sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Lições dos desenhos animados

Os bordões engraçados do cinema infantil nos ajudam a ser pais mais leves

ISABEL CLEMENTE

07/09/2014

Mais do que imagens elaboradas e efeitos especiais, o que mais me fascina nos desenhos animados do cinema são os diálogos. Criança adora repetir as tiradas que ouvem e, você sabe tão bem quanto eu, os adultos também. Frases inesquecíveis são incorporadas às conversas e tornam-se parte da crônica familiar. Empregadas na hora certa, não precisam ser explicadas. Dizem tudo por nós. Parte da graça de assistir a um filme ao lado do filho é essa conivência futura que garantirá o uso indiscriminado de bordões inesquecíveis. Mas só entende quem viu. Abaixo uma lista das minhas preferidas:
Cena do filme "Procurando Nemo". (Finding Nemo, EUA, 2003). Dirigido por Andrew Stanton e Lee Unkrich. (Foto: Divulgação)

"Continue a nadar, continue a nadar..."Dori, em Procurando Nemo
Quem nunca repetiu como um mantra filosófico o "continue a nadar" de Dori, a peixinha biruta e companheira do pai do Nemo na busca pelo filho? O bom é que você pode substituir nadar por treinar, estudar, cantar, falar. O gosto é do freguês.
Cena do filme Madagascar 2 (Madagascar: Escape 2 África, EUA, 2008). Direção Eric Darnell e Tom McGrath. (Foto: Divulgação)
"O que é uma simples mordida nas nádegas entre amigos?" 
Rei Julius, em Madagascar
O rei dos lêmures na ilha de Madasgacar é campeão das tiradas mais usadas na minha casa. O personagem é impagável. Encarregado de convencer seus súditos de que Alex, o leão, é a principal arma que eles têm para enfrentar as fossas, seus predadores naturais, Julius precisa acreditar que Alex não é carnívoro e não irá, portanto, devorá-los. Num surto provocado por fome, no entanto, Alex morde o bumbum de Martin, a zebra, até então seu melhor amigo. Julius tenta amenizar o clima tenso dizendo "o que é uma simples mordida nas nádegas entre amigos?".
Essa frase você pode sacar da manga quando seus filhos caírem no tapa, digo, quando os filhos dos outros, porque os seus não fazem isso, eu sei. A frase também serve para desviar o foco de alguma situação tensa entre adultos. Tem hora que se a gente levar tudo a sério, aí é que a desavença vira briga.
"Eu tive a ideia, eu tive a ideia, eu, eu!!"
Rei Julius
Julius é muito carente, precisa ser adorado e reconhecido como bonito e genial o tempo todo, afinal, é rei, só não é leão. Quando lança um plano, trata de enfatizar sua participação: eu tive a ideia, eu tive a ideia, eu, eu!
Essa frase eu já usei para encerrar disputas de criança. Elas são capazes de discutir por causa de assuntos graves - como o lugar no carro, no sofá e na mesa, a posse de brinquedos - e, claro, também pela autoria de uma ideia. Se houver muita polêmica sobre quem sugeriu a brincadeira que todos gostaram, diz logo que a ideia foi sua. Mas tem que imitar o Julius!
P.S: Só não faça isso na rua caso seu filho esteja crescidinho porque parece que a literatura médica registrou casos de crianças mortas de vergonha por aí.
"Pode apreciar todo meu esplendor!"
Rei Julius em Madagascar
É a última do Julius que vou citar. Você pode recorrer a ela quando quiser que a família repare na sua roupa nova ou no seu corte de cabelo.
"A natureza está me cercando!"
Mellman, a girafa, em Madagascar
Mellman é hipocondríaco e urbano demais. Acostumado ao conforto do zoológico, Mellman ficou traumatizado na selva e deixou isso bem claro com essa constatação: "A natureza está me cercando". Mellman diz isso com folhas agarradas ao pescoço e em pânico.
Já recorri à frase mais de uma vez em caminhadas selvagens com a família. Por selvagem entenda uma trilha de cinco minutos até a cachoeira. Você também pode recorrer a essa tirada quando sua filha correr de uma borboleta ou caso seu bebê dê um ataque ao pisar na areia pela primeira vez. Adapte-a: "A natureza te cercou, não foi filho?"
Enrolados (Foto: Divulgação)
"Eu não vou voltar nunca mais!"
Rapunzel em Enrolados
Quando a princesa enclausurada foge da torre num ato inédito de desobediência, ela pisa no chão prometendo para si mesma voltar logo para casa. Daí corre, canta, dança, pula, se encharca de liberdade. Ela está tão feliz que muda de ideia: "Eu não vou voltar nunca mais!" e a expressão em seus grandes olhos animados confirma a intenção.
A primeira a usar esta frase na minha família foi a caçula, aos 3 anos. Tínhamos acabado de nos mudar de Brasília para o Rio e fomos à praia. O tempo estava nublado, ventava bastante, mas a menina corria animada atrás da irmã areia afora, como se fosse a primeira vez. Até que ela abriu os braços e gritou "eu não vou voltar nunca mais!" Percebemos ali que ela se despedia de  Brasília onde nasceu e adotava o Rio como seu.
P.S: Já ouvi falar de mulheres que usaram essa frase para gerar pânico em casa quando viajavam a trabalho sem marido e filhos mas, diferentemente da Rapunzel, mudaram de ideia porque amam suas torres.
Era do Gelo 3 (Foto: Divulgação)
"Qué pasa, amigos?"
Sid, a preguiça, em A era do gelo
Sou fã do Sid. Minhas filhas também. As falas dele são quase sempre engraçadas. Sid é tão inocente quanto uma criança e, mesmo sendo macho, tem um instinto maternal comovente. Em alguma sequência da trilogia A era do gelo, ele adota três ovos de dinossauros. A frase em espanhol é dita por ele assim mesmo, na versão dublada e na original, para saber o que está acontecendo. Aliás, ele parece não captar nada de primeira, de tão distraído que é. Você pode usar essa frase para, de novo, apartar brigas de crianças, anunciar que chegou em casa e interromper o falatório no quarto infantil quando todos deveriam estar dormindo. "Qué pasa, amigos".
O rei leão (Foto: Divulgação)
"Os seus problemas você deve esquecer, isso é viver"
Timão e Pumba, em O rei leão
A frase pertence à música entoada por Timão e Pumba quando encontram Simba, o filhote órfão de O Rei Leão. É o lema da animada dupla formada pelo javali e um suricato. Essa música é uma injeção de coragem e a tirada em destaque é a tradução da expressão "hakuna matata", usada em países da África oriental. Por causa de O rei leão, a música virou o hino de uma geração. Se você não conhece, ouça e cante junto com seu filho. Sei de gente bem crescidinha que cantou aos berros dentro do carro durante prova da autoescola. Deu certo. Superou os medos e foi aprovada.
"Livre estou! Livre estou!"
Elsa em Frozen
Da geração mais recente de filmes de animação, a música tema de Frozen é cantada por dez em cada dez meninas que assistiram à história das irmãs criadas no gelo. Elsa, dotada de um poder especial para criar gelo, cresce tentando abafar a magia que, descontrolada, pode matar. Ao fugir do reino e das responsabilidades de ser rainha, Elsa passa por uma verdadeira catarse. Impossível não se contagiar com o refrão "livre estou!".  A frase vem sendo largamente usada por crianças e adultos. Soube de marmanjo pedindo demissão e comemorando assim logo depois. Use sem moderação.
Encantada (Foto: Divulgação)
"Eu estou ficando...zangada!" 
Giselle, em Encantada
Hors concours lá de casa é Encantada. O filme, que mistura cenas de animação com filmagens reais, narra a história de Giselle, a princesa expulsa do conto de fadas pela bruxa má que vai parar em Nova York. Giselle tem todos os cacoetes das princesas boazinhas: voz doce, gestos delicados, vestido bufante, inocência pueril e uma fé inabalável no "felizes para sempre". Ela também pode contar com a ajuda de animaizinhos quando precisa arrumar a casa. Em Nova York, pombos, ratazanas e baratas acodem em seu socorro. Giselle nunca se irrita. É incapaz de fazer cara de brava ou de reclamar de alguma coisa. Ou era. Uma vez inserida no mundo real, ela começa a perceber que as relações humanas são muito mais complexas do que imaginava, e isso pressupõe alguma irritação também. A cena em que ela se dá conta disso é impagável. Com expressão de quem procura a palavra certa para expressar o novo sentimento, a princesa lembra do nome do anão de Branca de Neve e conclui, triunfante e com um sorriso de espanto no rosto: "Eu estou ficando...zangada!" E desata a rir, repetindo para quem está em volta: "Eu estou zangada!!" Está, mas não parece.
Tentei aplicar a técnica lá em casa. Como se nunca tivesse ficado irritada antes, disse com um sorriso forçado no rosto "estou zangada! Olha que coisa: estou zan-ga-da!"A criança mais velha logo sacou a ironia. A mais nova ficou em dúvida no início, mas depois embarcou na brincadeira, o que transformou um sorriso artificial numa gargalhada espontânea e ajudou a tirar de cena o motivo inicial da minha irritação, abortada a tempo.
Como toda piada, não pode ser usada repetidas vezes sob risco de perder o impacto. Para surtir efeito, temos que renovar com frequência nosso acervo pessoal de bobeiras e frases de efeito. Sorte nossa que, entra ano sai ano, tem sempre novos filmes infantis e diálogos inesquecíveis para nos inspirar.

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