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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O feminismo de hoje

Por Olga

A revista ELLE deste mês é centrada no girl power. Participei da edição com uma matéria que se propõe a debater o feminismo contemporâneo. Para elaborar o texto, conversei com Bárbara Castro, socióloga e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e especialista em discussões sobre trabalho e gênero.

Durante a entrevista, ela me deu um belo olhar sobre o movimento nos dias de hoje, como ele é percebido por mulheres e homens e até mesmo se podemos chamá-lo de “novo feminismo”. Como não coube nosso longo papo no texto da ELLE, decidi postar toda reflexão da Bárbara aqui. Veja abaixo:

Sempre fico um pouco na dúvida sobre se podemos chamar o que acontece hoje de novo feminismo. E penso isso porque entendo que são basicamente as mesmas ideias que vêm pautando o movimento desde os tempos da Simone de Beauvoir. Aí poderiam dizer “mas, poxa, como assim são as mesmas ideias se passaram tantos anos e tantas conquistas foram feitas?”. O que eu responderia é que não é ruim dizer que, na essência, as ideias são as mesmas.

Acho, inclusive, que ajuda a organizar as ideias e a entender que, mais do que um sinal de que nada mudou, é um indicativo de que ainda há muito pelo que lutar. Com exemplos, acho que fica mais claro: as mulheres conseguiram o direito ao voto e ampliaram sua participação no mercado de trabalho, mas ainda há uma participação mínima das mulheres na vida política institucional, no Brasil, e uma imensa desigualdade salarial entre homens e mulheres que ocupam a mesma função no trabalho.

Construímos a Lei Maria da Penha e as Delegacias Especiais de Mulheres há pouco tempo, mas as mulheres continuam sendo agredidas diariamente nas ruas e nas suas casas. Muita coisa mudou e foi conquistada, mas o que ainda permanece no senso comum é a ideia de que os gêneros feminino e masculino – ou seja, a maneira pela qual homens e mulheres se comportam, se vestem e fazem suas escolhas na vida – são predeterminados pelo sexo biológico. É isso o que permite a persistência das desigualdades, que cria hierarquias de gênero e as defende como algo natural, que vem do sexo biológico e que, portanto, não pode ser modificado.

O papel do feminismo, de uma maneira geral, foi sempre o de negar essa ideia da natureza determinando o comportamento e as capacidades das mulheres. Foi sempre o de dizer que a ideia de feminino é algo socialmente construído. E essa é uma ideia poderosa, porque, se é socialmente construída, pode ser modificada.

Se essa ideia é a que persiste, sua difusão é justamente a que permite o feminismo ser tratado da maneira plural como ele é feita hoje. Não que não houvessem diversas correntes desde o seu início, mas a compreensão dessa ideia ajuda a gente a entender uma série de movimentos novos, como a marcha das vadias ou o Pussy Riot.

No caso da marcha, defende-se que a mulher possa usar as roupas que bem entender, e que isso não deve ser entendido como um chamado para os homens assediá-las. Além do controle sobre a sexualidade, ideia que a Simone de Beauvoir já defendia, vem a novidade de dizer que mostrar o corpo não deve ser tratado como objetificação da mulher, como algumas feministas mais tradicionais defenderiam.

Vestir-se como gostaríamos passa a ser tratado como uma escolha, como parte da liberdade de expressão da mulher. Mostrar o corpo e, no limite, prostituir-se, são ações que não podem mais ser tratadas como símbolo da dominação masculina sobre as mulheres. Podem e devem ser tratadas como escolhas (apesar de que não são todas as mulheres que fazem a escolha de vender seus corpos. Mas se há as que fazem, é preciso reconhecer essa capacidade de agência e respeitá-la).

O caso do Pussy Riot é ainda mais interessante porque traduz mais um traço do que leva a gente a chamar os movimentos feministas atuais de novos movimentos feministas: a incorporação de outras pautas na agenda de luta. Ou seja, além de lutar pelos direitos relativos às mulheres, os movimentos feministas estão se engajando em lutas políticas institucionais, como a campanha contra o presidente russo Vladimir Putin, nesse caso.

O sensacional dessa incorporação é o poder que a ação traduz: mulheres não lutam apenas por questões relativas às mulheres, mas por uma sociedade melhor. Digo que é sensacional porque ajuda a desconstruir a imagem errada de que os homens estariam excluídos da pauta de luta das feministas. E digo que está errada porque o machismo e essa obrigatoriedade de vivenciar os gêneros segundo um padrão pré-definido também causa enorme sofrimento aos homens, pois aqueles que não pautam sua masculinidade por essas ideias também sofrem violência (simbólica ou não) de outros homens.

Acho que isso ajuda a responder sua pergunta de por que o feminismo parece estar ganhando tanta força hoje. Além da aceitação da ideia de que homens e mulheres devem ser tratados de maneira igual e ter acesso às mesmas oportunidades, há uma maior aceitação de que os gêneros podem ser exercidos pelos homens e mulheres da maneira que eles bem entenderem. Ou seja, uma mulher pode ser feminista e gostar de moda, de se vestir de maneira provocativa, de vender seu corpo, de escolher sair do trabalho para cuidar dos filhos porque se realiza dessa maneira (desde que seja uma escolha efetiva, claro).

Ao mesmo tempo, um homem pode gostar de decoração, de cuidar da casa, e de também escolher sair do trabalho para cuidar dos filhos (daí o sonho de conquistarmos, no Brasil, a licença paternidade como ela existe em outros países), sendo heterossexual ou não. Enfim, acho que o faz as ideias feministas estarem ganhando mais espaço é justamente a superação de estereótipos do que é uma feminista e de como ela deve se vestir, se comportar etc.

Assim como o gênero é socialmente construído – o que quer dizer que as práticas sociais vão modificando o seu significado aos poucos – o feminismo também é resultado de práticas sociais. E é por isso que ele sempre se renova, sempre incorpora ideias novas. E o feminismo continua sendo importante para as mulheres porque ainda há muita coisa a ser conquistada (como já citei: igualdade de oportunidades no mercado de trabalho – ainda é muito comum ouvir que mulheres não servem para o perfil de trabalho que envolve viagem porque elas têm que cuidar da família, por ex.; igualdade salarial para pessoas que ocupam as mesmas funções; reconhecimento do exercício da livre sexualidade sem julgamentos morais; o direito ao aborto; etc.).

Acho que o mais interessante, hoje, é ver que além de incorporar novas ideias, há feminismo atuante fora de movimentos organizados: existem muitas mulheres, como eu ou como você que são o que costumo chamar de militantes do cotidiano, porque a gente faz a nossa luta no dia-a-dia, conversando, convencendo, divulgando ou reagindo ao assédio das ruas. Por isso que, apesar de contraditórias, acho que temos mulheres muito importantes pra divulgar algumas das ideias fundamentais do feminismo.

A Valesca Popozuda sobe no palco pra dizer que as mulheres têm direito a ter prazer sexual, apesar de muita gente dizer que ela depõe contra a conquista das mulheres porque obedece a um padrão de beleza (e até leva isso ao extremo, como quando colocou as próteses de silicone na bunda).

A Lena Dunham faz a mesma coisa de uma maneira mais leve com Girls, e mostra como até essa ideia de uma mulher sexualmente emancipada, com muitos parceiros e sem construção de laços emocionais, pode ser opressiva às vezes. Acho o seriado cheio de ideias boas por isso: mostra as contradições daquilo que se convencionou ser subversivo e daquilo que quer ser vivido. É um conflito das mulheres da nossa geração: posso casar sem parecer que estou em uma relação machista? Posso fazer um jantar surpresa pro namorado sem parecer que sou submissa na relação? Quem nunca teve esses conflitos antes de parar, pensar e garantir que apesar de o machismo existir, ele não necessariamente está presente na sua relação porque nem você nem seu parceiro são assim?

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