. No caso da punção do líquido amniótico esse risco é de 1%. Há vantagens e preocupações. A primeira são os falso-positivos. São raros, mas podem ocorrer. Por isso, todo resultado positivo precisa ser confirmado pela clássica punção do líquido amniótico.

A segunda preocupação: a descoberta da síndrome na décima semana de gestação poderá induzir mais mulheres a abortar? Não se sabe. Um estudo divulgado há poucos dias pela Universidade Okayama, no Japão, investigou a opinião das grávidas. Foram entrevistadas 557 gestantes entre 18 e 44 anos. Nesse grupo, 5,7% disseram que abortariam antes mesmo de confirmar o diagnóstico por uma punção.

A questão parece ainda não estar colocada no Brasil, mas suspeito que a discussão não demorará a surgir. “É complicado falar no assunto. É uma decisão difícil na vida de qualquer mulher”, diz Maria Antônia Goulart, coordenadora-geral do Movimento Down.

informação sobre a síndrome de Down é fundamental para acalmar as pessoas e fazer com que elas enxerguem todas as potencialidades do bebê que nasceu ou vai nascer. “Cada vez mais, as pessoas estão percebendo que esses indivíduos têm totais condições de ter uma vida digna e feliz”, diz Maria Antônia.

Ivelise tem certeza disso. “Hoje percebo que não precisava ter sofrido tanto. Se eu fosse reescrever todos os textos que produzi na gravidez eles seriam muito mais leves.”

Cada pequena evolução na fisioterapia é motivo de alegria e comemoração. Não faz muito tempo, Ivelise postou no Facebook a foto de Lorena segurando o pezinho pela primeira vez. Foi um acontecimento.

“A Lorena só me dá felicidade. Ela é maravilhosa. Minhas filhas são lindas, sorridentes, me amam. A gente percebe no olhar. Vivo por elas.”

Lorena passa o dia na escola, a mesma da irmã. Ivelise ainda não sabe como Marina reagirá ao entender o que significa a síndrome da caçula. Como será educar as duas e lidar com as necessidades individuais de cada uma?

O tempo dirá, mas pai e mãe têm um combinado: “As duas vão levar bronca do mesmo jeito. Em casa, não teremos nenhuma coitadinha”.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/cristiane-segatto/noticia/2013/09/bgravidezb-e-arte-de-aceitar-mudancas.html

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