quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Caso Maristela Just

maristela
11/02/2015

Em 1989, a estudante de sociologia Maristela Ferreira Just tinha 25 anos e vendia cosméticos para ajudar nas despesas com os dois filhos pequenos, Nathália, de 4 anos, e Zaldo, com dois anos. Há dois anos separada do pai das crianças, José Ramos Lopes Neto,  comerciante de 27 anos, Maristela vivia com os pais em Jaboatão dos Guararapes, Recife/PE.

Na tarde de 4 de abril, após a consulta médica dos filhos, José – que nunca se conformara com o divórcio – levou Maristela a uma praia distante para conversar. Ele a pressionou pela volta e ela recusou mais uma vez. José então mostrou a Maristela que estava armado; quando percebeu que era observado pela filha, guardou o revólver e levou a família para casa.

Já no local, Maristela alertou o pai e o irmão sobre a arma. José foi revistado pelos dois, mas nada foi encontrado. Ele pediu para conversar com a família no quarto. O ambiente estava tranquilo. Maristela penteava a filha na cama quando, de repente, o marido abaixou, tirou o revólver que escondia na bota e disparou dois tiros na cabeça dela. Em seguida, atirou no ex-cunhado, Ulisses Ferreira Just, que tentou detê-lo. Na sequência, mais dois disparos: no ombro da filha Nathália e na cabeça de Zaldo. O último tiro foi novamente em Maristela, que morreu ali mesmo.

Os filhos foram levados ao hospital em estado grave, sobreviveram e foram morar com parentes. Ambos ficaram com sequelas e passaram por várias cirurgias e por fisioterapia para se recuperarem. Nathália tem dificuldade para movimentar parte dos dedos da mão direita e Zaldo ficou com o movimento do lado esquerdo do corpo comprometido. Os dois tiveram acompanhamento psicológico até a adolescência: Nathália até os 12 anos e Zaldo até os 15 anos.

Saiba mais:
O assassinato que devastou uma família em Pernambuco (Revista Joyce Pascowitch, 17/09/2014)
Orfãos da violência (GNT, 18/06/2014)

José foi preso em flagrante, após ser imobilizado no corredor da casa pelo pai de Maristela. Permaneceu cerca de um ano no presídio Aníbal Bruno, em Tejipió, até ser solto por um habeas corpus. Por ser filho de Gil Teobaldo, influente criminalista pernambucano, a defesa usou de todos os artifícios legais para postergar o julgamento dos crimes. O inquérito chegou a ser anulado e todas as testemunhas tiveram que depor três vezes. José trocou de advogado cinco vezes.

A família de Maristela teve dificuldade para conseguir um advogado. Quando finalmente conseguiram, Teobaldo entrou com pedido de regulamentação de visitas às crianças para coagir a família a desistir do processo.

Foram protocoladas 36 cartas precatórias para ouvir testemunhas de outros Estados e impetrados cinco recursos no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, outros dois no Superior Tribunal de Justiça e mais um no Supremo Tribunal Federal.

Em 2001, o então juiz da 1ª Vara do Júri de Jaboatão, João Roberto Moreira, divulgou a sentença de pronúncia do comerciante, determinando assim que o processo estava concluído e que a data do júri poderia ser marcada – o que só ocorreu nove anos depois.

21 anos de espera pela sentença
O julgamento de José foi marcado para o dia 13 de maio de 2010. A filha de Maristela, Nathália, criou um blog para chamar atenção da imprensa sobre o caso e lutar para que seu pai não ficasse impune.

Entretanto, na data prevista nem o réu e nem o advogado de defesa, Humberto Albino de Morais, compareceram ao Fórum de Jaboatão. A ausência não foi justificada e o advogado foi multado em R$ 25,5 mil por determinação da juíza Maria de Albuquerque. A magistrada nomeou dois defensores públicos para a defesa do réu e determinou um novo julgamento para o início de junho. No dia 19 do mesmo mês, a juíza decretou o pedido de prisão de José, a partir de solicitação do Ministério Público do Estado, para impedi-lo de fugir do país.

No novo júri em 1º de junho, José novamente não compareceu e foi julgado à revelia. A defesa foi feita pelos defensores públicos nomeados anteriormente, que tentaram convencer o júri que José não teve intenção de atirar nos filhos e no ex-cunhado Ulisses Just. A tese foi desfeita pelo testemunho da filha de Maristela, Nathália, que viu o pai girar para atingir todas as pessoas do quarto.

O julgamento foi acompanhado por um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por ativistas do Fórum de Mulheres de Pernambuco.

Após 15 horas, foi lida a sentença. José Ramos foi condenado a 26 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado de Maristela Just, por motivo torpe (vingança) e sem dar chances de defesa à vitima, e a mais 53 anos pelas três tentativas de homicídio de Nathália, Zaldo e Ulisses, em uma pena total de 79 anos em regime fechado.

Em setembro do mesmo ano, o município de Jaboatão dos Guararapes homenageou Maristela Just batizando com seu nome o Centro de Referência à Mulher da cidade, que oferece atendimento psicológico, social e jurídico para mulheres vítimas de violência, além de realização de terapia de grupo para crianças e mulheres.

Recursos da defesa
Apesar da condenação, José permaneceu foragido. A família de Maristela passou a oferecer uma recompensa de R$10 mil para quem fornecesse informações que ajudassem na captura de José. Foram 13 alarmes falsos até outubro de 2012, quando o foragido foi preso pelo Grupo de Operações Especiais (GOE) na zona norte do Recife, enquanto visitava familiares.

José Ramos Lopes Neto passou a cumprir a pena, mas sua defesa não deu o caso por encerrado. Na tentativa de anular o julgamento, foi impetrado um pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, que foi negado. A defesa recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça, que também deu parecer negativo.

Por fim, o pedido chegou ao Supremo Tribunal Federal. Por decisão unânime, os ministros do STF negaram o recurso em abril de 2014. No parecer, a relatora, ministra Cármen Lúcia, destacou a demora de 21 anos para que o caso fosse julgado, diante de todas as manobras da defesa, “impedindo a aplicação da lei penal e deixando a sociedade, principal destinatária da prestação jurisdicional, sem resposta”. A ministra também argumenta que “não se vislumbra nenhuma ilegalidade de que estaria sendo vítima o paciente, porquanto, além de terem sido esgotados todos os meios para sua localização, verifica-se que tanto o acusado quanto o seu advogado foram devidamente intimados para o ato, sendo certo, ainda, que o defensor público intimado para o mister compareceu à sessão de julgamento” . Confira o parecer dos ministros no Recurso de Habeas Corpus

No que se refere a ausência do réu no julgamento, a relatora também esclarece que a Lei nº 11.689/2008 tornou possível a “submissão do réu pronunciado à sessão de julgamento pelo Conselho de Sentença, ainda que não tenha sido pessoalmente intimado da decisão de pronúncia, sendo possível, ainda, a realização da sessão de julgamento se o acusado não se fizer presente, consoante o disposto nos arts. 420, parágrafo único, e 457 do Código de Processo Penal”.

Assim que foi informada da decisão do STF, a defesa impetrou um recurso do habeas corpus (RHC 122.168) que está em tramite e recebeu um parecer positivo do relator, o ministro Dias Toffoli, em novembro de 2014, sustentando que: “a juíza cometeu uma ilegalidade. Não caberia a ela constituir novo defensor, pois assim agindo violou a ampla defesa. Todos os atos são nulos, inclusive o júri realizado, inclusive a prisão determinada, é assim que voto”, disse o ministro. Após o voto, o ministro Roberto Barroso pediu vista do processo.

Decisão final: negado o habeas corpus

O julgamento foi retomado pelo voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso, negando o pedido. Segundo o relato do ministro Barroso, os “múltiplos recursos” da defesa evidenciavam a intenção de procrastinar. “Não me parece que ao recorrente tenha sido furtada a oportunidade de escolher como e por quem deveria ser defendido”, afirmou o ministro, que completou argumentando que, pelo contrário, houve uma opção pela criação da nulidade. “Nos termos do artigo 565 do Código de Processo Penal, não há de ser acolhida nulidade à qual a parte tenha dado causa ou para a qual tenha concorrido.”

Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Senhor Ministro Roberto Barroso, Redator para o Acórdão, vencido o Senhor Ministro Dias Toffoli, Relator. Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. 1ª Turma, 10.2.2015.

Assim, em julgamento realizado em 10/02/2015, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), foi negado pedido de liberdade a José Ramos Lopes Neto.

Por Géssica Brandino
Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha

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