Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

domingo, 8 de fevereiro de 2015

exercitar a empatia é um ato político

Por alex castro
fevereiro 5, 2015
você daria uma esmola para ele?    
exercitar a empatia é o ato político de escolher habitar a vulnerabilidade de outra pessoa.

* * *

já houve época que meu objetivo de vida era ser a pessoa mais feliz e mais livre possível.

hoje, tudo o que eu quero é simplesmente ser uma pessoa mais generosa e mais empática.

* * *

introdução aos exercícios de empatia

por que é tão difícil praticarmos uma verdadeira empatia e alteridade pelas pessoas que estão à nossa volta?

exercitamos o abdômen e exercitamos a memória. por que não exercitar a empatia?

os exercícios não são fáceis: é preciso primeiro levar o músculo ao colapso, para que ele então se regenere e volte mais forte.

* * *

o mal é a falta de empatia

no nosso dia a dia, temos poucas oportunidades práticas de ativamente não-estuprar, não-roubar, não-torturar, não-cometer-genocídio.

não-matar não é uma decisão consciente que tomo todo dia e da qual posso ter orgulho. somente não-estuprar não faz de mim uma pessoa boa.

o mal é a falta de empatia. o mal são os olhos cegos e os ouvidos moucos. o mal é a desatenção e o autocentramento. o mal é aquilo que sinceramente não me ocorre, que realmente não enxerguei, que juro que não ouvi, que não sei como fui esquecer.

o que é um batedor de carteiras comparado ao honesto pai de família que não enxerga nada a sua volta? que não vê a esposa insatisfeita e desesperada, as filhas confusas e autodestrutivas, a sócia abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo?

o mal não é arrancar a anne frank do sótão: o mal é cruzar todo dia pelo porteiro com o braço engessado e nunca perguntar, nunca se preocupar, nunca nem reparar.

o mal não é ser dono de uma fazenda com duzentos escravos: o mal é ser contra uma nova estação do metrô porque vai destruir as arvorezinhas da sua praça e nunca te ocorrer das centenas de milhares de trabalhadores que não têm carro, passam horas e horas em ônibus e terão suas vidas significativamente melhoradas por uma nova estação.

o mal não é a estrela da morte explodir alderã: o mal sou eu relaxar do longo dia de trabalho curtindo um filme, depois de um belo jantar feito por minha irmã, e nunca me passar pela cabeça que ela teve um dia igualmente longo de trabalho, ainda por cima fez o jantar e agora está sozinha tirando a mesa e lavando a louça, e ainda perdendo a chance de ver o filme!

* * *

nossa vida cotidiana, inviável

minha ex-mulher é de uma pequena e próspera cidade no interior da amazônia. veio morar comigo no rio e se deparou, pela primeira vez, com a população de rua em nossas calçadas.

nunca amei tanto minha ex-esposa quanto naqueles momentos em que a mera visão de uma criança de rua já era o suficiente para levá-la às lágrimas.

sabe por quê? porque é.

com o tempo, para não enlouquecer, para poder funcionar como ser humano, minha ex-esposa foi criando a mesma couraça de insensibilidade social que quase todos os cariocas e paulistanos já trazem do berço.

é uma educação do olhar: você se treina para não ver, para não se importar, para não cair de joelhos paralisada pelo horror.

não fazemos isso só com a miséria. passamos o dia cercados por dezenas, centenas, às vezes milhares de pessoas. é impossível considerá-las todas individualmente. não só não as olhamos, como nem mesmo pensamos nelas como se fossem gente.

nossa vida cotidiana seria inviável se parássemos para considerar que cada uma daquelas pessoas comendo fast-food na praça de alimentação do shopping tem uma vida interior tão rica quanto a nossa. ou, pior, que cada uma daquelas pessoas comendo restos de comida no lixão tem a nossa mesma capacidade de apreciar a beleza de uma catedral barroca.

pois o objetivo dessa série de exercícios, se bem-sucedida, é justamente tornar a sua vida cotidiana inviável.

ao final, quem conseguir caminhar pelo centro da cidade sem se rasgar de desespero é porque não passou.

como disse dzongsar jamyang khyentse sobre a prática budista:

“o caminho não é terapia. pelo contrário, ele foi elaborado sob medida para expor nossas falhas e virar nossa vida de cabeça pra baixo. aliás, se você pratica o caminho mas sua vida ainda não virou de cabeça pra baixo, então sua prática não está funcionando.”

* * *

entender é possuir, aceitar é amar

o que estou propondo não é um exercício intelectual para entendermos melhor umas às outras.

“entender x” nada mais é do que uma tentativa de simplificar x ao seu mais básico denominador comum, de modo a poder defini-lo e nomeá-lo e, assim, chegar à verdade sobre x.

mas esse processo de simplificação é redutor e autoritário: você lança o seu olhar sobre x, ignora inúmeros aspectos relevantes (praticamente qualquer objeto é mais complexo do que sua explicação), constrói uma narrativa explicativa baseada somente nos aspectos específicos sobre os quais você decidiu se concentrar, e, por fim, crava-lhe um rótulo autoritativo, dizendo “a verdade sobre x é isso!”

nos exercícios de empatia, vamos tentar perceber, ver, ouvir, e sentir as pessoas à nossa volta não para melhor entendê-las, mas para melhor aceitá-las, de forma mais aberta, mais empática, mais generosa.

entender é um gesto de definição e posse, redução e controle. aceitar é um gesto de amor e generosidade.

* * *

quantas pessoas você ouviu no último mês?

pelos últimos dois anos, tenho viajado o brasil promovendo um encontro meio indefinível (vivência terapêutica? instalação artística? performance polifônica?) chamado “as prisões“.

em geral, eu e as pessoas participantes passamos o dia inteiro juntas, compartilhando nossas vidas, expondo nossas histórias, chorando, se abraçando. ao final, estamos todas exaustas, exauridas, esvaziadas, mas também sem querer sair de perto daquelas pessoas que, ao longo de poucas horas, foram de completas estranhas a quase íntimas. muitas vezes, terminamos o dia compartilhando uma grande pizza coletiva.

hoje em dia, temos mil amigos no facebook e vinte amigos de bar, com quem só falamos de trivialidades, futebol & sexo, política & fofocas — pois qualquer menção a intimidades profundas é imediatamente ridicularizada.

por isso, às vezes passamos meses, anos, a vida inteira, sem nunca ouvir ninguém de forma intensa e concentrada, sem nunca ter realmente acesso à subjetividade de qualquer outra pessoa.

então, no encontro “as prisões”, subitamente, de uma vez só, no mesmo dia, somos soterrados pela subjetividade de vinte pessoas diferentes.

e percebemos que muita gente passa pelos mesmos dilemas, sente as mesmas dores, enfrenta os mesmos demônios.

que aquele nosso problema ó-tão-importante e ó-tão-singular… era, na verdade, comum.

que aquele problema não era algo que nos apartava da humanidade mas que, pelo contrário, ele nos une e nos irmana a todas aquelas outras pessoas incríveis e únicas e singulares que estão passando por essa mesma exata situação.

ou seja, que estamos juntas.

e é por isso que o dia passa voando. é por isso que saíamos exaustas e exauridas. é por isso que, muitas vezes, os grupos que participam das prisões continuam saindo, se encontrando, se amando.

e eu agradeço a todas vocês pela oportunidade de fazer parte dessa experiência.

(para saber mais sobre o encontro “as prisões”, confira o calendário completo: alexcastro.com.br/encontros. para vir de graça, leia minha política de gratuidades: alexcastro.com.br/gratuidade)

* * *

uma nota pessoal preliminar importante

não estou propondo exercícios de empatia porque me considero um guru intocável que conseguiu atingir um comportamento ilibado e agora está pontificando para as pobres coitadas lá embaixo que ainda não chegaram ao seu nível de iluminação.

pelo contrário, estou falando a partir dos subterrâneos, do meio da multidão, como mais uma pessoa rota entre tantas esfarrapadas; estou falando justamente da batalha diária que travo comigo mesmo, todo dia, o tempo todo, para ser uma pessoa menos escrota, menos conformista, menos egoísta, menos superficial, menos vaidosa.

o único dedo que aponto é para o meu próprio reflexo no espelho. sempre.

esses exercícios são, antes de tudo, para mim mesmo. uma desesperada tentativa de finalmente me tornar a pessoa que quero ser.

entretanto, se a carapuça que escrevi para mim também servir em você, melhor ainda. quem sabe não conseguimos juntos virar pessoas humanas menos desagradáveis?

não sou guru, não sou perfeito, não sou generoso.

sou profundamente egoísta, patologicamente vaidoso, intrinsecamente autocentrado, fundamentalmente preguiçoso.

mas, e essa é minha esperança, talvez não para sempre.

* * *

exercícios de empatia, a série completa






6. exercer a não-opinião (em fevereiro/15)

7. adaptar-se ao meio (em março/15)

8. colocar-se em outra pessoa (em abril/15)

9. fingir o não-narcisismo (em maio/15)

* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário