domingo, 8 de setembro de 2013

Vigília pela paz

A violência ainda ronda a Libéria, diz a premiada ativista Leymah Gbowee

por Miguel Martins
Ufl Andersen / AFP

Leymah Gbowee
Leymah Gbowee, convidada de CartaCapital
para um debate sobre a África
Para dar fim a uma guerra civil, um grupo de mulheres decidiu fazer uma greve de sexo enquanto seus maridos não chegassem a um acordo de paz. A solução é clássica e seria fictícia, mas foi posta em prática há uma década. Em 2003, a liberiana Leymah Gbowee, 41 anos, e suas companheiras do Women of Liberia Mass Action for Peace encenaram uma versão real e sem piadas da peça Lisístrata, de Aristófanes, comediante grego do século IV a.C.
Se a heroína criada pelo dramaturgo reuniu espartanas e atenienses e propôs a abstenção sexual para dar um fim à Guerra do Peloponeso, as mulheres da Libéria, na África Ocidental, superaram diferenças étnicas e religiosas para exigir o fim da guerra civil no país, que deixou mais de 200 mil mortos entre 1989 e 2003. Com manifestações diárias, piquetes e a greve de sexo, o grupo liderado por Gbowee chamou a atenção da comunidade local e internacional e foi um foco de pressão sobre a assinatura do acordo de paz em Acra, capital de Gana, pelas facções político-militares da Libéria. A trajetória da ativista está relatada no documentário Pray the Devil Back to Hell (2008) e em seu livro autobiográfico Guerreiras da Paz (Cia. das Letras, 2011).
Gbowee vem ao Brasil para o ciclo de palestras do Fronteiras do Pensamento, na segunda-feira 9, e o seminário Diálogos Capitais: Um Mundo Sem Fome, organizado por CartaCapital, na quarta-feira 11. Um de seus objetivos é divulgar a organização filantrópica Gbowee Peace Foundation Africa, fundada em 2012 para conceder bolsas de estudo internacionais para estudantes liberianos. Na entrevista, ela fala sobre a greve de sexo, faz críticas ao governo da presidenta Ellen Johnson Sirleaf, com quem dividiu o Nobel da Paz em 2011, e comenta as deficiências da política educacional na Libéria. A íntegra da entrevista e um perfil sobre a ativista estão disponíveis em www.cartacapital.com.br.
CartaCapital: Entre as várias formas de protesto do Women of Liberia Mass Action for Peace, a greve de sexo foi a que mais chamou a atenção. Qual foi a importância da greve no resultado positivo dos protestos?

Leymah Gbowee: No meu livro Guerreiras da Paz, explico como a greve de sexo teve pouco ou nenhum efeito prático no sucesso das nossas demandas. Ela foi importante por trazer um sentimento de atitude sexual para algumas mulheres. Aquelas protestando em comunidades rurais eram mais organizadas em suas greves do que nós na capital liberiana. Por evocar Deus, elas fizeram os homens terem medo de desafiar suas abstenções. As mulheres em Monróvia eram menos consistentes. Algumas cederam voluntariamente. Outras apareceram para os protestos com ferimentos recentes a dizer que tinham apanhado de seus maridos por recusarem sexo.

CC: No documentário Pray the Devil Back to Hell (Reze para o Diabo Voltar ao Inferno), uma de suas mais importantes declarações após a assinatura do acordo levanta a importância de se manter vigilante para preservar a paz. E hoje? A paz é uma realidade na Libéria?

LG: A vigilância é necessária para se atingir e se preservar a paz. Embora a Libéria tenha feito muitos progressos e não tenha havido guerras na última década, os mesmos fatores que levaram à violência estão presentes, como a contínua desconfiança entre grupos étnicos, uma população jovem volumosa e desempregada com oportunidades econômicas e de educação limitadas, uma política de governo opaca. Temos agora uma geração de jovens que não conhece o horror da guerra. Eles estão esperançosos em relação às promessas do governo, mas o otimismo tímido da juventude pode rapidamente azedar.

CC: No ano passado, a senhora deixou a direção da Comissão de Verdade e Reconciliação da Libéria e criticou a presidenta Ellen Johnson Sirleaf por não fazer o suficiente para combater a corrupção em seu governo. A corrupção é o principal problema da Libéria?

LG: A corrupção enfraquece um bom governo. Por isso, não se pode fortalecer um sem erradicar a outra. Em 2005, Sirleaf fez campanha contra as propinas e o mau uso do dinheiro público. Mas não é suficiente suspender ou aceitar a demissão de oficiais envolvidos em esquemas ilegais. É muito comum ver práticas de corrupção impunes. Sem o envolvimento e o fortalecimento do Judiciário para investigar de maneira adequada e punir, a Libéria continuará a conviver com esse problema.

CC: A senhora e Sirleaf trabalharam juntas desde 2003 para reconstruir o país. Como está sua relação com a presidenta atualmente?

LG: Mantemos uma relação cordial e respeitamos a contribuição de cada uma para uma Libéria pacífica e próspera.

CC: Em julho deste ano, 25 mil estudantes liberianos tentaram entrar na Universidade da Libéria, mas nenhum foi aprovado. As políticas públicas de educação na Libéria evoluem em ritmo lento?

LG: Um dos empurrões mais importantes na política educacional na Libéria foi garantir um grande número de crianças na escola primária. Esse objetivo foi alcançado com grande sucesso. Mas a política de aumento e permanência no 2º grau não foi tratada com a mesma intensidade. Para se ter uma ideia, a classe de 2013 tinha apenas garotos de 7 ou 8 anos quando a guerra civil terminou. Nos dez anos em que estiveram na escola, as crianças mantiveram sua promessa, elas continuaram a frequentar as aulas, estudaram, confiaram no sistema. Mas esse sistema falhou com elas. Uma década após o fim da guerra, a qualidade da educação ainda é ruim e muitas das nossas escolas estão em condições precárias. Sabemos como corrigir a educação. Mas, após dez anos, o tempo de falar passou. Não podemos continuar a realizar conferências sobre o estado da educação. É hora de sujar as mãos.


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