Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Troque suas folhas, mantenha suas raízes.

Por Claudia Penteado

Na 'Visita de Domingo', Claudia conta por que decidiu fazer uma coisa totalmente nova a cada mês. Por uma vida mais criativa, com seus riscos e encantamento

"Com o Bonsai, percebi que o que mais desejo agora é cuidar de meu jardim, da minha casa e das pessoas importantes na minha vida" (Foto: Arquivo pessoal)
"Com o Bonsai, percebi que o que mais desejo agora é cuidar de meu jardim, da minha casa e das pessoas importantes na minha vida. Há na arte do Bonsai algo de divino." (Foto: Arquivo pessoal)


O título desse post é um pensamento de Victor Hugo, que traduz o meu primeiro desafio do ano: "Troque suas folhas, mantenha suas raízes". 2014 chegou de supetão com sua onda de calor e sequidão, realçando a pilha crescente de livros por ler, filmes por assistir,  viagens por fazer, projetos por desengavetar. É o ano do cavalo - que para os chineses representa movimento, comunicação e o poder que o homem tem de transformar a sua realidade. Foi esse o ano que escolhi para realizar algo planejado, quem diria, ainda em 2013 (no finalzinho, vai). 
A decisão foi a seguinte: fazer pelo menos uma coisa inteiramente nova a cada mês. Sem nenhuma pretensão de escalar o Everest, praticar wing walking ou base jump. É simples como abrir uma janela. A ideia é fazer algo pela primeira vez, desde que enriqueça a rotina, estimule novas conexões, oxigene o cérebro e a aqueça a alma. Essencialmente, que sirva para tornar a minha vida mais criativa.
O escritor George Bernard Shaw disse uma vez que a criatividade desperta a inveja dos deuses, e por isso requer coragem. Gosto muito dessa ideia de uma batalha ativa com os deuses. Lá fui eu, portanto, enfrentá-los.
A jornada começou num domingo de manhã, junto à brisa fresca das praias oceânicas de Niterói, em um paraíso chamado Aido Bonsai. Lá, o amigo Paulo Netto concordou em me iniciar na arte do Bonsai. Mas por que o Bonsai?
Há vários motivos, claro, e um deles foi o desejo de me arrancar de casa e me aproximar da natureza, sujar as mãos de terra. Outro foi a curiosidade, desde pequena, em torno daquelas árvores em miniatura,  perfeitas e imperfeitas ao mesmo tempo. A curiosidade é o desejo de mudança, que nos move na direção do novo.
De repente, lá estava eu, as mãos na terra, cavando a raiz de uma Eugenia Sprengelli, preparando-a para ser replantada e aos poucos transformar-se em um Bonsai. Juntas, ali, eu e ela, iniciamos uma nova etapa em nossas vidas.
Há no Bonsai algo de divino. Dizem que cada miniatura reúne toda a magia da qual as árvores são dotadas. Não há como duvidar da potência dessa união encantadora entre arte e natureza, duas coisas capazes de elevar o espírito - até dos ateus.  
A primeira coisa que se aprende na arte do Bonsai é que é preciso paciência. Sem ela, nada feito. Paulo conta que ficou mais calmo e meticuloso depois de tornar-se bonsaísta e especialista também na arte do Peijing - uma arte próxima ao bonsai, sem vasos, que cria minipaisagens em superfícies lisas ou pedras. É o exercício da espera que explica as muitas miniaturas de árvores com seus troncos grossos e mais de 300 anos de idade, passadas de geração para geração.
Cuidar de um Bonsai é um trabalho manual, delicado, de escolhas importantes, dia após dia. Os pequenos e frágeis galhos sempre poderão ser mudados de direção - para o bem e para o mal, pois podemos perdê-los por descuido.
O sociólogo Richard Sennett compara o ato de "moldar" e administrar as resistências dos materiais  às resistências e idiossincrasias das relações humanas. Segundo ele, o trabalho manual ensina a lidar com as resistências sem lutar contra elas, e sim tentando entendê-las. É isso. 
Depois de muito falar sobre essa nova noção do tempo, sobre raízes, poda, estaca, sol, chuva, regas, devo dizer que ganhei vários presentes, naquele domingo, no jardim do Paulo Netto. Mas vou destacar três. O primeiro foi a iniciação nessa surpreendente arte em obra aberta, praticada em um ser vivo que respira, se alimenta, cresce e reage a cada escolha feita. Essa "obra" pode originar novas árvores, pode durar uma vida - ou várias.
Li em algum lugar que praticar o Bonsai ajuda a preservar o coração de criança. Depois de conhecer o Paulo Netto, só posso acreditar nisso.  Ele é um brincalhão capaz de contagiar a mais soturna das criaturas.  Este foi outro dos presentes que ganhei: avivar o olhar lúdico para o mundo, a capacidade de imaginar e de brincar, que costuma adormecer com o passar dos anos, mas é tão determinante para nos manter não apenas vivos - mas vivazes.
No filme "A grande beleza", de Paolo Sorrentino, há um trecho que me parece pertinente para falar do terceiro presente: diante do protagonista Jap Gambardella, escritor que sofre de bloqueio criativo, uma espécie de santa/freira diz que só se alimenta de raízes porque "as raízes são importantes". A dimensão simbólica dessa reflexão ajuda o escritor a buscar, a partir dali, suas próprias raízes, livrando-se do bloqueio e encontrando novo sentido para a sua vida.
O terceiro presente que ganhei, com as mãos enfiadas na terra, foi reencontrar as minhas próprias raízes, e renovar a vontade de cuidar delas com o mesmo apreço. Cuidar, sinônimo de curar, zelar, vigiar: é o que eu quero fazer pelo meu jardim, pelas pessoas importantes da minha vida, pela nossa cadelinha Flor, pela nossa casa, por mim.
O cuidado que demanda um Bonsai é o mesmo que se deve ter com as relações e o que nos cerca. Esse é um dos muitos paralelos valiosos entre essa prática milenar e a vida.
De coração quente, sigo no meu confronto mensal com os deuses. Mas daqui para frente, sem querer combatê-los, e sim aprender com eles. Como sou da turma do improviso – e jamais serei a pessoa mais organizada e metódica do mundo –, ainda não escolhi minha próxima aventura.  Mas volto aqui, mês que vem, para contar. Bom domingo!

perfil Claudia Penteado - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)


Nenhum comentário:

Postar um comentário