segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Indianos criam super-heroína dos quadrinhos que foi vítima de estupro

Priya's Shakti, a heroína dos quadrinhos na Índia (foto: Divulgação)
Cineasta criou heroína depois de ter contato com protestos contra a violência sexual na Índia

Geeta Pandey
Há 10 minutos

Um novo livro de quadrinhos que tem como superheroína uma vítima de estupro foi lançado na Índia para chamar a atenção sobre o problema da violência sexual no país.
Priya’s Shakti, inspirado por histórias motológicas hindus, conta a história de Priya, uma jovem que sobreviveu ao ataque de uma gangue de estupradores, e da deusa Parvati. As duas lutam juntas contra os crimes de gênero na Índia.
O cineasta indiano-americano Ram Devineni, um dos criadores da obra, disse à BBC que teve a ideia de fazer a história em quadrinhos em 2012, quando uma onda de protestos se espalhou plea Índia após o estupro e o assassinato brutal de uma estudante de 23 anos em um ônibus de Nova Déli.
"Eu estava em Déli quando os protestos começaram e me envolvi em alguns deles. Eu conversei com um policial e ele disse uma coisa que me surpreendeu. Disse que garotas sérias não andam sozinhas à noite", afirmou Devineni.
"A ideia começou desse jeito. Eu percebi que o estupro e a violência sexual na Índia era cultural e que se sustentava pelo patriarcalismo, misogenia e percepção popular".


Quadrinhos de Priya Shakti (foto: Divulgação)
Projeto de livro em quadrinhos quer mudar mentalidade da população sobre violência sexual
Heroína Priya Shakti (foto: Divulgação)
Heronína é expulsa de casa por familiares ao revelar que foi vítima de estupro

Na sociedade indiana, muitas vezes é a vítima do estupro - e não o agressor - que é tratada com ceticismo e acaba sendo submetida ao ridículo e à exclusão social.
"Eu conversei com sobreviventes de ataques de gangues de estupradores e elas disseram que foram desencorajadas por familiares e pela comunidade a procurar justiça, elas também foram ameaçadas pelos estupradores e suas famílias. Até a polícia não as levou à sério", disse Devineni.
Os quadrinhos refletem uma realidade severa: quando Priya conta a seus pais sobre o estupro, ela é culpada por ele e expulsa de casa.


Personagens da história em quadrinhos indiana (Foto: Divulgação)
Heroína indiana tem ajuda de deuses da mitologia hindu para superar trauma e vencer adversários

A personagem representa uma mulher indiana genérica e suas aspirações. "Ela é como todos os rapazes e moças que querem viver seus próprios sonhos. Mas esses sonhos foram destruídos após o estupro", disse Devineni.
No livro, com alguma ajuda de Shiva e Parvati – o casal de deuses mais poderoso na cultura hindu – Priya consegue transformar sua tragédia em uma oportunidade.
No final ela volta à cidade montada em um tigre e derrota seus adversários.
Devineni disse que escolheu usar elementos da mitologia poque o hinduísmo é a religião majoritária do país – 80% da população, ou 1,2 bilhão de pessoas, são hindus – e seus mitos e histórias estão enraizadas em sua vida cultural.
Ele convenceu artistas de rua e criadores de pôsteres de filmes de Bollywood a pintar murais inspirados na história em quadrinhos na favela de Dharavi, em Mumbai, considerada a maior da Ásia.
As pinturas têm "recursos de realidade aumentada", que permitem às pessoas ver figuras "saltarem" da parede quando são vistas por meio das câmeras de smartphones.
É possível baixar da internet cópias do livro em hindi e em inglês. O trabalho será exibido em uma feira de quadrinhos em Mumbai em dezembro.
"Nosso público alvo vai desde crianças entre 10 e 12 anos a jovens adultos. É uma idade crítica nas vidas deles e por isso estamos fazendo uma tentativa de conversar com eles".


Artistas pintam mural em favela da Índia (Foto: DIvulgação)
Ativistas tentam mudar mentalidade indiana de que a mulher é quem tem culpa pelo estupro

Na Índia, onde em média um estupro é comunicado a cada 21 minutos, o crime ocorrido em Déli no ano de 2012 foi um divisor de águas. A brutalidade dos seis agressores deflagrou uma série de protestos e forçou o governo a criar leis antiestupro, prevendo inclusive a pena de morte para violência sexual muito grave.
Mas analistas dizem que as leis mais duras resolvem apenas parte do problema. Ele seria resolvido apenas com a criação de consciência e mudança de atitudes sociais.
Davineni diz que esse é o objetivo do livro.
Urvashi Butalia, líder da editora feminista Zubaan Books, diz que o sucesso ou fracasso dependerá "muito da história" e de "quantas pessoas ela atinge". Segundo ela, tude que gera um diálogo ajuda.


Crianças fotografam mural em favela indiana (Foto: Divulgação)
Versão em inglês de livro em quadrinhos poderá ser baixado pela internet

"Muitas das mudanças do mundo começaram como ideias. E essa é uma ideia interessante – não há muitas super heroínas", disse ela.
Jasmeen Patheja é fundadora do Projeto Blank Noise, que realiza uma campanha chamada "eu nunca pedi isso" – referindo-se a agressões sexuais.
O projeto cria instalações urbanas e galerias de imagens na internet com as roupas que as vítimas estavam usando quando foram abusadas em uma campanha para "rejeitar a culpa".
A maior mudança, segundo ela, será quando "as pessoas entenderem que não há desculpa que justifique a violência sexual, como as roupas que as vítimas estava usando, a hora ou o lugar em que estavam".
"Romances, quadrinhos, livros de histórias, filmes – todos têm grande potencial para ajudar", elas disse.

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