quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

‘É em casa que se aprende a amar’

POR PATRÍCIA GOMES

O filho mais novo coloca os últimos enfeites da árvore de Natal. O mais velho ajuda nos preparativos do almoço de família. Primos, tios e avós estão chegando para um momento conjunto de celebração. Por trás de gestos que podem até parecer corriqueiros nesta época do ano, estão algumas chances preciosas e o ambiente mais propício para estimular o desenvolvimento de crianças e jovens nas chamadas habilidades socioemocionais: colaboração, trabalho em equipe, empatia, solidariedade, generosidade, respeito à diferença, capacidade de agradecer e pedir ajuda e até pensamento crítico e analítico. “A preocupação em desenvolver essas características deve estar presente no dia a dia das famílias, mas é nessa época do ano, com tantos rituais de celebração, que mais oportunidades aparecem”, diz Maria Tereza Maldonado, consultora familiar e membro da American Family Therapy Academy.

A observação de Maldonado sobre o papel da família, sobretudo na época das festas, acontece em um momento em que educadores de todo o mundo se debruçam para entender o que as instituições de ensino podem fazer para extrapolar as amarras curriculares das disciplinas que “caem no vestibular” e proporcionar uma educação que prepare os alunos para a vida. O debate envolve tantas instituições e países que a OCDE (organização que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo e é responsável pelo Pisa) está elaborando formas de medir se os jovens estão chegando aos 15 anos com tais características, que serão tão ou mais importantes que o estudo tradicional para seu sucesso na vida profissional e pessoal. Mas a questão é que, apesar de toda a função que escolas e governos podem desempenhar, a resposta para um bom desenvolvimento nessas competências relacionadas à personalidade também está em casa.

“A família, em qualquer tipo de composição, exerce um papel fundamental no desenvolvimento de crianças e jovens. É em casa, por exemplo, que se aprende a amar”, afirma a mestre em psicologia, que critica o fato de muitas famílias estarem relegando um papel tão importante apenas à escola. Tatiana Filgueiras, coordenadora de avaliação e desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna, instituição que tem levantado a bandeira das habilidades socioemocionais, concorda e vai além. Sim, o estímulo às competências “de vida” deve envolver vários atores, e não apenas só a escola ou só a família. E sim, esse processo pode ser muito mais democrático do que o de desenvolvimento das habilidades relacionadas diretamente às disciplinas tradicionais da escola. “Um pai que não tenha tido oportunidade de estudar pode contribuir com o desenvolvimento socioemocional do filho porque ele tem experiências de vida. Mas ele pode não conseguir ajudar no dever de casa de matemática”, diz ela.

Filgueiras, que tem levado a discussão sobre a necessidade se desenvolver habilidades não cognitivas para redes de ensino, explica que existem dois principais blocos de características quando se fala nesse tipo de competência. O primeiro é relacionado a responsabilidade, compromisso, resiliência, ou seja, um conjunto de fatores que envolvem o fato de que uma pessoa precisa se esforçar para alcançar algo que deseja. O segundo é o espírito investigativo e curioso que permite a abertura ao outro, ao novo e ao erro. Nos dois casos, a virada do ano é oportunidade de desenvolver os dois grupos. “No Ano Novo é quando a gente repensa a vida. Olhamos para trás e vemos nossos erros e acertos. Temos de estar abertos a uma autoavaliação, a reconhecer nossos erros. Ao mesmo tempo, olhamos para frente e estabelecemos metas e aí temos a chance de trabalharmos nosso foco, nossa força de vontade e nossa resiliência”, diz ela.

Luciana Allan, diretora do Instituto Crescer, também vê nas festividades de Natal e Ano Novo uma chance de reativar canais de diálogo e de desenvolvimento que podem ter sido fechados pela correria do dia a dia. “O fim do ano é uma época em que é preciso manejar muitas emoções, boas e ruins, dependendo da estrutura familiar. Mas é também uma oportunidade de estar junto, de olhar para o outro, de compartilhar”, afirma ela, que aconselha que as pessoas aproveitem as dinâmicas familiares que só acontecem nesta época de festas para trabalhar os valores socioemocionais, que a escola tem mais dificuldade em desenvolver.

E então, a mesa do Natal está posta?

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