segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Uma nova chance para os jovens

Na Ação Social Padre Paschoal Bianco, adolescentes que tiveram problemas com a Justiça aprendem a reconstruir a própria história

THAIS LAZZERI

"Vocês gostam de defender bandido.” Faz 11 anos que os pedagogos Célia Luiza Cavalcante, de 36 anos, e André dos Santos Girardo, de 35, trabalham com adolescentes que tiveram problemas com a Justiça. E o discurso que ouvem de vários setores da sociedade permanece o mesmo. Ajudar a recuperar esses jovens soma vários desafios. Eles começam na rejeição que esse tipo de assistência sofre dentro do próprio setor das entidades beneficentes. A ONG onde Célia e André trabalham é uma das poucas que superam os preconceitos e abrem as portas para os adolescentes.
MUDANÇAS Célia e André num  dos núcleos da Ação Social Padre Paschoal Bianco, em São Paulo.  Da sala de informática, saem currículos e inscrições para o Enem (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
MUDANÇAS
Célia e André num dos núcleos da Ação Social Padre Paschoal Bianco, 
em São Paulo. Da sala de informática, saem currículos e inscrições 
para o Enem (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Trata-se da Ação Social Padre Paschoal Bianco. Fundada em 1960, atende moradores das regiões de Vila Prudente e Parque São Rafael, Zona Sul de São Paulo. Dois núcleos da ONG prestam serviços a crianças de 6 a 15 anos, a maioria oriunda de famílias carentes, depois da escola. O terceiro núcleo, onde Célia e André trabalham, é o mais complexo: atende adolescentes de 12 a 18 anos (em alguns casos, até 21), encaminhados pelo juiz do Departamento de Execução da Infância e da Juventude.

Pouco mais de 1.000 metros separam os núcleos das crianças do centro para adolescentes. Há um abismo entre eles quando se trata de obter apoio da sociedade. No fim de dezembro, uma grande empresa patrocinou a festa de fim de ano dos núcleos infantis. A celebração do núcleo de adolescentes ficou sem patrocínio. A presidente executiva da Ação Social, Nilce de Oliveira Faes, diz que é difícil arcar com as contas. “Conseguimos com muitos bingos e bazares”, afirma Nilce. Descontando o valor de recursos humanos e encargos, o repasse direto a cada um dos 90 adolescentes por mês é de apenas R$ 60. “É pouco para o que precisamos fazer”, diz Célia, atual gerente da ONG.

O advogado Ariel de Castro Alves, especializado na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, reconhece as dificuldades e os preconceitos enfrentados pela equipe da Ação Social. “Algumas pessoas não conseguem perceber que esse jovem foi a primeira vítima de um ciclo de violência”, diz. Para Castro Alves, a explicação está no histórico de vida do adolescente. “Não raro, ele foi abandonado, sofreu abuso físico ou sexual e não teve apoio de uma família estruturada. Precisa se sentir acolhido e amparado para sair desse ciclo de violência e não cometer crimes”, afirma.

Em 2011, a equipe do núcleo fez uma pesquisa com os jovens. Dos 120 atendidos naquele ano, metade não tinha pai em casa. Mais de 30% faziam bicos para ajudar no orçamento doméstico. Do total, 63% abandonaram a escola e 42% admitiram usar drogas. “Ninguém tem uma família como no comercial de margarina”, afirma André. Entre os adolescentes pesquisados, 86% cometeram infrações de leves a médias, como furto e associação com o tráfico de drogas.

Projeto Generosidade (Foto: ÉPOCA)Alguns adolescentes chegam à Ação Social para fazer prestação de serviços à comunidade, que pode durar de um até seis meses. Outros chegam por estar em liberdade assistida, regime que exige acompanhamento de seis meses até três anos. O núcleo tem cinco especialistas – chamados de técnicos pela prefeitura – que lidam semanalmente com o jovem que cometeu infração. O técnico, em parceria com o adolescente, monta um plano individual de atendimento com metas, como ampliar o convívio social e familiar ou voltar à escola.

No momento de colocar o plano em prática, surgem questões que vão além dos muros da Ação Social. André narra o caso de um rapaz de 16 anos que parou de estudar no 5º ano e chegou para atendimento sem saber ler e escrever. Outro menino foi expulso de casa porque assumiu a homossexualidade para a família. Um terceiro garoto não queria voltar para a escola, porque a coordenação queria que ele frequentasse apenas uma sala reservada a adolescentes em liberdade assistida. Nesses casos, os técnicos da Ação Social visitam a casa e vão até a escola para negociar.

Mais que seguir um protocolo, eles ajudam o adolescente a refletir e a pensar além da realidade em que vivem. Em 2011, 67% dos atendidos não reincidiram na violência. “Se o jovem sentir que é amparado e acolhido pelo Estado, pela comunidade e pela família, ele retribuirá o que recebeu de bom”, afirma o advogado Ariel. Os resultados da Ação Social já viraram até tese de graduação e mestrado.

Agora, a equipe de Nilce e Célia quer realizar dois sonhos. O primeiro é contratar uma psicóloga para atender a todos os núcleos da Ação Social. A intervenção precoce, diz Célia, poderia mudar o rumo da vida das crianças e dos adolescentes. O segundo é montar um curso básico de mecânica para os adolescentes. É o pedido que mais aparece durante os atendimentos. Mais que uma fonte de renda, o curso profissionalizante daria ao jovem a chance de reconstruir sua vida e de ser protagonista de uma nova história. 

http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/01/buma-nova-chanceb-para-os-jovens.html

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