quarta-feira, 5 de março de 2014

São Valentim: rosas e espinhos



Esther Vivas
Adital

O amor converteu-se em objeto de marketing. São Valentim é o melhor exemplo, no dia dos namorados. Tudo vale para fazer negócio e pôr preço ao que sentimos. Uma rosa vermelha é a sublime expressão desse amor, convertido em mercadoria. Milhões de rosas são comercializadas no dia de São Valentim. Mas, de onde chegam? Como foram cultivadas? Por quem? A maior parte vem de Quénia, Etiópia, Colômbia e Equador, os maiores exportadores para a União Europeia. A sua origem pouco tem que ver com a imagem idílica que procuram representar. A precariedade laboral, as más condições de saúde dos seus trabalhadores, o impacto no meio ambiente é o que escondem.

As mulheres são a principal força de trabalho nestas "maquilas” do Sul global. Mulheres que não recebem rosas mas que as produzem, de sol a sol, por salários de miséria e em condições laborais extremamente precárias. Nas plantações da África de leste e da Colômbia, calcula-se que podem chegar a trabalhar até 15 horas por dia para cobrir os exigentes pedidos dos clientes, segundo o relatório Amargo florescer de War on Want. Na Colômbia, representam 65% da mão de obra, a maioria migrantes rurais, e no Quénia 75%. Os seus salários são de miséria. No Quénia, a retribuição é de 33 euros por mês, e não dá para cobrir necessidades tão básicas como alimentação, habitação, transporte. Com frequência, são obrigadas a trabalhar horas extras sem remuneração, se recusarem perdem o emprego. A temporalidade é a moeda de troca.

A presença de sindicatos independentes é quase inexistente. As condições laborais precárias dificultam a organização sindical e aqueles que tentam fazê-la acabam por ser ameaçados e assediados pela empresa. Na Colômbia, segundo a War on Want, calcula-se que menos de 5% dos trabalhadores faz parte de um sindicato; no Quénia, o número oscila entre 16 e 17%; e na Etiópia é igual a zero. As empresas de flores, além disso, têm um longo currículo de perseguição sindical e de criação de sindicatos patronais.

A saúde dos trabalhadores, e em especial a das mulheres, vê-se fortemente prejudicada pelo uso sistemático de agrotóxicos. Alergias, irritações da pele, dores de cabeça, problemas respiratórios, desmaios são algumas das consequências. Apesar da Organização Mundial da Saúde advertir para a necessidade de um intervalo de 24 horas entre a aplicação de pesticidas e a entrada na estufa, estas precauções não são cumpridas. Calcula-se, segundo a War on Want, que quem lá trabalha está exposto a um total de 127 pesticidas diferentes, 20% dos quais proibidos nos Estados Unidos por serem considerados cancerígenos. Além disso, segundo o Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, as mulheres que trabalham nestas estufas sofrem da maior parte dos abortos, partos prematuros e malformações congénitas que se dão no país.

Capítulo aparte merece o impacto no meio ambiente. A cultura de flores precisa de grandes quantidades de água, o que gera uma forte concorrência entre o "consumo” de água para as flores e para as pessoas ou para outras terras de cultivo. Deste modo, regiões como Sabana de Bogotá na Colômbia, onde se concentra a indústria da floricultura, sofrem graves problemas de abastecimento de água, e esta tem que ser importada de outras regiões. O mesmo acontece em diferentes países exportadores de flores. Além disso, a falta de alternância de culturas impede a regeneração do solo e esgota-o e o uso indiscriminado de pesticidas contamina a terra e a água. Isto sem contar com o impacto da viagem das flores, ao longo de milhares de quilómetros até chegarem às nossas casas.

A concorrência com a agricultura é outra das consequências desta produção. Na Colômbia, como refere o relatório As raízes das flores da campanha Não comas o mundo, nas regiões onde hoje se cultivam cravos, rosas, crisântemos e dálias, antes plantava-se trigo, cevada, milho, batata e hortaliças. Atualmente, a monocultura da flor ocupa extensas áreas à custa da segurança alimentar das pessoas, do aumento do preço de produtos básicos e da expulsão de camponeses das suas terras.

Umas rosas que perpetuam aqui um arquétipo de amor romântico baseado na sujeição da mulher ao homem. As flores de São Valentim, para além do marketing, expressam a subordinação de um sexo ao outro e impõem um amor formatado e heteropatriarcal. Estas rosas escondem não só a dor de quem é explorado, a muitos quilómetros de onde são vendidas, mas também de quem cegamente, como cupido, acredita num ideal impossível gerador de dor, amargura e dependência.

As rosas de São Valentim prometem-nos amor, mas ocultam afiados espinhos.

*Artigo publicado em Publico.es a 14/02/2014. Trad. Português: Esquerda.net.

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