quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

É machismo pensar que homem deve ajudar em casa; veja teorias para esquecer

Por Marina Oliveira e Rita Trevisan, do UOL, em São Paulo

Por mais que a sociedade tenha se transformado e evoluído, alguns conceitos demoram a desaparecer. Ideias machistas ainda estão por toda a parte e muitas pessoas as reproduzem, sem nem se dar conta disso. "O comportamento feminino e o masculino são construções históricas, culturais e sociais. E leva muito tempo para modificarmos essas concepções de forma definitiva", diz a historiadora e socióloga Rosana Schwartz, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Alguns pensamentos podem parecer inofensivos, mas, se analisarmos com cautela, veremos que não correspondem mais à realidade e, por isso mesmo, devem ser superados. A seguir, dez exemplos de conceitos que merecem ser revistos. 

A MULHER NASCEU PARA SER MÃE: pensar assim é reduzir o papel feminino ao de simples reprodutora, quando, na verdade, a mulher ocupa outros espaços na sociedade e conquistou o direito de escolher o próprio destino. "Essa afirmação alimenta o preconceito com a mulher que opta por não ser mãe. E influencia, também, aquelas que decidiram ter filhos sem deixar a carreira. Estas últimas saem de casa para trabalhar sentindo-se culpadas por abandonar aquela que seria a sua real função, na visão machista", afirma a historiadora e socióloga Rosana Schwartz 

NÃO EXISTE AMIZADE ENTRE HOMEM E MULHER: na visão machista, a mulher é tida como um objeto de desejo sexual. Ao reproduzir esse pensamento, difunde-se a ideia de que não há como homens e mulheres terem uma relação sem envolvimento físico. "São vários os fatores que tornam uma pessoa interessante para se relacionar: o que ela pensa, o que ela gosta, o que busca. Limitar afinidades ao sexo significa mediocrizar as relações humanas", declara a socióloga Tica Moreno, da Sempreviva Organização Feminista e da Marcha Mundial das Mulheres 

O HOMEM PROCURA FORA O QUE NÃO TEM EM CASA: essa expressão diz, nas entrelinhas, que, se a mulher não for capaz de satisfazer todas as vontades do seu companheiro, ele tem o direito de buscar fora da relação outra pessoa que preencha essas lacunas. "É o mesmo que concordar com a ideia de que a mulher tem a obrigação de completar o homem. E, se ele errar, a culpa é dela, que não evitou a situação. Esse pensamento isenta o homem de consequências, até quando ele assume uma conduta errada", diz a filósofa Marcia Tiburi, autora do livro "Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero" (Editora Edunisc)

MULHERES TÊM DE SE DAR VALOR, JÁ OS HOMENS PODEM CURTIR A VIDA: o pensamento é fruto de uma construção histórica, que absolve os homens de culpa quando fogem às regras, ao mesmo tempo em que pune duramente as mulheres quando elas adotam um comportamento similar. "Por muito tempo, a mulher foi vista como a disciplinadora da sociedade. Isso justificaria o fato de ela ter de ser mais comportada e andar na linha. Só que essa concepção ignora o fato de que elas têm os mesmo desejos dos homens", diz a historiadora Rosana Schwartz. Para a filósofa Marcia Tiburi, há, ainda, outra questão envolvida: "Esse conceito reforça a ideia de que o corpo feminino é um objeto que, se não for preservado, pode valer menos"

HOMEM DEVE AJUDAR NAS TAREFAS DOMÉSTICAS: ao usar a palavra "ajudar" fica implícita a obrigação feminina de lidar com todas as demandas de uma casa, que inclui cozinhar, lavar e passar. Porém, os trabalhos rotineiros são de responsabilidade de todos os moradores, sejam eles homens ou mulheres, independentemente da idade. Portanto, nada mais justo do que haver uma divisão de tarefas, inclusive entre os filhos. Crianças que ajudam em casa, desde cedo, geralmente tornam-se mais colaborativas quando adultas

O HOMEM DEVE PAGAR A CONTA DO MOTEL: ao se recusar a pagar a conta de um serviço do qual também usufruiu, a mulher rebaixa o próprio corpo a um prêmio, oferecido ao homem com a intenção de agradá-lo. Com isso, o prazer feminino e o direito de fazer sexo quando bem entender acabam sendo ignorados. O fato de o homem pagar a conta não é o problema. O que precisa ser evitado é colocar a mulher em uma posição de extrema submissão. "É preciso refletir sobre a ideia subentendida de que, se o homem está pagando, pode fazer o que quiser, que a mulher está disponível só para satisfazê-lo", afirma a socióloga Tica Moreno

HOMEM QUE É HOMEM ENGOLE O CHORO E NÃO DEMONSTRA FRAQUEZA: o machismo também prejudica o homem. Muitos são ensinados, desde a infância, a não revelarem suas emoções e, com isso, tornam-se adultos incapazes de demonstrar sentimentos como afeto e compaixão. "Os pais devem ensinar os meninos que ter sensibilidade não implica ser menos masculino ou viril", diz a historiadora e socióloga Rosana Schwartz. "Se pai e mãe mandam o garoto parar de chorar e o estimulam a nunca levar desaforo para casa, não estão apenas inibindo o lado sensível dele: estão, também, despertando a sua agressividade" 

O HOMEM DEVE ABRIR A PORTA DO CARRO PARA A MULHER: o cavalheirismo não é visto com bons olhos pelas feministas, por carregar a ideia de que as mulheres são mais frágeis e dependem dos homens para realizar determinadas tarefas. "Há uma simbologia da fragilidade feminina que o cavalheirismo oculta. Ser gentil é sempre bom, a gentileza deve existir entre todas as pessoas, inclusive por parte das mulheres com os homens", diz a socióloga Tica Moreno. Nessa linha de raciocínio, seria muito natural que as mulheres, quando estivessem conduzindo um veículo, também abrissem a porta do passageiro para os homens. O que, na prática, não acontece

A MULHER PRECISA DE UM HOMEM AO SEU LADO: de acordo com a socióloga Nina Madsen, do CFEMEA (Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria), essa concepção coloca a mulher numa posição de extrema dependência do homem, estabelecendo a obrigatoriedade de estar em um relacionamento afetivo para poder ser valorizada e até mesmo considerada cidadã. "É como dizer que mulheres são seres frágeis, fracos e submissos e, portanto, precisam dos homens para existir no mundo", explica

MULHER QUE NÃO SE VESTE ADEQUADAMENTE PEDE PARA SER ASSEDIADA: a campanha "Chega de Fiu Fiu", idealizada pelo blog feminista Think Olga, divulgou uma pesquisa apontando que 99,6% das 7.762 mulheres entrevistadas afirmaram já terem sido assediadas. A maioria declarou ter trocado de roupa por medo de sofrer assédio e ter deixado de ir a algum lugar por receio de ser abordada de maneira grosseira. "Nessa perspectiva, questiona-se o comportamento da vítima, quando, na verdade, deveria ser julgada a prática do agressor. Discutir a roupa é o mesmo que justificar a violência", afirma a socióloga Tica Moreno

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