segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Aparência X realidade nas redes sociais.

Por Claudia Penteado

“Não sou tão feliz, nem tão maravilhosa como apareço”.

Citando de Nietzsche a Bruna Surfistinha, uma das reflexões mais interessantes sobre a intimidade como espetáculo que li recentemente é o livro “O show do eu”, da pesquisadora Paula Sibilia. Segundo Paula, em decorrência de uma série de fenômenos contemporâneos – que ela bem descreve no livro -, as vidas reais contemporâneas são impelidas a se estetizarem constantemente, como se estivessem sempre na mira de fotógrafos paparazzi. “Para ganhar peso, consistência e inclusive existência, é preciso estilizar e ficcionalizar a própria vida como se pertencesse ao protagonista de um filme”, diz Paula.

Creio que a imensa confusão que se faz hoje em torno do público e do privado – como a discussão em torno de autorizar ou não biografias – tem a ver com esse fenômeno descrito por Paula: a vida como um complicado jogo de espelhos, um imenso show proporcionado principalmente por redes sociais, blogs, sites de compartilhamento de vídeos, reality shows.

O fato é que quase todos nós temos, diariamente, brincado disso. Temos narrado nossas próprias vidas nesse ambiente estranhamente livre da internet, dominado por uma infinidade de narrativas da vida de pessoas comuns, que buscam seu lugar no mundo, ainda que sem grandes ações heróicas ou feitos grandiosos.

Recentemente tive que escrever um trabalho acadêmico sobre essas narrativas e aproveitei para conversar com várias pessoas que se encaixam nesse timaço de “narradores digitais”. Meu ponto de interesse era, principalmente, o tênue limite entre o ficcional e o real no ambiente digital.

Nas redes sociais como o facebook - ou nos blogs - as pessoas narram a si mesmas diante do outro como obra aberta, transformada diariamente. Diferente de um diário pessoal, o que se narra é para ser lido, avaliado, tornar-se público - instantaneamente. São espaços de exercício da escrita com "júri popular". Por isso mesmo, há uma seleção meticulosa daquilo que se quer dividir e tornar público.  


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  (Foto: Claudia Penteado)
(Foto: Claudia Penteado)
No ambiente virtual, a narração de si constrói “personas virtuais” em busca permanente do aplauso. E a consciência dessa busca como recompensa por compartilhar uma parte da vida privada.

A publicitária R. diz que gosta de compartilhar e está disposta a trocar uma parte da sua privacidade por esse prazer. No entanto, publica sempre o que deseja tornar público. Pensa em como é bom submeter pensamentos e experiências ao crivo público para que gostem ou critiquem. Mas diz que não se deixa guiar só por isso.

"A audiência é boa para a estima. Mas nos piora quando se torna onipresente e passamos a fazer tudo pensando no outro", reconhece R.

No mundo dos blogs e das redes sociais, há o desejo de compartilhar apenas o lado bom da vida, aquilo que é positivo.

Por isso, é um ambiente de meias-verdades - a parte que se deseja revelar. Procura-se construir o melhor personagem de si mesmo - uma encenação conveniente.

"Procuro compartilhar minhas melhores coisas (pelo menos no meu ponto de vista). Não sou tão feliz, tão maravilhosa como publico. Mas aquelas partes publicadas são absolutamente verdadeiras. E é proposital. No dia-a-dia, tenho chateações que dificilmente compartilho. Gosto de ver as melhores fotos. As melhores histórias.", diz R.

Estamos sempre encenando, representando um papel que convém e que a gente acha que esperam da gente. O Facebook faz perceber isso de uma maneira assombrosa e muitas vezes surpreendente. É a opinião da professora de cinema P., que não tem pudor para admitir que gosta de ser querida e admirada. Mas preocupa-se em não se tornar escrava do personagem construído.

"Somos o que somos a partir daquilo que dizemos que somos", diz.

A publicitária F. diz que somos todos, afinal de contas, contadores de histórias, e mesmo nossas memórias narramos de acordo com nossa versão da história.

“Portanto, é sempre ficção", conclui.

Mais uma diferença importante entre a própria vida e a narrativa nas redes talvez seja a característica, desta segunda, de instantaneidade, fragilidade e finitude - a antítese do memorável. A “narrativa de si” nas redes é pensada para consumo instantâneo, rápido, eficiente. Nada para a posteridade. Afinal, tudo, um dia, pode ser deletado. 


perfil Claudia Penteado - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

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Claudia Penteado (@ClaudiaPenteado) escreve o blog “Mundo Criativo” na Época Negócios

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