sábado, 18 de janeiro de 2014

No fim da vida, Kalashnikov sentiu peso na consciência pelo AK-47

Mikhail Kalashnikov morreu no mês passado, aos 94 anos. Imprensa russa divulgou carta onde ele descreve "dor espiritual" pelas mortes causadas pelo rifle mais usado no mundo

REDAÇÃO ÉPOCA

Mikhail Kalashnikov, um dos inventores de armas mais famosos do mundo, segurando o AK-47 (Foto: Vladimir Vyatkin/Arquivo/AP)
Mikhail Kalashnikov, um dos inventores de armas
mais famosos do mundo, segurando o AK-47
(Foto: Vladimir Vyatkin/Arquivo/AP)
A história está repleta de exemplos de inventores que se arrependeram de suas invenções. Historiadores até hoje especulam se Santos-Dummond cometeu suicídio após ver sua invenção, o avião, ser usado em guerras. Alfred Nobel, o inventor da dinamite, deixou em seu testamento toda a fortuna que ganhou da indústria bélica para a criação de um prêmio para promover a paz e as ciências. Mas nada indicava que o russo Mikhail Kalashnikov fosse esse tipo de inventor. O famoso criador do fuzil AK-47 costumava dizer que não perdia o sono por sua criação tirar tantas vidas, e colocava a culpa das guerras e violência nos políticos, não na sua invenção. Uma carta divulgada nesta segunda-feira (13) na imprensa russa, no entanto, pode mudar essa imagem.
Mikhail Kalashnikov morreu no mês passado, aos 94 anos. Cerca de oito meses antes, o criador do rifle mais usado no mundo escreveu uma carta ao Patriarca de Moscou, um dos postos mais altos da Igreja Ortodoxa Russa, mostrando sofrimento espiritual e reflexões sobre o sentido da vida. Esta carta foi publicada, na íntegra, pelo jornal russo Izvestia.
"Minha dor espiritual é insuportável. Eu continuo fazendo a mesma pergunta, sem respostas. Se o meu rifle privou a vida de tantas pessoas, será que eu, um Cristão e fiel ortodoxo, posso ser responsável por essas mortes?", diz um trecho da carta. Em outras partes, Kalashnikov reflete sobre a vida e sobre questões religiosas, como a origem do bem e do mal. "Quanto mais eu vivo, mais eu me pergunto sobre isso. Por que o Senhor permite ao homem os diabólicos desejos da inveja, ganância e agressão?".
Kalashnikov lutou na Segunda Guerra Mundial e, no setor de desenvolvimento de armas, criou o AK-47 aos 28 anos, inspirado nas armas alemãs. O objetivo era criar uma arma de fácil manutenção que pudesse ser utilizada pelo Exército Vermelho na guerra contra os nazistas. Pelo baixo custo e resistência a condições adversas, como água e areia, o rifle se tornou o mais utilizado no mundo. Estima-se que 100 milhões de AK-47 foram usados desde sua invenção.
É a primeira vez que questionamentos de  Kalashnikov vêm a público. Anteriormente, em entrevistas à imprensa russa, o inventor disse que não sentia remorso e que a culpa pelo uso da violência era da falta de habilidade de políticos em resolver os conflitos pela diplomacia. Durante toda sua vida, Kalashnikov não demonstrava um forte comportamento religioso. Na velhice, entretanto, passou a frequentar a Igreja Ortodoxa Russa.
Segundo o jornal Izvestia, o Patriarca respondeu a carta a Kalashnikov, tantando confortá-lo. De acordo com Alexander Volkov, porta-voz da Igreja Ortodoxa Russa, a carta dizia que a Igreja apoia o uso e invenção de armas quando elas são feitas para defender a pátria e as pessoas. "Kalashnikov inventou um rifle para defender o país, não para o uso de terroristas no Oriente Médio", disse.

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