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terça-feira, 3 de junho de 2014

"Mau humor é mais contagioso do que gripe", diz especialista

Um antídoto eficaz é rir de si mesmo, afirma o besteirologista Dr. Zinho. Nesta entrevista, ele diz que excesso de gargalhadas não faz mal, porque não há nada mais triste do que criança doente

ISABEL CLEMENTE
Wellington Nogueira: fundador e coordenador geral dos Doutores da Alegria (Foto: Divulgação)
Wellington Nogueira: fundador e coordenador geral dos Doutores da Alegria. 

Ator graduado pela Academia Americana de Teatro Dramático e Musical 
de Nova Iorque, trabalhou em algumas das melhores companhias de teatro, 
cinema e circo do país. Integrou o elenco da Big Apple Circus Clown Care Unit, 
programa pioneiro em levar palhaços profissionais especialmente treinados 
para visitar crianças hospitalizadas. No Brasil, realiza diversas temporadas 
teatrais e participações em cinema e televisão. Empreendedor social reconhecido 
internacionalmente como fellowship da Ashoka e líder Avina Nordeste. 
Em 1991 fundou o programa Doutores da Alegria (Foto: Divulgação)
Submetida diariamente a uma enorme carga de besteiras praticadas pelas duas crianças da minha casa, tem hora que eu também esqueço de resgatar o bom humor do barco alegre que navegava antes de naufragar em meio às cobranças cotidianas. Vida de pai e mãe não é fácil. Vou poupá-los dos detalhes.

Para esclarecer dúvidas sobre contágio do mau humor, procedimento com crianças que perdem o fôlego rindo e saber de uma vez por todas se há sinal de bipolaridade na criança que para de chorar de repente para gargalhar, conversei longamente com um especialista.

Wellington Nogueira tem 53 anos, é casado, tem um filho e mora em São Paulo. Ele é um Besteirologista conhecido como Doutor Zinho. Especializou-se em Artes Cênicas e tornou-se palhaço por vocação. Em 1991, ele fundou a ONG Doutores da Alegria, uma equipe multidisciplinar com mestres em simpatias e "com fusões", gente que sempre achou a medicina legal e a doença chata. Visitam crianças em hospitais falando as maiores asneiras - os palhaços, não as crianças - em nome de um objetivo legítimo: fazer sorrir. E parece que os hospitais nem sempre têm remédio para isso.

Contaminados por boa vontade e amor ao próximo, eles conseguem autorização para circular junto a pacientes e seus familiares, mudando o clima refrigerado das instalações médicas para um ambiente caloroso onde gargalhadas costumam ser ouvidas entre um bip e outro dos equipamentos. Consta de seu currículo que ele nasceu em Nova Iorque como Calvin Klown, "consultor de moda para pessoas de bom gosto, mau gosto e sem gosto". No Brasil, mudou de nome e implantou a Besteirologia nos hospitais. Dr. Zinho também sabe descruzar palavras cruzadas. Adora bagunça. Ele pegou emprestada uma frase de uma besteirologista para explicar que "criança doente é um anjo torto", como os palhaços. Por isso essa relação dá tão certo.

A seguir, a entrevista feita por telefone sem fio, ele em São Paulo, e eu no Rio. Pode ser que você ache essa conversa meio biruta ou quem sabe inspiradora. Boa leitura.

Por que o senhor se especializou em Besteirologia?
Porque era a melhor disciplina que encontrei no curso de Medicina, uma área inexplorada e com tudo para ser descoberta. Nada mais curioso do que palhaço que adora meter o nariz onde não é chamado. Como a disciplina estava muito no começo ainda, era conveniente um curso de fim de semana. Eu só não sabia, quando comecei a estudar, que eu iria desvendar tanto conhecimento besteirológico nem que isso durava uma vida inteira.

Besteirologia é um campo em expansão?
Totalmente porque seriedade em excesso pode ser prejudicial à saúde. Estamos trabalhando para ser uma profissão de futuro e para cada vez mais jovens poderem falar "papai, mamãe, pensei bem na minha carreira e decidi estudar técnicas de palhaço para atuar na mídia mais fascinante que existe para um artista, a vida real. Assim eu posso transformar a vida das pessoas". O Brasil está bem adiantado nesse quesito. Não só pelo legado do Doutores da Alegria mas graças a 630 iniciativas inspiradas no Doutores que integram o Palhaços em Rede. Em vez de olhar essa galera como concorrente, a gente chamou esse pessoal para construir um mercado. Gratuitamente, a gente capacita e oferece programas específicos. A maioria dos grupos começa com voluntários movidos por boa vontade e amor. Mas muitos vão se profissionalizar. Tem histórias lindas pelo interior do Brasil de gente que voltou a estudar para gerir melhor o negócio. É um campo vasto e tem futuro.

É preciso estudar muito ou bagunçar mais? Que pessoas inspiram o senhor?
Precisamos encontrar o meio termo porque um complementa o outro. Estudar desenvolve o intelecto e bagunçar, a habilidade prática. Tenho muitas inspirações. A maior inspiração, que está em primeiro lugar, são as crianças que encontro nos hospitais. Há 23 anos atuo nisso e até hoje elas me surpreendem com sua sabedoria. Não sei como cabe tanta sabedoria em pessoas tão pequenas. Nunca mais vou me esquecer da menina que disse "olha só, esta noite choveu flor!", diante de flores caídas na calçada. Certa  vez, um menino de 7 anos elaborou a perda de uma perna assim: "eu fiquei muito bravo mas o médico conversou comigo e disse que eu vou ter uma prótese de plástico. Vou andar e fazer quase tudo que eu fazia com essa nova perna e, o mais legal, é que nem todo mundo vai ver. Já pensou se fosse a cabeça?". A hora que ele falou isso pra mim eu pensei "eu tenho muito o que aprender ainda". Mas os grandes palhaços que abriram caminho pra nós também são importantes inspirações, como o Carequinha, o Manoel da Nóbrega, o Ronald Golias, o Renato Aragão. São tantos.

Quantas gargalhadas o senhor receita para uma criança ficar boa de uma doença?
Gargalhada e alegria não têm contra-indicação mas pelo menos três vez ao dia, de manhã, de tarde e de noite.

O que fazer diante de uma criança que perde o fôlego rindo?
Para, respira, olha em volta, e continua rindo. Não precisa parar.

Por que pai e mãe ficam irritados com crianças que não param de rir na hora de dormir? Tem cura para isso?
Para os pais? Tem sim. A melhor maneira é fazer um concurso de gargalhada para ver quem faz a gargalhada mais silenciosa.

É fácil converter choro em riso ou precisa ser um especialista?
Boa pergunta. Tanto o choro quanto o riso são formas de expressar sentimentos e emoções. É importante entender o que é preciso na hora. Se a criança está à vontade para chorar, tem que acolher isso também. Mas do riso para o choro é incrível, é muito rápido. Não há grande intervalo. Não é bipolaridade infantil. Riso e choro estão mais próximos do que a gente imagina.

Que perguntas não podem faltar na anamnese de uma criança dodói, Dr. Zinho?
Do que você gosta de brincar?

Qual é a quantidade máxima de besteira que uma criança pode fazer por dia?
Tudo que couber em 24 horas.

Qual é a diferença entre bobeira, besteira e sapequice?
São primas de primeiro grau. Pertencem à mesma família. Onde começa uma termina outra.

Toda família deveria ter um Besteirologista de confiança?
Sim, o Conselho Regional de Besteirologia adverte tenha sempre um por perto.

Mau humor é doença contagiosa? Existe vacina contra?
É contagioso e se dissemina mais rápido do que gripe, infelizmente, por isso é importante ter um besteirologista por perto ou despertar o que existe em você. Na mala de um, certamente haverá um antídoto. E um bom antídoto é você respirar e tentar rir de si mesmo. Já conheci muita gente tão mal humorada que chegava a ser engraçada, não para elas mesmas, claro. É preciso ver como você fica ridículo quando escolhe o caminho do mau humor, uma maneira de não olhar pra si mesmo. É aí que começa a doença.

O senhor pode contar um episódio que tenha feito você rir?
O da cabeça de plástico me fez rir de me emocionar. Primeiro porque o menino com essa fala acalmou todo mundo à volta dele que estava pensando como ele enfrentaria a perda de uma perna. A sala inteira irrompeu numa gargalhada de alívio. Havia uma sensação de gratidão por ele ter falado aquilo, algo emanado diretamente do coração de um menino de 7 anos de idade. Eu nunca vou me esquecer desse moleque. Ele transformou o sentimento e o sofrimento com um discurso sincero.

E outro que tenha feito o senhor chorar?
Uma vez, vi uma criança chegar de um atropelamento muito debilitada. Ela ficou um mês e meio dentro do hospital, que era um pavilhão de ortopedia. Um dia, a mãe disse "que bom que você está tendo alta pra voltarmos pra nossa casa". A casa ficava embaixo de um viaduto, e a menina não queria ir embora porque no hospital ela comia cinco vezes por dia e ainda brincava. Mais do que me fazer chorar, me revoltou. Infelizmente, a gente vê histórias assim. E quando deparo com crianças que vão parar no hospital por um acidente doméstico que podia ter sido evitado. Tem muita criança que cai da laje empinando pipa ou brincando. Certa vez, vi esse menino forte, bonito, que ficou neurologicamente avariado pra sempre. Nunca mais seria normal por causa do golpe na cabeça. Por uma bobagem...esses casos me fizeram levantar essa bandeira pra alertar pais, mães e escolas sobre as possibilidades de acidente, porque às vezes é uma bobice que ceifa a vida de uma criança de forma irreversível. Isso sempre me entristece.

Tem coisa mais triste do que uma criança doente?
Não. Eu entendo mas até hoje não me conformo. Tenho um filho de 15 anos que me ensina todos os dias a me tornar um dinossauro mais devagar. Eu achava que entendia muito do universo infantil mas fui aprender quando tive o meu. Aí a coisa mudou. Nada como um filho para abrir camadas de compreensão na nossa consciência.

Que lições um doutor da Alegria ensina e aprende?
Que alegria não tem contraindicação e deve ser compartilhada indiscriminadamente. Que bobagem pouca é desgraça. Cultive a bobice à sua volta. Olhe para as crianças, elas são os grandes mestres. A gente tem esse olhar de fazer o certo, de educar e disciplinar, mas é muito bom aprender com o ponto de vista delas também. Lembra da coluna do Dr.Pedro Bloch na revista Manchete? Nunca esqueci frases que li ali. Uma dizia "o sonho fica dentro do meu travesseiro". Pura poesia. É preciso ficar mais esperto e se deixar encantar e inspirar pela visão delas, que muitas vezes trazem as soluções.

Doutores da Alegria ficam tristes? E aí, quem alegra eles?
A gente sempre fica triste quando perde uma criança. É um fato e dói. O que nos ajuda a ir em frente é compartilhar as histórias vividas com aquela criança. Temos círculos de besteirologia  para contar essas histórias porque, ao compartilhar a memória, damos um sentido ao que aconteceu e vemos a vida sob uma nova perspectiva. Uma vez eu ouvi algo muito lindo de uma ex-religiosa. Ela disse que evocar histórias de quem morreu é trazê-la de volta à vida.

Um palhaço fica sem graça? E quando ele perde o rebolado, consegue depois encontrar?
Se perder o rebolado e não encontrar, o próximo passo é a torta na cara.

Qual é a maior remuneração alcançada por um Besteirologista no Brasil?
São muitas somadas. São momentos incríveis de alegria, episódios que fazem você olhar para o seu parceiro profissional e dizer "cara, isso é trabalho!" porque não parece mas é. A outra remuneração é literalmente aquilo que a gente busca, a gargalhada das crianças e o que a gente aprende com elas. Isso não tem preço. A reação das crianças é outro pagamento porque elas sempre surpreendem. Acho que sou mais surpreendido por elas do que elas por mim porque não tem duas crianças iguais. Uma é espevitada, outra tímida. Um dos valores desse trabalho é saber que cada criança tem seu tempo. É importante ela não se sentir pressionada a rir mas ficar à vontade com o palhaço para desenhar o encontro que ela quer. Não é frustração estar diante de uma criança que custa a rir ou não sorri, nem deve se tornar uma ansiedade, porque alegria é algo que se desenvolve a dois.

Há especialistas nada sérios que recomendam bom humor como gênero de primeira necessidade na educação de uma criança. O senhor concorda?
Totalmente. O humor é um canal perfeito para construir a relação com seu filho. Tudo o que você rir com ele, ele não esquece jamais. Digo por experiência própria. Meu filho até hoje tem as melhores lembranças da gente rindo junto.

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