Por: Patrícia Rodrigues e Léa Marques
A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta última terça-feira, dia 1º de outubro de 2013, o Projeto de Lei 138/2011, de autoria do Vereador Alfredinho (PT), que institui sobre a obrigatoriedade de, nada menos, que 50% de ônibus para as mulheres na cidade de São Paulo. A redação inicial propunha ainda oferecer vagões específicos de trens e metrôs, porém, o item foi vetado, uma vez que não é de alçada do município cuidar dos metrôs, que são de responsabilidade do Governo do Estado. O projeto visa evitar que mulheres sejam assediadas, abusadas e estupradas nesses espaços, e propõe isso impondo a separação de homens e mulheres em um espaço de uso público.
Um dos primeiros problemas do próprio PL é que institui a política de cotas em horários definidos, das 6h às 10h e das 16h às 20h, de segunda a sexta, pressupondo que as mulheres somente são abusadas nesse espaço, quando há horário de pico e de superlotação dos ônibus. Um absurdo: mulheres são mortas, violentadas, estupradas e assediadas todos os dias, em todos os horários e em qualquer espaço.
Consideramos esse projeto um grande problema, pois propõe que, para os homens pararem de assediar as mulheres no transporte, somos nós mulheres que devemos perder o direito de entrar em todos vagões e ônibus. É um problema porque somos 52% da população, e em São Paulo representamos 58% dos(as) usuários(as) dos serviços de transporte público.
A proposta de ter um único vagão, como se não importasse que somos mais da metade da população, revela o pensamento de que o espaço público é dos homens por excelência, e que se nós mulheres queremos estar nele, é uma “exceção”, então só um vagão no metrô todo resolveria o problema.
Como sabemos, lei parecida com a do vereador Alfredinho já está em vigor no Rio de Janeiro desde 2006. É a Lei 4.733/2006, que em nada resolveu no fato de que as mulheres são assediadas, abusadas e estupradas nesse espaço, como demonstra a matéria do Portal R7: “Linha do medo: homens invadem vagão exclusivo para mulheres“. Ao contrário, sem qualquer mecanismo de regulação e fiscalização da implementação da Lei, os homens passaram a ocupar os vagões destinados somente por mulheres.
Fato é que esse projeto de Lei não apenas não resolve como “guetifica” a questão e reafirma o espaço público como o espaço dos homens. Além disso, essa medida abre possibilidade para que se adotem vagões para gays, negros, e por aí vai, reforçando a ideologia e a prática de que machismo, racismo e homofobia não se resolve com medidas que criminalizam o agressor, e sim por meio da culpabilização indireta da vítima.
É como dizer para um gay ou negro que, se ele não quer apanhar ou ser discriminado, que não vá até a Rua Augusta, Paulista ou Frei Caneca, que frequente lugares onde são “mais aceitos”. Qual será o próximo passo? Que, para as mulheres andarem em segurança, sejam criadas ruas públicas somente para mulheres? É isso?
Não queremos guetos, queremos poder estar em TODOS espaços públicos, com segurança. Ainda serve a máxima que muitos não entendem: “Não ensine uma mulher a não ser estuprada. Ensine um homem a não estuprar”. O ÚNICO culpado pelo estupro/assédio é o homem, e não a mulher, não importa onde ela está, ou qual roupa está usando. Queremos uma política e uma legislação que de fato enfrentem os problemas cotidianos do machismo e do estado patriarcal.
Patrícia Rodrigues e Léa Marques são militantes da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo.
Este vídeo produzido pelo coletivo de humoristas de Mumbai “All India Bakchod” (Os charlatões da Índia) dialoga bastante com o assunto:
http://marchamulheres.wordpress.com/2013/10/02/contra-os-vagoes-femininos-pelo-direito-ao-espaco-publico/
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