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domingo, 8 de junho de 2014

Taca cachaça que ela libera? Quem canta também pode refletir

(Divulgação)
(Divulgação)

Por Jarid Arraes,
maio 20, 2014

Na manhã de ontem, dia 19 de Maio, aconteceu em Fortaleza/CE o evento “Questão de Gosto se Discute SIM!”, organizado pelos alunos da disciplina de Ética do curso de Jornalismo na UNIFOR. Coordenado pela professora Sandra Helena Souza, o seminário teve a proposta de debater a representação feminina na música popular, em especial no Forró Eletrônico, que embora seja um gênero musical amplamente presente no nordeste do Brasil, já alcançou visibilidade em programas de televisão aberta e novelas do horário nobre.

É difícil negar que muitas letras de músicas populares tratam as mulheres de maneira pejorativa, montando uma representação objetificada, uma sexualidade passiva e um julgamento de caráter que se sustenta em princípios misóginos. Essas canções são comuns, fazem sucesso e refletem os valores distorcidos de nossa cultura. Ao mesmo tempo que exemplificam o que seus consumidores gostam de ouvir e cantar, essas composições também estimulam preferências e opiniões. Desse modo, cria-se e perpetua-se um ciclo vicioso em que a figura feminina não pode ir além do limite que o machismo impõe.

Todos esses pontos foram devidamente expostos pela professora Kalu Chaves e também por mim; no entanto, o evento poderia ter sido só mais um debate acadêmico, se não fosse pela presença de dois “astros” do forró – Tony Guerra e Taty Girl – que foram convidados para que trouxessem suas vivências e opiniões. Foi a partir deles que se deu a genuína reflexão.

Antes de chegar ao local do evento, eu tinha em mente uma missão muito bem delimitada: perguntar para Tony Guerra se ele sabia que uma das músicas tocadas por seu grupo, a “taca cachaça que ela libera”, é uma apologia ao estupro de vulnerável, um crime hediondo segundo o código penal.

Entre muitas afirmações feministas assertivas, apresentei o fato, e não pude deixar de me surpreender com o silêncio do público e as expressões faciais de incredulidade. Pelo que parecia, muitas pessoas ali nunca tinham parado para pensar que embebedar uma mulher (ou um homem) com o objetivo de “facilitar” o ato sexual é, na verdade, um crime. Pior, é um crime que nossa sociedade facilmente relaciona a “monstros” e “doentes”, estereótipos que passam longe da imagem construída para um cantor de forró.

A parte mais interessante, no entanto, não se deu pela reação da plateia, e sim pelo visível incômodo causado em Tony Guerra. O cantor mudou completamente sua feição e passou a afirmar em diversos momentos que jamais havia pensado sob aquela ótica e que se comprometia, a partir daquele momento, a nunca mais cantar essa música ou qualquer obra parecida. E foi além, dizendo que conversaria com outros colegas cantores de forró sobre o fato e pediria que também fizessem uma revisão de suas letras.

Ainda é cedo para afirmar que tais promessas serão colocadas em prática. Como ambos cantores afirmaram múltiplas vezes, há muita coisa que se faz só pelo dinheiro. O público quer essas músicas e os artistas querem o cachê. Nem sempre a ética vence os interesses econômicos. Não obstante, o registro precisa ser feito para que a provocação se mantenha firme. Afinal, Tony Guerra, você foi suficientemente impactado para que cumpra sua intenção de filtrar o que canta?

É fato que não existe debate onde todos concordam entre si e apenas dedicam suas falas para “complementar” o que os outros já disseram. Um debate se faz de pontos de vistas e lugares de fala distintos, até mesmo antagônicos, que após serem apresentados e defendidos, abrem o espaço para que todas as partes possam revisar suas convicções e deixar o ambiente com um pouco mais de conhecimento. Com isso dito, resta esperar que o evento tenha cumprido seu papel e gerado em todos os presentes o desconforto sadio que impulsiona mudanças.

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