segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A cada hora dois casos de violência doméstica são registrados no DF

Estudo mostra que, de janeiro a agosto, ocorreram dois casos de agressão por hora. Alguns acabaram em morte. Quem escapa do fim trágico consegue refúgio nos centros da Secretaria da Mulher

Adrianne, Fernanda, Tatiana, Benilde. Essas são algumas das mulheres que foram mortas este ano, no Distrito Federal, pelas mãos do então companheiro ou do ex. Os casos de violência marcaram 2013 e provocaram comoção, como a morte da vendedora assassinada a facadas pelo ex-marido na loja em que trabalhava (veja Memória). Constantemente ameaçada pelo marido, Júlia*, 24 anos, acreditava que o seu destino seria semelhante. “Eu rezava para que eu ou ele morresse e acabasse o sofrimento. Acreditava que a morte era única saída, que era o meu destino”, contou. Há menos de um mês, ela foi agredida pela última vez. “Ele jogou o celular na minha cabeça, começou a sangrar. Eu fugi com o meu filho e estou aqui, viva. Descobri que existe saída: denunciar”, contou.

A cada hora, dois casos de violência doméstica são registrados, em média, nas delegacias do DF. Um estudo da Secretaria de Segurança Pública apontou que ocorreram 10.095 episódios de agressão contra a mulher entre janeiro e agosto deste ano, número superior aos 9.435 registros no mesmo período do ano passado. As ameaças representam a maioria dos casos, 52,2%, seguidas por injúrias e lesões corporais. As regiões administrativas com maior número de registros são: Ceilândia, com 16,1% (1.629 registros), Planaltina, 8,6% (873), Gama, 6,8% (685), Samambaia, 6,5% (658), Taguatinga, 6,4% (644), e Brasília, 5,6% (566).Acolhimento
Após registrar ocorrência na delegacia, Júlia foi levada para a Casa Abrigo, onde mulheres vítimas da violência são acolhidas e orientadas por psicólogos e advogados. “Eu não sabia que existia um lugar que poderia me acolher. Minha família dava razão para o meu marido, dizia que eu devia obedecê-lo. Não tenho dinheiro, ele nunca me deixou trabalhar. Mas estou segura, estou me recuperando”, contou. Entre janeiro e setembro de 2013, 232 pessoas, entre mulheres, crianças e adolescentes, foram atendidas no local, que não tem o seu endereço divulgado para manter as famílias distantes dos agressores.
“Estou aprendendo a sonhar. Fico olhando a rua, os ônibus e os carros passando, e penso: “Eu sou livre”.” Há pouco mais de um mês, Ana*, 46 anos, decidiu colocar um ponto final no relacionamento de 25 anos. Ela enfrentava uma rotina de humilhações, ameaças e agressões. “Comecei a concordar com o que ele dizia sobre mim, que eu não era nada, não era ninguém. Achava que eu estava errada.” Quando pensava em fugir, Ana percebia que não tinha dinheiro nem mesmo para pegar o ônibus até a delegacia. “Era assim que ele me controlava”, completou ela, que está há cerca de um mês na Casa Abrigo.
Assim como Ana, muitas mulheres encontram dificuldades para romper a rotina de violência por conta da dependência financeira. “Quase sempre, as mulheres vítimas de violência doméstica são subjugadas, fragilizadas. É uma das questões que nós tentamos trabalhar quando elas chegam às unidades de atendimento. Geralmente, tentamos incluí-las em políticas públicas que já existem, mostramos opções de cursos e benefícios”, explica a secretária da Mulher, Olgamir Amancia.
Independência
Para a economista, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher (IPAM) Tânia Fontenelle, investir na independência econômica das mulheres vítimas de violência é fundamental . “A inserção delas no mercado de trabalho é importantíssima para que vençam o estado de completa fragilidade”, afirmou.
Dois projetos de lei que visam aperfeiçoar a Lei Maria da Penha aguardam votação na Câmara dos Deputados. O primeiro (PL 6.296/2013, do Senado) garante auxílio financeiro de até seis meses para mulheres que precisem se afastar do local de trabalho por serem vítimas de violência. Já o PL 5976/2013 (do deputado Márcio Macêdo, do PT-SE) inclui as vítimas de violência doméstica entre os beneficiários com prioridade de acesso ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
* Nomes fictícios
Equipamentos da Secretaria da Mulher 
Casa Abrigo - O encaminhamento só ocorre por intermédio da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) ou do juiz. Para mais informações, ligue (61) 3961-4677.
Centros de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) - O acolhimento ocorre espontaneamente, basta que a mulher procure o serviço pelos telefones (61) 3323-8676 ou (61) 3323-6184.
Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de violência doméstica (Nafavd) - Os núcleos recebem os pedidos encaminhados pelo Programa Casa Abrigo, pelos Juizados Especiais Criminais e pelas Varas de violência doméstica do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios e do Ministério Público do DF e Territórios. Para mais informações, ligue (61) 3961-4677.
Memória
20 de outubro: Adrianne Azevedo, 28 anos, morreu após ter 24% do corpo queimados. Ela passou 20 dias internada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e não resistiu em 11 de novembro. O ex-marido da vítima, Leonardo José Soares, é o principal suspeito do crime. A polícia acredita que ele não aceitava o fim do casamento. Imagens das câmeras de segurança de um posto de combustíveis mostram o momento em que Leonardo compra gasolina. O ex-marido, que também apresentou queimaduras, foi preso poucas horas depois do crime, no momento em que procurava ajuda em um hospital do DF. Ele deve aguardar o julgamento na cadeia.
1ª de março: A comerciária Fernanda Grasielly Almeida Alves, 25, foi morta em 1ª de março de 2013 pelo desempregado Victor Gabriel Medeiros, 29. Ele deu três facadas no pescoço da vítima no provador da loja onde ela trabalhava, no Terraço Shopping. Em seguida, fugiu, após cumprir a promessa que havia feito há 10 meses, quando o casamento chegou ao fim. A crueldade foi planejada, segundo os investigadores. O agressor, que fazia aniversário no dia do assassinato, comprou a faca em um supermercado, afiou a arma em um açougue e foi até o centro comercial. Ao chegar à loja, escondeu-se e puxou a ex-mulher. Após receber os golpes, a jovem ainda cambaleou por 10 metros até a recepção do shopping, pedindo por socorro. Não resistiu à perda de sangue. Preso no estacionamento, Victor confessou o crime, mas disse que não se lembrava dos detalhes. Ele foi indiciado por homicídio duplamente qualificado. A Justiça tinha determinado que ele não poderia ficar a menos de 200 metros de Fernanda, devido às ameaças que fazia, mas a comerciária pediu à Justiça que retirasse a medida protetiva. Três meses depois do crime, Victor foi condenado a 18 anos de prisão em regime fechado.
27 de março: Alex de Oliveira Cavalcante, 25 anos, e Tatiana Amaral Queiroz, 32, namoravam há mais de um ano. O relacionamento, abalado por términos, recaídas e constantes discussões, teve um fim trágico em Sobradinho. Segundo investigações da polícia, Tatiana pretendia terminar definitivamente o namoro naquele dia. Alex, transtornado e sem aceitar o fim, teria pegado uma faca, desferido 20 golpes contra a mulher e se suicidado com três facadas no peito. Uma atingiu a veia aorta e o matou na hora. O casal foi encontrado sem vida pelo irmão do rapaz, Airton Cavalcante, e uma vizinha. Tatiana registrou uma ocorrência de ameaça em 25 de dezembro do ano passado, na 9ª Delegacia de Polícia, no Lago Norte, onde morava. Na época, ela disse que estava sendo ameaçada por Alex desde outubro, e o acusou de ser alcoólatra e usuário de crack.
19 de março: Uma semana após amarrar a ex-mulher e ameaçá-la de morte, Cássio Santana da Cruz, 33 anos, planejou executar pelo menos dois homicídios no mesmo dia. Em um intervalo de minutos, ele disparou cinco vezes contra a antiga companheira Ivoneide de Oliveira Santana, 24 anos, e seis contra Saulo Israel Couto Barreto, 26 – o acusado acreditava que este seria o namorado dela. O primeiro crime aconteceu às 9h48, em 19 de março, na comercial da QNJ 25. O segundo, minutos depois, na Área Especial 9 da QNG, no depósito do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), ambos em Taguatinga Norte. As duas vítimas sobreviveram. Em outubro, Cássio foi preso em Samambaia.
4 de março: Com um fio de carregador de celular, o aposentado Elpídio Oliveira, de 46 anos, enforcou a ex-esposa Benilde Rosa, 41, na chácara onde os dois viviam, no Núcleo Rural Ponte Alta Norte, no Gama, às margens da DF-475. Transtornado, o homem se matou em seguida. Embora continuasse dividindo o mesmo teto após a separação, o casal vivia sem grandes conflitos, segundo familiares. O crime aconteceu por volta das 2h. Depois de estrangular a esposa, Elpídio entrou em contato com uma das três filhas e contou que, além do assassinato, também pensava em suicídio. A jovem, que também mora no Gama, correu para a casa dos pais, mas chegou tarde demais. Ela encontrou a mãe morta sobre a cama e o pai, enforcado por uma corda.
15 de fevereiro: No Setor de Mansões de Sobradinho 2, um segurança de 44 anos assassinou a ex-mulher no meio da rua com pelo menos três tiros e, em seguida, matou-se, deixando órfãos dois filhos, um de 11 e um de 5 anos. O motivo do crime seria a insatisfação com o fim do casamento.
26 de janeiro: Em Planaltina, um casal de namorados foi morto a facadas pelo ex-marido da mulher. O agressor foi até a casa dos dois, no Núcleo Rural Pipiripau 2, e esfaqueou ambos no peito e nas costas. De acordo com a polícia, a mulher assassinada e o agressor foram casados por mais de 15 anos e tinham um filho de 14 anos.
Onde denunciar
» Disque Direitos Humanos – 156, opção 6 (Serviço do GDF)
» Disque 180 (Serviço do Governo Federal)
» Deam – Delegacia Especial de Atendimento à Mulher / Telefones: (61) 3442-4300 / 3442-4328
» Núcleo de Gênero Pró-Mulher do MPDFT / Telefones: (61) 3343-9998/3343-9625 / Fax: (61)3343-9948
» Defensoria Pública / Telefones: (061) 3103-1926/1928/1765
» Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher do Fórum Leal Fagundes / Telefones: (061) 3103-1926/1928/1765


Depoimento
Sequência de agressões: “Vivi 16 anos com o meu primeiro marido. Tive duas filhas. Era um relacionamento tranquilo, mas ele começou a beber e a usar drogas, e me ameaçava constantemente. Fiquei assustada e fugi com as crianças para uma cidade no interior. Lá, conheci outro homem. Ele era muito ciumento. Me batia sempre. Mas eu não tinha nada, não trabalhava, não sabia como poderia fugir. Também acreditava que ele poderia mudar. Comecei a usar drogas. Depois de seis anos, fugi. Voltei para Brasília. Não tinha nada, morei nas ruas com a minha filha pequena. Estava sofrendo muito quando conheci o meu último companheiro. Voltei a ter esperanças. Ele era carinhoso, atencioso. Montou uma casa e me chamou para morar com ele. Ele era deficiente visual. Ele falava que me amava muito, que não queria me perder. No começo, eu achava natural. Depois, foi ficando ameaçador. Um dia, nós estávamos felizes. Nós saímos de casa de mãos dadas. Ele queria me dar um presente. Falei que precisava de um sapato e estávamos indo para a loja quando começamos a discutir. Ele é cego, começou a dizer que eu estava olhando para outros homens. Começou a me bater. Gritei. Ele me puxou com força e mordeu o meu olho. Achei que iria arrancá-lo. Ainda não entendi. Estávamos felizes. Estou tentando acreditar que posso seguir, mais uma vez, sozinha.”
Maria*, 51 anos


» GABRIELLA FURQUIM

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