Marcha das Mulheres
Por: Maria Júlia Montero*
Ontem, mais uma vez, a tv Record exibiu o programa “Fala que eu te escuto”, como sempre. Porém, o tema foi um pouco inusitado: tratou-se sobre machismo e feminismo. O tema era “Machismo x feminismo: a luta de ambos os sexos é justa ou só promove a guerra entre os sexos?”
O programa, aberto à participação por telefone, skype ou e-mail, ouviu várias opiniões. Através disso, e do próprio tema do programa, podemos ver que ainda há muita dúvida sobre o que é o feminismo, e não só: há uma espécie de amnésia histórica com relação à luta das mulheres.
Para começar, vamos ao título do programa (e às afirmações constantemente feita pelos pastores que apresentam o programa): feminismo e machismo não são, os dois, movimentos que lutam pelos direitos dos sexos feminino e masculino, respectivamente. O machismo, como bem disse uma das meninas que mandou um e-mail ao programa, é um sistema de dominação, exploração e opressão das mulheres. Ele não é um movimento propriamente dito que luta pelos direitos masculinos, porque os homens já têm seus direitos garantidos.
Já o feminismo é um movimento que luta para que mulheres e homens sejam iguais. As mulheres ganham menos no mercado de trabalho, exercendo a mesma atividade dos homens, e até quando têm mais formação do que eles. Segundo os critérios meritocráticos de nossa sociedade, se a pessoa tem mais formação, ela deveria ganhar mais, certo? Pois as mulheres estão excluídas inclusive desse critério (que já é bem duvidoso, por sinal).
As mulheres também sofrem violência pelo fato de serem mulheres. É uma verdade que muitos homens são assassinados, assaltados etc, mas isso não acontece com eles porque eles são homens, acontece por outros motivos. Nenhuma mulher ou homem assassina um outro homem porque ele é homem. Agora, mulheres são mortas porque são mulheres. É um tipo de violência específica. Ou seja, é completamente ilógico falar que o feminismo alimenta uma guerra entre os sexos, porque já há uma guerra contra as mulheres, que é perpetuada e incentivada pelo machismo. Homens matam mulheres, não o contrário.
Um dos homens que participou do programa disse que as mulheres não querem direitos iguais, e sim vantagens, porque já se aposentam mais cedo. O que o cara esqueceu de dizer é que, se ele mora com a mãe, é provavelmente ela que lava a roupa dele, faz comida pra ele etc. Se ele é casado, é a esposa dele que faz a comida, lava e passa a roupa. Se essas mulheres trabalham fora, é uma dupla sobrecarga de trabalhos sobre elas, porque enquanto o homem chega do trabalho e põe os pés pra cima, a mulher chega em casa e vai fazer a janta. Por essa lógica, as mulheres têm muito mais trabalho do que os homens, logo, é lógico que se aposentem cinco anos mais cedo. Se isso incomoda os homens, talvez eles devessem começar a pensar em dividir o trabalho doméstico.
Uma mulher que participou disse que o feminismo promove a guerra entre os sexos e que o fato das mulheres saírem de casa está fazendo com que crianças fiquem sem educação etcetc. Ainda falou algo sobre a família, dos casamentos não durarem. Bom, se os casamentos não duram, é porque eles têm problemas, e o feminismo nada mais fez do que parar de jogá-los para baixo do tapete, e dizer pras mulheres que elas não precisam aguentar um casamento ruim. Por que insistir em algo que nos faz infelizes?
Sobre as escolas: o que faz crianças ficarem sem educação é a desigualdade social, descaso dos governos com as escolas públicas, falta de vagas etc. Isso não tem a ver com a saída das mulheres para o mercado de trabalho – que, inclusive, além de contribuir para sua autonomia econômica, contribui para dar uma melhor qualidade de vida para a família, já que haverá mais dinheiro entrando.
Agora, voltando à discussão sobre a amnésia histórica: vê-se um esforço em disseminar a desinformação. A caracterização do machismo enquanto um movimento tal qual o feminismo é parte disso, e a descaracterização do feminismo enquanto um movimento de reivindicações também.
Fala-se, também, sobre um tempo “longínquo”, em que as mulheres eram muito mal tratadas, humilhadas. Fala-se, primeiro, como se isso não existisse mais. E, segundo, fala-se como se os avanços que temos hoje tivessem ocorrido do nada. Aliás, do nada não: segundo o apresentador, a situação das mulheres mudou graças ao bom jesus. Esqueçam as sufragistas, as socialistas, a luta das mulheres na constituinte de 88, esqueçam a luta pela Lei Maria da Penha. Esqueçam o próprio 8 de março, afinal, tudo veio do bom senhor jesus.
O patriarcado é um sistema muito bem formado, que funciona muito bem. Sabe, portanto, utilizar todos os mecanismos necessários para manter-se, e fazer com que nossa luta caia no esquecimento é um deles.
Está colocada, portanto, uma das tarefas das feministas: resgatar o significado do feminismo enquanto um movimento. Resgatar a história das lutas das mulheres, fazer atividades, panfletagens. Mostrar que há um problema, que as mulheres sabem muito bem qual é, e que o feminismo está aí para resolvê-lo.
Feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente.
É disso que trata a nossa luta.
* Maria Júlia Montero é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo.
Por: Maria Júlia Montero*
Ontem, mais uma vez, a tv Record exibiu o programa “Fala que eu te escuto”, como sempre. Porém, o tema foi um pouco inusitado: tratou-se sobre machismo e feminismo. O tema era “Machismo x feminismo: a luta de ambos os sexos é justa ou só promove a guerra entre os sexos?”
O programa, aberto à participação por telefone, skype ou e-mail, ouviu várias opiniões. Através disso, e do próprio tema do programa, podemos ver que ainda há muita dúvida sobre o que é o feminismo, e não só: há uma espécie de amnésia histórica com relação à luta das mulheres.
Para começar, vamos ao título do programa (e às afirmações constantemente feita pelos pastores que apresentam o programa): feminismo e machismo não são, os dois, movimentos que lutam pelos direitos dos sexos feminino e masculino, respectivamente. O machismo, como bem disse uma das meninas que mandou um e-mail ao programa, é um sistema de dominação, exploração e opressão das mulheres. Ele não é um movimento propriamente dito que luta pelos direitos masculinos, porque os homens já têm seus direitos garantidos.
Já o feminismo é um movimento que luta para que mulheres e homens sejam iguais. As mulheres ganham menos no mercado de trabalho, exercendo a mesma atividade dos homens, e até quando têm mais formação do que eles. Segundo os critérios meritocráticos de nossa sociedade, se a pessoa tem mais formação, ela deveria ganhar mais, certo? Pois as mulheres estão excluídas inclusive desse critério (que já é bem duvidoso, por sinal).
As mulheres também sofrem violência pelo fato de serem mulheres. É uma verdade que muitos homens são assassinados, assaltados etc, mas isso não acontece com eles porque eles são homens, acontece por outros motivos. Nenhuma mulher ou homem assassina um outro homem porque ele é homem. Agora, mulheres são mortas porque são mulheres. É um tipo de violência específica. Ou seja, é completamente ilógico falar que o feminismo alimenta uma guerra entre os sexos, porque já há uma guerra contra as mulheres, que é perpetuada e incentivada pelo machismo. Homens matam mulheres, não o contrário.
Um dos homens que participou do programa disse que as mulheres não querem direitos iguais, e sim vantagens, porque já se aposentam mais cedo. O que o cara esqueceu de dizer é que, se ele mora com a mãe, é provavelmente ela que lava a roupa dele, faz comida pra ele etc. Se ele é casado, é a esposa dele que faz a comida, lava e passa a roupa. Se essas mulheres trabalham fora, é uma dupla sobrecarga de trabalhos sobre elas, porque enquanto o homem chega do trabalho e põe os pés pra cima, a mulher chega em casa e vai fazer a janta. Por essa lógica, as mulheres têm muito mais trabalho do que os homens, logo, é lógico que se aposentem cinco anos mais cedo. Se isso incomoda os homens, talvez eles devessem começar a pensar em dividir o trabalho doméstico.
Uma mulher que participou disse que o feminismo promove a guerra entre os sexos e que o fato das mulheres saírem de casa está fazendo com que crianças fiquem sem educação etcetc. Ainda falou algo sobre a família, dos casamentos não durarem. Bom, se os casamentos não duram, é porque eles têm problemas, e o feminismo nada mais fez do que parar de jogá-los para baixo do tapete, e dizer pras mulheres que elas não precisam aguentar um casamento ruim. Por que insistir em algo que nos faz infelizes?
Sobre as escolas: o que faz crianças ficarem sem educação é a desigualdade social, descaso dos governos com as escolas públicas, falta de vagas etc. Isso não tem a ver com a saída das mulheres para o mercado de trabalho – que, inclusive, além de contribuir para sua autonomia econômica, contribui para dar uma melhor qualidade de vida para a família, já que haverá mais dinheiro entrando.
Agora, voltando à discussão sobre a amnésia histórica: vê-se um esforço em disseminar a desinformação. A caracterização do machismo enquanto um movimento tal qual o feminismo é parte disso, e a descaracterização do feminismo enquanto um movimento de reivindicações também.
Fala-se, também, sobre um tempo “longínquo”, em que as mulheres eram muito mal tratadas, humilhadas. Fala-se, primeiro, como se isso não existisse mais. E, segundo, fala-se como se os avanços que temos hoje tivessem ocorrido do nada. Aliás, do nada não: segundo o apresentador, a situação das mulheres mudou graças ao bom jesus. Esqueçam as sufragistas, as socialistas, a luta das mulheres na constituinte de 88, esqueçam a luta pela Lei Maria da Penha. Esqueçam o próprio 8 de março, afinal, tudo veio do bom senhor jesus.
O patriarcado é um sistema muito bem formado, que funciona muito bem. Sabe, portanto, utilizar todos os mecanismos necessários para manter-se, e fazer com que nossa luta caia no esquecimento é um deles.
Está colocada, portanto, uma das tarefas das feministas: resgatar o significado do feminismo enquanto um movimento. Resgatar a história das lutas das mulheres, fazer atividades, panfletagens. Mostrar que há um problema, que as mulheres sabem muito bem qual é, e que o feminismo está aí para resolvê-lo.
Feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente.
É disso que trata a nossa luta.
* Maria Júlia Montero é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo.
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