EBoninoIPS2 265x300 Para um enfoque de gênero equilibrado
Emma Bonino
Roma, Itália, janeiro/2014 – Os últimos três anos foram muito importantes para reforçar o movimento pelos direitos e pelas liberdades fundamentais das mulheres e meninas, e, sobretudo, para eliminar a mutilação genital feminina em todo o mundo.
Vimos como crescia e culminava o impulso político em dezembro de 2012, com a aprovação por consenso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) da Resolução 67/146, que proíbe a mutilação genital feminina em todo o mundo.
Naquela ocasião, todos os Estados membros da ONU enviaram uma forte mensagem política sobre o compromisso assumido. A Resolução exorta os Estados membros a garantirem a aplicação efetiva dos instrumentos internacionais e regionais que protegem os direitos das mulheres e adotar todas as medidas necessárias para proibir a mutilação genital feminina.
A Resolução foi um importante passo adiante. Agora a responsabilidade de assegurar sua aplicação efetiva é nossa. O recente informe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) nos recorda que, apesar dos esforços para acabar com essa prática, ela persiste.
Por esta razão, durante a Assembleia Geral de 2013, foi organizado um evento paralelo, junto com Burkina Faso, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Unicef, para compartilhar as contribuições específicas que os governos e as instituições internacionais realizaram com os compromissos assumidos com a adoção da Resolução.
A mutilação genital é apenas uma das múltiplas formas de violência que as mulheres continuam sofrendo em todo o mundo. Citando apenas um exemplo, do meu próprio país, mais de cem mulheres foram assassinadas na Itália no ano passado, sobretudo no contexto da violência doméstica.
Para inverter esta tendência terrível, aumentamos a ação do governo contra os crimes que vitimam as mulheres. Também tenho muito orgulho de a Itália ter sido o quinto Estado membro do Conselho Europeu a ratificar o Convênio de Istambul para prevenir e combater a violência sexual e doméstica.
O mesmo aconteceu com a ratificação do Tratado de Comércio de Armas, que introduz os princípios e critérios para supervisionar o movimento das armas e para lutar contra seu tráfico. Esses acordos contêm uma disposição explícita sobre a violência baseada no gênero.
As mulheres são as primeiras vítimas desse tráfico. Isso também vai na direção de uma mudança geral da cultura que nos conduz para um enfoque de gênero equilibrado nos processos de construção da paz.
A violência de gênero também foi o denominador comum da discussão mantida durante a reunião de alto nível da Assembleia Geral, em setembro do ano passado, sobre a Equal Futures Partnership (Associação de Futuros Igualitários), iniciativa apresentada pela ex-secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, à qual a Itália acaba de aderir.
Essa é uma associação que vincula as nações a um compromisso firme para fechar a brecha de gênero e com o intercâmbio de experiências para que as práticas locais sejam replicadas em todo o mundo.
Uma forma menos evidente, mas, no entanto, prejudicial da violência contra as mulheres, é a prática de casamentos precoces e forçados. Devemos aproveitar cada oportunidade para recordar a importância da erradicação dessa prática no período de uma geração, e acelerar a mudança na cultura e nas tradições por meio de uma campanha vibrante e constante.
Por esse motivo também pedimos a inclusão desse objetivo na agenda de desenvolvimento posterior a 2015.
Um passo muito animador foi a aprovação, em novembro, pela Terceira Comissão da Assembleia Geral da ONU, de uma resolução destinada a obter a proibição, no prazo de 12 meses, dos casamentos forçados e precoces. Essa resolução, apresentada pela Itália e por mais nove países, foi patrocinada por 109 países e aprovada por consenso.
A violência contra as mulheres também inclui o tráfico e a escravidão. Esse é um tema particularmente doloroso para mim. É muito triste e frustrante se sentir importante quando centenas de migrantes, mulheres e homens, meninas e meninos, morrem tragicamente no litoral de Lampedusa, na Sicília. Por essa razão, insistimos em um esforço europeu conjunto no contexto do grupo de trabalho do Mediterrâneo dirigido pela Comissão Europeia para lutar contra o tráfico de pessoas.
Isso me leva a falar da situação das mulheres em nossos países vizinhos do sul do Mediterrâneo. Em alguns destes países, a promoção dos direitos das mulheres tem uma longa tradição.
Em outros casos, as questões de gênero foram promovidas pelos regimes autocráticos que acabaram derrubados pela Primavera Árabe, já que aquelas foram úteis para mostrar aos seus aliados do Ocidente um rosto moderno enquanto continuavam violando os direitos humanos.
Sejam quais forem as razões para sua promoção no passado, devemos continuar vigilantes para evitar qualquer contratempo, como as tentativas de deslegitimar o Código do Estatuto Pessoal (adotado em 1956) na Tunísia, ou de aplicar mal a lei que impõe sanções à mutilação feminina no Egito.
Por essa razão, devemos redobrar os esforços em iniciativas como a da União Europeia e da ONU, Spring Forward for Women (A Primavera Avança para as Mulheres), que inclui medidas para garantir o acesso efetivo das mulheres às oportunidades econômicas e políticas da região sul do Mediterrâneo.
No lado italiano, também gostaria de mencionar uma iniciativa que apresentamos com êxito em fevereiro de 2013, e que iremos repetir agora em 2014: a Escola de Mulheres na Diplomacia, que tem por objetivo dar às mulheres as ferramentas específicas para seu empoderamento como líderes. Está aberta à participação das mulheres jovens de nossos países vizinhos do Mediterrâneo.
A Escola de Mulheres na Diplomacia integra um projeto mais amplo que a Itália colocou em marcha para a Exposição de Milão 2015, a iniciativa Mulheres e Expo. Nosso ambicioso objetivo é fazer da Expo 2015 em Milão a primeira exposição de gênero da história, com a esperança de que sirva de exemplo para futuras edições. Envolverde/IPS
Emma Bonino é a ministra das Relações Exteriores da Itália.