sábado, 7 de junho de 2014

Egito aprova lei que transforma assédio sexual em crime


99% das mulheres egípcias maiores de 18 anos já sofreram algum tipo de agressão, diz ONU
O presidente interino do Egito, Adly Mansur, aprovou um decreto que transforma assédio sexual em crime. A medida é uma resposta ao problema que se tornou uma epidemia no país. De acordo com dados da ONU, 99% das egípcias maiores de 18 anos foram vítimas de algum tipo de assédio durante a vida. As agressões ocorrem até mesmo à luz do dia e em locais movimentados como festas, parques e manifestações.
Flickr/Hossam el-Hamalawy/CC
Cairo é uma das cidades onde os atos de assédio sexual são mais frequentes

Para Soraya Bahgat, cofundadora do Tahrir Bodyguards (Tahir guarda-costas), grupo que atende mulheres vítimas de agressões sexuais durante protestos, a emenda é "um grande primeiro passo". Mas advertiu que ainda restam muitas áreas cinzentas, incluindo a incerteza sobre como as vítimas dos ataques em grupo – comuns na capital, Cairo, - podem recorrer à polícia.
A lei representa avanço por punir efetivamente os abusadores com multas e penas que vão de seis meses a cinco anos de prisão, dependendo da gravidade da abordagem e da reincidência, e responde a uma das principais críticas de ativistas do país quanto à falta de penalidade específica para este tipo de agressão. Apesar disso, organizações feministas consideram a medida insuficiente por não criar os mecanismos necessários para que ela seja aplicada.
Entre as deficiências, ativistas apontam a existência de uma série de exigências para a vítima provar que o delito existiu. De acordo com o texto, é necessário que haja várias testemunhas que não tenham nenhuma relação com a vítima, dispostas a atestar diante de um juiz que o fato realmente ocorreu.
Além disso, o governo também não criou mecanismos suficientes para aplicar a lei, em especial programas de formação da polícia. Segundo os informes, os agentes policiais são um dos coletivos mais propensos ao assédio sexual juntamente com estudantes e taxistas.
Difícil avanço
O presidente eleito do Egito, Abdel fatá Al Sisi, que tomará posse no próximo domingo (08/06), não tem uma posição favorável ao empoderamento feminino. Em 2011, quando integrava a Junta Militar, Al Sisi justificou publicamente a realização de provas de virgindade à força em várias ativistas detidas.
“A criminalização não basta. Para acabar com o assédio é preciso promover uma mudança de mentalidade profunda na sociedade. E não vejo que para o regime esta seja uma prioridade. De fato, o novo presidente mostrou uma atitude muito conservadora a respeito do papel da mulher”, afirmou Hala Mustafá, co-fundadora da ONG Shuftu taharrush (presenciei o assédio) ao El País.
Flickr/UN Women/CC
Ativistas têm realizado diversos atos de conscientização no Egito a respeito do tema

“O assédio tem um alto grau de aceitação social e, por isso, de impunidade. Para muitos, é uma espécie de demonstração de masculinidade”, afirmou Rasha Hassan, uma das pesquisadoras do CEDM (Centro Egípcio pelos Direitos das Mulheres). Ela acrescenta ainda que as poucas mulheres que denunciam o agressor raramente encontram apoio de seus conterrâneos.
Recentemente, o reitor da Universidade do Cairo, Gaber Náser, culpou uma estudante vítima de uma agressão sexual no campus por não se vestir de maneira adequada. “Nós não exigimos uniforme aqui, mas a roupa deve estar de acordo com as normas de nossa sociedade”, afirmou.
A culpa não é da vítima
Entidades feministas são unânimes em afirmar que em casos de abuso ou assédio sexual, a culpa não é da maneira como a vítima se veste ou age diante da sociedade. Um estudo realizado pelo CEDM confirma esta visão. De acordo com o levantamento, 72% das mulheres atacadas no Egito usavam o hiyab, ou véu islâmico. Nem mesmo as que usam o niqab, ou véu integral, estão livres deste tipo de ação.
Outro estudo, realizado pelo CEDM em parceria com a ONU, aponta que quase metade das egípcias sofrem algum tipo de assédio diariamente, número que sobe para 98% entre mulheres estrangeiras.
Uma ONG local chegou a criar um mapa com os locais mais perigosos para alertar as mulheres. De acordo com o harassmap, desde junho de 2013, 128 casos de assédios foram registrados na cidade do Cairo, contra 45 no restante do país.
Também em tom de denúncia, o filme “Cairo 670”, de 2011, retrata a luta de três mulheres contra o assédio diário nos lotados ônibus da capital Cairo. Na ficção, Fayza, cansada da situação a que está exposta, resolve fazer justiça com as próprias mãos. Nelly prefere acreditar na justiça e protagoniza uma denúncia inédita de assédio sexual contra seu agressor. O filme, embora anterior à nova lei, reflete um pouco a atual situação no país e a expectativa em torno da nova legislação.


http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/35579/egito+aprova+lei+que+transforma+assedio+sexual+em+crime.shtml

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