quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Homofobia? A culpa é sua que é viado e dá pinta - Revista Fórum | Revista Fórum

Matéria da Folha de S. Paulo sugere, por motivos de “segurança”,  que gays não sejam afeminados e não se beijem em espaços públicos para evitar ataques homofóbicos
Por Marcelo Hailer
Na rede, ativistas gays lançam campanha de boicote
 ao jornal paulista: “Evite a Folha, Evite a Homofobia”
Neste domingo, o jornal Folha de S. Paulopublicou uma reportagem sobre os recentes ataques homofóbicos na região da rua Augusta (SP), local onde há forte concentração de LGBT. Até aí, tudo bem. Mas a coisa complica com um box que acompanha a reportagem principal e dá dicas de “estratégias de segurança”, com recomendações como “- Andar sempre em grupos: ter amigos por perto pode intimidar agressores; – Evitar lugares abertos. Ir a locais fechados sempre que possível para aumentar a segurança; – Não dar pinta: alguns trejeitos podem atrair criminosos; – Evitar andar de mãos dadas e dar beijos em locais públicos”.

Ou seja, o “guia de segurança” do jornal paulista não passa de um “volte pro armário” disfarçado de “manual das boas intenções”. Quem anda minimamente pela Frei Caneca e região sabe que inúmero casais andam de mãos dadas, trocam beijos e dão muito pinta. O que é tranquilo e normal. Porém, quando um periódico de grande circulação dá amplo destaque para “evitar andar de mãos dadas”, fica a impressão de um desejo de livrar do espaço público o afeto entre iguais. Por que, ao invés de pedir aos LGBT para dissimularem o que são, a publicação não centrou fogo na questão de segurança pública, educação sobre diversidade sexual nas escolas, políticas públicas? Pior, o jornal joga o ônus da violência homofóbica nas vítimas dos crimes de ódios.

Logo, se você é gay, afeminada a culpa é sua se for vítima de um ataque homofóbico. Em com a Fórum, a socióloga e pesquisadora de estudos feministas pela PUC, Carla Cristina Garcia, disse que é “absurdo em plena época de recrudescimento do conservadorismo no Brasil um jornal de grande circulação publicar um texto desse”. Segundo Garcia, a lógica da matéria é a mesma para as mulheres vítimas de abuso sexual. “É igualzinho se proteger contra o estupro: não saia sozinha, não saia com pouca roupa. Já com os gays eles têm que ser macho, não podem dar pinta”, critica a socióloga.

O filósofo Giorgio Agamben aponta que a modernidade vive sob o “paradigma do campo de concentração”, os espaços são organizados como guetos e destinados a certos tipos e isso não pode ser violado. O espaço público tem orientação sexual, classe e cor, e são destinados a receber tais corpos: sujeitos periféricos não podem ir ao shopping, mulheres não podem frequentar campos de futebol, e as bichas, agora, nem nos guetos podem ficar, devem ficar em locais fechados, escondidas, assim, quem sabe, a homofobia desaparece… E público LGBT também. O espaço público como conhecemos é e sempre foi construído a partir da divisão de gênero (masculino X feminino) e com base em uma única orientação sexual (heterossexual), o resto são expressões demoníacas que perturbam a via pública.

O texto do jornal deixa claro (e agora mais do que nunca) um viés ideológico tipicamente liberal e conservador: sim, você pode ser homossexual, mas não pode parecer como tal. E, ao fim e ao cabo, as dicas da publicação são completamente coerentes com seu histórico do publicação que, sob a premissa da “liberdade de opinião” e de ser um “espaço plural” já publicou inúmeros textos do pastor Silas Malafaia, declaradamente homofóbico. O que está em jogo também é uma disputa de sociedade: de um lado branca, heterossexual e burguesa; do outro, liberta, mestiça e livre das classificações e da sociedade de controle.

“Num momento em que os movimentos sociais do mundo inteiro pedem para as pessoas saírem do armário, vem o jornal Folha de São Paulo e manda todo mundo voltar pro armário?”, indigna-se Garcia. Outro ponto que a professora toca diz respeito ao espaço público e a quem ele de fato pertence. “A rua pertence ao macho”, afirma a professora. Esta lógica é comprovada quando pensamos na maneira como as mulheres são assediadas no espaço público e, agora, constatamos que as bichas afeminadas também não podem estar nele, pois é melhor evitar “locais abertos”, privilegiando os espaços fechados. Esconda-se.

Se você apanhou, a culpa é sua, que é viado e ainda por cima dá pinta na rua. Não pode, tem que ser macho e se adequar ao modelo heteronormativo. Isso não está escrito, mas é o que se lê nas entrelinhas de quando o jornal diz “evite dar pinta” e por favor, seja másculo e não nos envergonhe. Então, o que fazer com as travestis e transexuais? E as meninas que não seguem os padrões normativos de feminilidade? A pobreza conceitual do texto é tamanha que, ao invés de propor e ou provocar um debate sobre os vários tipos de existência corporal e coexistência, pede-se aos sujeitos sexodiversos que desapareçam do espaço público e o deixem limpinho e homogêneo, assim como pensavam os eugenistas do século XIX.

Num momento em que até a novela (produto conservador) da Rede Globo resolveu dar um passo para fora do armário com duas bichas pintosas (Felix e Niko) e com o beijo entre as personagens que obteve uma forte aceitação popular, o jornal resolve dar inúmeros passos pra trás. Obviamente que as “estratégias de segurança” causaram revolta e nas redes uma campanha foi criada. Mas, a pergunta que não quer calar: a serviço do que este texto, que manda bichas não serem afeminadas e não se beijarem nas ruas, foi publicado? A quem serve retirar o público LGBT do espaço público?

http://revistaforum.com.br/blog/2014/02/homofobia-a-culpa-e-sua-que-e-viado-e-da-pinta/

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