quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Exercer a não-opinião | Exercício de empatia, 6

Em nossa sociedade narcisista, onde somos criados para achar que o mundo gira à nossa volta, tendemos a dar um valor excessivo a nossas próprias opiniões. (Afinal, são opiniões dessa pessoa tão incrível: eu!)

Por
Alex Castro
Mente e atitude, Prisões

Pior, achamos não só que temos um direito divino de ter opinião sobre tudo, como também de expressar essa sabedoria a todo momento, e, mais ainda, que é um favor que fazemos às pobres mortais dizer a elas o que pensamos sobre suas vidas.

Mas essa constante e infindável salva de opiniões que atiramos umas contra as outras é uma violência, é uma intrusão, é puro egocentrismo.

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Esse é o sexto exercício de empatia. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios.

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Perguntar ofende sim

Raramente percebemos como nossas opiniões podem ser agressivas, invasoras, violentas.

Quando perguntamos a nossa amiga casada quando ela vai finalmente ter filhos ou filhas, a pergunta nos parece inócua e amigável. Afinal, só estamos perguntando porque temos intimidade, certo?

Entretanto, para a pessoa que está do outro lado, o comentário é opressivo. Porque não é a primeira, nem a vigésima, nem a centésima vez que é feito.

Como essa pessoa pode se sentir acolhida, feliz, aceita entre suas amigas e familiares se praticamente todo dia alguma delas a interpela sobre uma das escolhas mais importantes de sua vida?

A mensagem passada por essa constante enxurrada de comentários, uma mensagem ao mesmo tempo violenta e invasiva, é que a sua escolha de vida, que deveria ser íntima e indevassável, causa enorme desconforto às suas pessoas mais próximas. Se não, por que tanta insistência? Se não, por que tanta intrusão?

Durante algum tempo, eu achei que isso só acontecia com as pessoas que escolhiam caminhos não-convencionais — como não ter crianças em uma sociedade onde praticamente todas as pessoas têm.

Mas não é verdade: porque se a pessoa finalmente ceder à pressão e tiver um bebê, a nova pergunta intrusiva será:

"E quando vai ter o segundo?"

E não só isso. As pessoas amigas e familiares querem saber quando vai finalmente largar o teatro, parar de se vestir assim, fazer faculdade, defender a tese, prestar concurso, prestar um concurso que ganhe mais, arrumar um emprego, largar esse emprego, arrumar namorado/a, casar com namorada/o, comprar um imóvel, comprar um imóvel maior, comprar um carro, comprar um carro melhor, virar hétero, abraçar a monogamia, encontrar Jesus, tomar jeito, etc.

A lista é tão infinita quanto são infinitos os comportamentos das pessoas.

Todos esses comentários são violentos. Todos eles são pequenos espinhaços diários que cravamos justamente nas pessoas mais próximas a nós.

Por que fazemos isso? Por que nos damos ao direito de ter opinião sobre questões tão pessoais das vidas de outras pessoas?

Mais importante, mesmo se essas opiniões aflorassem à revelia em nossas mentes (coitadas de nós!), por que nos damos ao direito de articulá-las em voz alta?

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Somos as vítimas e somos as algozes

Nesse ponto, algumas pessoas se defendem:

"Mas, pôxa!, eu só falo isso com quem tenho intimidade!"

Exatamente. A velhinha que encontramos na fila do banco raramente invade nossas vidas.

A violência constante e contínua dos comentários invasivos é exclusivamente perpetrada pelas pessoas mais próximas a nós. Justo aquelas que deveriam nos amar e nos respeitar, e não nos oprimir com sua avalanche de opiniões não-solicitadas.

Em um dos encontros "As Prisões", uma moça que tinha acabado de contar sobre a pressão violenta que sofria da família para ter bebê ("é como se todo dia houvesse um teste que eu nunca passo!") de repente começou a chorar.

Pensamos que estava chorando por si mesma, mas não.

A moça tinha acabado de se dar conta que ela, a família, as amigas, faziam a mesma coisa com seu irmão caçula, que namorava uma moça há catorze anos e "ainda" não tinha casado. As perguntas incessantes, a cobrança constante, a zoação bem-humorada.

O mesmo inferno.

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De onde emanam as leis que aplicamos umas contra as outras?

Nossa sociedade é governada por um tirânico ditador, constantemente julgando, criticando, oprimindo todos os seus súditos.

É ele que decide que "ninguém pode namorar catorze anos sem casar" e que "toda mulher casada deve ter bebê". Que temos que ser pessoas heterossexuais, monogâmicas, religiosas. Que precisamos ter casa própria, automóvel na garagem, emprego em tempo integral.

Esse tirano, entretanto, não possui existência concreta. Ele não tem como fisicamente impor sua vontade sobre nós.

Para exercer sua opressão, ele precisa converter seus súditos oprimidos em opressores policiais do senso comum, ao mesmo tempo vítimas e algozes, eternamente julgando e condenando uns aos outros, sempre implementando suas regras, seus julgamentos, sua lei.

O sexto exercício de empatia é conscientemente deixarmos de trabalhar para a polícia secreta desse tirano.

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Um exercício para abandonarmos nossa necessidade de expressar opiniões

O primeiro passo é nos perguntarmos:

Por que nos damos ao direito de ter opinião sobre as decisões pessoais de outros seres humanos?

Parece a coisa mais normal do mundo, passamos nossas vidas inteiro dando pitacos nas vidas umas das outras, mas, se pararmos para pensar, sinceramente... por quê?

Considere algumas das opiniões que você têm e/ou articulou recentemente sobre as pessoas próximas a você.

Quem somos nós para mesmo TER essas opiniões? O que temos a ver com a vida dessa pessoa?

Que impacto pode ter na nossa vida se ela casa ou não, tem bebê ou não, etc? Aliás, mesmo se tiver algum impacto em nossas vidas, isso nos dá o direito de ter opinião?

Será que conhecemos de verdade essa pessoa tão a fundo, seus anseios, seus traumas, suas prioridades, para realmente podermos ter uma opinião abalizada e responsável se ela deve largar ou não o emprego, cursar biologia ou direito? Aliás, mesmo se sim, isso nos daria o direito?

De onde vem esse direito? Quem nos deu esse direito? Por que nos parece tão natural que temos sim o direito de ter opinião, e verbalizar essas opiniões, sobre as vidas de todas as pessoas à nossa volta?

Coloque-se no lugar do alvo das suas opiniões. Tente imaginar como essa pessoa se sente. Como será que ela recebe sua opinião?

"Puxa, ainda bem que o Alex veio me dizer que ele acha que, afinal, depois de catorze anos de namoro, já está na hora de eu casar! Que alívio! Eu estava mesmo me perguntando o que ele achava! Agora finalmente posso tomar minha decisão, para minha própria vida, mas sempre levando em conta as opiniões de todas as pessoas que conheço!"

É isso mesmo? É esse o cenário em nossas cabeças? É assim que achamos que nossas intrusões serão recebidas?

Mais ainda, é assim que recebemos as intrusões das outras pessoas? É assim que reagimos quando amigas, família, colegas se metem em nossas decisões, em nossos empregos, em nossos namoros, em nossas sexualidades?

Por tudo isso, o primeiro passo é simplesmente questionarmos nosso próprio direito de TER essas opiniões fortes e peremptórias sobre as escolhas pessoais de outras pessoas.

O segundo passo é mais simples e infinitamente mais difícil:

Em nossa vida cotidiana, exercer um estado de não-opinião consciente: perceber quantas opiniões não-solicitadas continuam surgindo em nossas mentes, como água brotando de uma fonte, e fazer o esforço consciente de não articulá-las, não passá-las adiante.

Reconhecer o direito das outras pessoas de viverem livres da opressão de nossas opiniões também é uma maneira de exercitar a empatia.

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Um exercício escrito

Ao longo de vários dias, faça duas listas:

Na primeira, enumere todas as opiniões que teve sobre a vida de outras pessoas e que normalmente teria articulado, mas não articulou... por causa desse nosso exercício.

Na segunda lista, enumere todas as opiniões não-solicitadas que recebeu sobre a sua própria vida, opiniões que você hoje já não teria verbalizado... por causa desse nosso exercício.

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Exercícios de empatia, a série completa






6. Exercer a não-opinião

7. Adaptar-se ao meio (em março/15)

8. Colocar-se em outra pessoa (em abril/15)

9. Fingir o não-narcisismo (em maio/15)

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