Ana Pessoa, autora portuguesa de O Caderno Vermelho da Menina Karateca (Ed. Sesi-SP, resenha aqui), lançou recentemente seu segundo livro, Supergigante, pela Editora Planeta Tangerina. A obra, com ilustrações de Bernardo Carvalho, conta a história de Edgar, um adolescente que se vê em crise após a morte do avô. A perda gera tantos questionamentos que faz o garoto correr sem destino. Uma correria que parece não acabar nunca.
A jornada de Edgar é intensa e exige do leitor. O texto em primeira pessoa, em fluxo de consciência, foi construído com bastante esmero entre repetições, confusões e distorções cronológicas. A relação com o avô entra em xeque, assim como a relação com os amigos, com os pais e com um primeiro amor. Ou seja, nos campos mais importantes da vida, Edgar está em ebulição e uma explosão é iminente. Vive o presente entre a primeira morte e o primeiro beijo.
Supergigante traz um subtexto magnífico de temporalidade. Ana joga com a noção de presente, passado e futuro em paralelo com construções de identidade do personagem principal, que gosta de contar histórias começando pelo fim. O garoto tropeça entre viver o passado, entender o presente e escolher um futuro de acordo com a maneira que se enxerga e se posiciona no mundo. Com a palavra, o próprio Edgar:
“Não sei se estou a fugir de alguém ou se vou atrás de alguma coisa. É como se tivesse chegado atrasado à minha própria história e se calhar foi mesmo assim.”
Capturar essa essência tão intensa deve ter sido um trabalho árduo (e empolgante) para o ilustrador Bernardo Carvalho. As cores, as explosões, a correria e a realidade vista pelos olhos de Edgar tornam-se uma sequência de imagens entre a solidez de algumas lembranças e a incompreensão sobre o presente. O ritmo acelerado do texto ganha em frescor com a harmonia que as ilustrações proporcionam.
Supergigante me lembrou das leituras marcantes que fiz na adolescência, boas para cobrir conflitos internos com palavras. Algumas páginas entregaram mais compreensão do que meus amigos, pais e professores. Eram tempos pré-Harry Potter, então gostei de Retrato de um Artista Quando Jovem, de James Joyce, fiquei abismado com a violência de A Cidade e os Cachorros, de Vargas Llosa, e viajei com a obra toda do Garcia Márquez e do Guimarães Rosa. Foi bom.
Ao ler Supergigante, aconteceu uma identificação imediata entre Edgar e aquele meu eu adolescente que ficou no passado, que teria sido tão feliz com esse livro na mão. Assim como Edgar se transforma, posso imaginar Supergigante como um livro-agente transformador, que projeta um espelho para que adolescentes e adultos se enxerguem como são, ou como já foram, com todas as suas belas imperfeições. Que bonita a alegria da aceitação, de não estar só.
O livro, de 160 páginas, saiu em Portugal mas ainda não ganhou edição no Brasil. Ele pode ser comprado na página da Editora Planeta Tangerina. O preço é 14€ (cerca de R$ 43).
Ana Pessoa, lisboeta, nasceu em 1982, mora em Bruxelas. Você pode acompanhar mais do trabalho dela em seu blog pessoal: www.belgavista.blogspot.com.
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