(Boletim Observa Gênero – Maio/2015) Por que pensar e tratar a morte de mulheres de forma distinta às demais? Por que não encarar a extrema violência causada a elas da mesma maneira que devemos encarar todas as vidas ceifadas de maneira violenta? Essas são perguntas que inevitavelmente surgem a tantas pessoas que ouvem pela primeira vez qualquer debate sobre o feminicídio. As respostas a essas perguntas trazem luz a uma realidade que vai além da morte dessas mulheres e que atingem a sociedade como um todo.
No Brasil, segundo dados do Mapa da Violência (2012), a cada 10 homens que morrem de maneira violenta uma mulher também é assassinada. Apesar de as mulheres corresponderem apenas a esta porcentagem no total de homicídios que são cometidos no Brasil (dados similares ao dos demais países da região), as mortes violentas de mulheres vêm crescendo nas últimas décadas em patamares superiores aos demais homicídios: houve um aumento de 230% de assassinatos de mulheres em comparação aos homicídios de forma geral que cresceram 124% de 1980 a 2010 (Mapa da violência, 2012). Nas últimas 3 décadas somaram-se 96 mil mortes de mulheres que representaram um crescimento de 2,3 mortes a cada 100 mil mulheres em 1980 para 4,6 mortes por 100 mil mulheres em 2010.
Em que contextos se dão essas mortes? Os dados não permitem mapear exatamente todos os cenários possíveis em que as mulheres são assassinadas, mas indicam diferenças notórias em relação aos homicídios de homens: quanto ao local da morte, 41% das mulheres morreram nas residências enquanto apenas 14,3% das mortes dos homens ocorreram dentro das casas; em relação ao instrumento utilizado, observa-se maior uso de armas brancas nos assassinatos de mulheres (a arma de fogo aparece com incidência em 49,2% nas mortes de mulheres, enquanto que para os homens a incidência é de 72,4%). Esses dois elementos sinalizam que os fatores de vulnerabilidade à violência fatal de homens e mulheres são distintos e que há uma característica peculiar das mortes violentas de mulheres: a conexão com o fenômeno da violência doméstica e familiar e a maior suscetibilidade de ser morta por instrumentos que envolvem contato próximo entre agressor e vítima e que sugerem uma desproteção maior.
Dados das Nações Unidas estimam que 1 de cada 3 mulheres sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo de suas vidas e que 1 de cada 5 sofrerão especificamente algum tipo de violência sexual. A maior parte dos agressores são pessoas conhecidas: nos casos de violência doméstica e familiar, são os parceiros ou ex-parceiros os principais autores, isto é, pessoas com quem a mulher construiu laço de confiança e afeto. Nos casos das meninas, especialmente crianças, os principais autores de violência sexual são parentes ou pessoas de convívio familiar próximo. Mas as violências que meninas e mulheres sofrem também ocorrem em outros contextos, seja no local de estudos e trabalho, no espaço público, seja por pessoas desconhecidas, em contexto de tráfico de pessoas, de drogas, de casamentos forçados, mortes decorrentes do exercício de alguma atividade estigmatizada, como a prostituição etc. E dentre os grupos de mulheres há aquelas que estão mais vulneráveis que outras, sendo necessário considerar os outros marcadores sociais como renda, raça, etnia, origem, deficiência, geracional, dentre outros.
Entretanto, um traço comum a todas essas violências é serem resultantes da desigualdade de poder entre os gêneros, isto é, da objetificação da mulher, do controle sobre suas vidas e seus corpos, compondo esse cenário amplo de discriminação resultante de uma cultura brasileira ainda fortemente patriarcal e machista. Quando essa violência resulta em morte, quando esta morte se dá nesse contexto de discriminação e desigualdade, é que falamos em feminicídios. Então falamos de Eloá, Eliza, Mércia, Isabella, Michelle, Sandra, Daniella, Maristela, Ângela e tantas outras mulheres que foram mortas por não aceitarem permanecer numa relação violenta, por não aceitarem cumprir com as regras ou expectativas de seus companheiros ou da sociedade, por serem vistas como objetos sexuais, por terem sido invisíveis ao Estado e ao sistema de justiça, que na maioria dos casos não foram capazes de ouvi-las e, portanto, de prevenir tais mortes anunciadas.
É por isso que precisamos falar de feminicídios, porque as respostas que os Estados dão a diferentes problemas sociais, como são os homicídios, geralmente consideram primordialmente o retrato da maioria. E no Brasil, assim como em outros países, a maioria das pessoas assassinadas são homens, jovens, negros, no contexto da criminalidade urbana ou de grupos de extermínio. Embora seja extremamente relevante que o Brasil desenvolva medidas para reduzir tais homicídios, considerando esse recorte geracional e étnico-racial, e que haja uma relação entre altas taxas de homicídios e de feminicídios (Small Arms Survey, 2012) ligada ao alto índice de impunidade, tais medidas dificilmente terão impacto significativo na redução dos assassinatos de mulheres, porque os contextos e cenários são distintos e requerem, portanto, políticas públicas diferenciadas.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi uma das respostas do Estado ao grave cenário de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Considerada uma lei avançada por partir da concepção de que o enfrentamento a este tipo de violência demanda ações integrais, de prevenção, assistência, promoção e garantia de direitos, para além da adequada e necessária punição aos autores, houve significativos avanços em termos de políticas públicas e de percepção da sociedade brasileira sobre o fenômeno da violência doméstica e familiar.
Em relação à prevenção, observa-se a crescente institucionalização das políticas voltadas para as mulheres no âmbito dos poderes executivos federal, estadual e municipal, e a criação de mecanismos para fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência, de enorme importância para se evitar os feminicídios. Tal também se deu no âmbito dos sistemas de justiça estaduais, que vêm criando estruturas especializadas para investigar, processar e julgar esses casos de violência e que levou à organização de grupos de promotores de justiça, da magistratura, da defensoria pública, que se mobilizassem pela efetiva implementação da lei. Recente pesquisa realizada pelo IPEA (2015) identificou que um dos efeitos da Lei Maria da Penha foi a contenção, de até 10%, dos feminicídios ocorridos no contexto doméstico e familiar.
Quanto ao segundo aspecto, dados da pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo DataPopular (2013) mostram que a população está mais consciente sobre a gravidade do problema e à maior vulnerabilidade da mulher nas relações íntimas de afeto. Reconhecem, por exemplo, que a mulher está mais suscetível a ser vítima de violência dentro de suas próprias casas que nos espaços públicos. Entendem que o medo de morrer é um dos fatores que fazem com que as mulheres permaneçam por anos numa relação violenta, ao mesmo tempo em que reconhecem que o rompimento dessa relação aumenta o risco de morte. A população acredita que se deve denunciar a violência às autoridades policiais, mas opinam que essa denúncia aumenta ainda mais o risco de vir a ser assassinada. Em suma, a população está ciente de que as mulheres ainda estão sozinhas na luta contra a violência e reconhece os limites das respostas que o sistema de justiça tem dado aos assassinatos de mulheres.
Passados mais de 8 anos de vigência da Lei Maria da Penha e reconhecendo que permanecem muitos desafios na sua implementação, é preciso aprimorar as respostas do Estado no enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres e especialmente aos feminicídios, que são a expressão mais grave delas. E isso também envolve aprimorar a legislação brasileira, conforme recomendado na 57ª reunião da Comissão sobre a Situação da Mulher da ONU. Nesse sentido, em 9 de março de 2015, foi sancionada pela Presidenta da República a Lei nº 13.104, que tipifica o feminicídio como forma qualificada de homicídio, incluindo-o no rol do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal. Deste modo, o Brasil passa a ser o 15º país da região a alterar sua legislação penal para nomear e distinguir os feminicídios dos demais crimes de homicídio.
Mas essa alteração do Código Penal é suficiente para reverter o cenário de feminicídios no Brasil? Certamente não. Nenhuma lei é capaz, por si só, de alterar um cenário de violência, ainda mais quando intrinsecamente ligada à cultura de desigualdade e discriminação contra as mulheres, e esperar isso dela seria não só ingênuo como leviano. Contudo, a inclusão do feminicídio no Código Penal faz parte de um conjunto de medidas legítimas que o Estado brasileiro pode e deve tomar para melhorar a resposta do sistema de justiça criminal voltadas à investigação, processo e julgamento dos casos de feminicídios, de modo a estar atento às desigualdades não só presentes na trajetória individual das vítimas mas também àquelas presentes nas vidas de todas as mulheres brasileiras.
A inclusão das “razões de condição de sexo feminino” associadas às mortes violentas de mulheres, que podem ser caracterizadas pela violência doméstica e familiar e pelo menosprezo e discriminação à condição de mulher, já é o reconhecimento da estrutural desigualdade entre os gêneros e comunica uma mensagem relevante à sociedade no sentido de reprová-la. Mas as práticas penais também comunicam e é preciso reverter a reprodução dos estereótipos de gênero, na instrução e nos julgamentos dos feminicídios, ainda encontrada nos Tribunais do Júri que configuram como crimes passionais o que na verdade representam verdadeiros crimes de ódio. Conforme identificado por recentes pesquisas (Ministério da Justiça, 2015) ainda se exige da mulher determinados comportamentos para poder ser dada como vítima legítima de punibilidade de seu algoz.
Por fim, deve-se destacar que o feminicídio representa uma, entre tantas outras lutas, que precisa avançar. Porque no Brasil ainda se mata simplesmente por ser mulher.
Referências:
CEBELA/FLACSO. Mapa da Violência. Atualização: homicídios de mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO-Brasil, 2012, 26 pág. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php.
Data Popular; Instituto Patrícia Galvão. Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres (2013).
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto para Discussão nº 2048. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2015.
Small Arms Survey-Graduate Institute of International and Development Studies. 2012. Femicide: A Global Problem em http://www.smallarmssurvey.org/fileadmin/docs/H-Research_Notes/SAS-Research-Note-14.pdf. Genebra, The Graduate Institute.
BRASIL. Diálogos sobre Justiça – A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário, 2015 (no prelo).
Aline Yamamoto é Secretária Adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)
Elisa Sardão Colares é Analista de Políticas Sociais da Secretaria de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da SPM-PR
Agência Patrícia Galvão
No Brasil, segundo dados do Mapa da Violência (2012), a cada 10 homens que morrem de maneira violenta uma mulher também é assassinada. Apesar de as mulheres corresponderem apenas a esta porcentagem no total de homicídios que são cometidos no Brasil (dados similares ao dos demais países da região), as mortes violentas de mulheres vêm crescendo nas últimas décadas em patamares superiores aos demais homicídios: houve um aumento de 230% de assassinatos de mulheres em comparação aos homicídios de forma geral que cresceram 124% de 1980 a 2010 (Mapa da violência, 2012). Nas últimas 3 décadas somaram-se 96 mil mortes de mulheres que representaram um crescimento de 2,3 mortes a cada 100 mil mulheres em 1980 para 4,6 mortes por 100 mil mulheres em 2010.
Em que contextos se dão essas mortes? Os dados não permitem mapear exatamente todos os cenários possíveis em que as mulheres são assassinadas, mas indicam diferenças notórias em relação aos homicídios de homens: quanto ao local da morte, 41% das mulheres morreram nas residências enquanto apenas 14,3% das mortes dos homens ocorreram dentro das casas; em relação ao instrumento utilizado, observa-se maior uso de armas brancas nos assassinatos de mulheres (a arma de fogo aparece com incidência em 49,2% nas mortes de mulheres, enquanto que para os homens a incidência é de 72,4%). Esses dois elementos sinalizam que os fatores de vulnerabilidade à violência fatal de homens e mulheres são distintos e que há uma característica peculiar das mortes violentas de mulheres: a conexão com o fenômeno da violência doméstica e familiar e a maior suscetibilidade de ser morta por instrumentos que envolvem contato próximo entre agressor e vítima e que sugerem uma desproteção maior.
Dados das Nações Unidas estimam que 1 de cada 3 mulheres sofreram ou sofrerão algum tipo de violência ao longo de suas vidas e que 1 de cada 5 sofrerão especificamente algum tipo de violência sexual. A maior parte dos agressores são pessoas conhecidas: nos casos de violência doméstica e familiar, são os parceiros ou ex-parceiros os principais autores, isto é, pessoas com quem a mulher construiu laço de confiança e afeto. Nos casos das meninas, especialmente crianças, os principais autores de violência sexual são parentes ou pessoas de convívio familiar próximo. Mas as violências que meninas e mulheres sofrem também ocorrem em outros contextos, seja no local de estudos e trabalho, no espaço público, seja por pessoas desconhecidas, em contexto de tráfico de pessoas, de drogas, de casamentos forçados, mortes decorrentes do exercício de alguma atividade estigmatizada, como a prostituição etc. E dentre os grupos de mulheres há aquelas que estão mais vulneráveis que outras, sendo necessário considerar os outros marcadores sociais como renda, raça, etnia, origem, deficiência, geracional, dentre outros.
Entretanto, um traço comum a todas essas violências é serem resultantes da desigualdade de poder entre os gêneros, isto é, da objetificação da mulher, do controle sobre suas vidas e seus corpos, compondo esse cenário amplo de discriminação resultante de uma cultura brasileira ainda fortemente patriarcal e machista. Quando essa violência resulta em morte, quando esta morte se dá nesse contexto de discriminação e desigualdade, é que falamos em feminicídios. Então falamos de Eloá, Eliza, Mércia, Isabella, Michelle, Sandra, Daniella, Maristela, Ângela e tantas outras mulheres que foram mortas por não aceitarem permanecer numa relação violenta, por não aceitarem cumprir com as regras ou expectativas de seus companheiros ou da sociedade, por serem vistas como objetos sexuais, por terem sido invisíveis ao Estado e ao sistema de justiça, que na maioria dos casos não foram capazes de ouvi-las e, portanto, de prevenir tais mortes anunciadas.
É por isso que precisamos falar de feminicídios, porque as respostas que os Estados dão a diferentes problemas sociais, como são os homicídios, geralmente consideram primordialmente o retrato da maioria. E no Brasil, assim como em outros países, a maioria das pessoas assassinadas são homens, jovens, negros, no contexto da criminalidade urbana ou de grupos de extermínio. Embora seja extremamente relevante que o Brasil desenvolva medidas para reduzir tais homicídios, considerando esse recorte geracional e étnico-racial, e que haja uma relação entre altas taxas de homicídios e de feminicídios (Small Arms Survey, 2012) ligada ao alto índice de impunidade, tais medidas dificilmente terão impacto significativo na redução dos assassinatos de mulheres, porque os contextos e cenários são distintos e requerem, portanto, políticas públicas diferenciadas.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi uma das respostas do Estado ao grave cenário de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Considerada uma lei avançada por partir da concepção de que o enfrentamento a este tipo de violência demanda ações integrais, de prevenção, assistência, promoção e garantia de direitos, para além da adequada e necessária punição aos autores, houve significativos avanços em termos de políticas públicas e de percepção da sociedade brasileira sobre o fenômeno da violência doméstica e familiar.
Em relação à prevenção, observa-se a crescente institucionalização das políticas voltadas para as mulheres no âmbito dos poderes executivos federal, estadual e municipal, e a criação de mecanismos para fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência, de enorme importância para se evitar os feminicídios. Tal também se deu no âmbito dos sistemas de justiça estaduais, que vêm criando estruturas especializadas para investigar, processar e julgar esses casos de violência e que levou à organização de grupos de promotores de justiça, da magistratura, da defensoria pública, que se mobilizassem pela efetiva implementação da lei. Recente pesquisa realizada pelo IPEA (2015) identificou que um dos efeitos da Lei Maria da Penha foi a contenção, de até 10%, dos feminicídios ocorridos no contexto doméstico e familiar.
Quanto ao segundo aspecto, dados da pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo DataPopular (2013) mostram que a população está mais consciente sobre a gravidade do problema e à maior vulnerabilidade da mulher nas relações íntimas de afeto. Reconhecem, por exemplo, que a mulher está mais suscetível a ser vítima de violência dentro de suas próprias casas que nos espaços públicos. Entendem que o medo de morrer é um dos fatores que fazem com que as mulheres permaneçam por anos numa relação violenta, ao mesmo tempo em que reconhecem que o rompimento dessa relação aumenta o risco de morte. A população acredita que se deve denunciar a violência às autoridades policiais, mas opinam que essa denúncia aumenta ainda mais o risco de vir a ser assassinada. Em suma, a população está ciente de que as mulheres ainda estão sozinhas na luta contra a violência e reconhece os limites das respostas que o sistema de justiça tem dado aos assassinatos de mulheres.
Passados mais de 8 anos de vigência da Lei Maria da Penha e reconhecendo que permanecem muitos desafios na sua implementação, é preciso aprimorar as respostas do Estado no enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres e especialmente aos feminicídios, que são a expressão mais grave delas. E isso também envolve aprimorar a legislação brasileira, conforme recomendado na 57ª reunião da Comissão sobre a Situação da Mulher da ONU. Nesse sentido, em 9 de março de 2015, foi sancionada pela Presidenta da República a Lei nº 13.104, que tipifica o feminicídio como forma qualificada de homicídio, incluindo-o no rol do parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal. Deste modo, o Brasil passa a ser o 15º país da região a alterar sua legislação penal para nomear e distinguir os feminicídios dos demais crimes de homicídio.
Mas essa alteração do Código Penal é suficiente para reverter o cenário de feminicídios no Brasil? Certamente não. Nenhuma lei é capaz, por si só, de alterar um cenário de violência, ainda mais quando intrinsecamente ligada à cultura de desigualdade e discriminação contra as mulheres, e esperar isso dela seria não só ingênuo como leviano. Contudo, a inclusão do feminicídio no Código Penal faz parte de um conjunto de medidas legítimas que o Estado brasileiro pode e deve tomar para melhorar a resposta do sistema de justiça criminal voltadas à investigação, processo e julgamento dos casos de feminicídios, de modo a estar atento às desigualdades não só presentes na trajetória individual das vítimas mas também àquelas presentes nas vidas de todas as mulheres brasileiras.
A inclusão das “razões de condição de sexo feminino” associadas às mortes violentas de mulheres, que podem ser caracterizadas pela violência doméstica e familiar e pelo menosprezo e discriminação à condição de mulher, já é o reconhecimento da estrutural desigualdade entre os gêneros e comunica uma mensagem relevante à sociedade no sentido de reprová-la. Mas as práticas penais também comunicam e é preciso reverter a reprodução dos estereótipos de gênero, na instrução e nos julgamentos dos feminicídios, ainda encontrada nos Tribunais do Júri que configuram como crimes passionais o que na verdade representam verdadeiros crimes de ódio. Conforme identificado por recentes pesquisas (Ministério da Justiça, 2015) ainda se exige da mulher determinados comportamentos para poder ser dada como vítima legítima de punibilidade de seu algoz.
Por fim, deve-se destacar que o feminicídio representa uma, entre tantas outras lutas, que precisa avançar. Porque no Brasil ainda se mata simplesmente por ser mulher.
Referências:
CEBELA/FLACSO. Mapa da Violência. Atualização: homicídios de mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO-Brasil, 2012, 26 pág. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php.
Data Popular; Instituto Patrícia Galvão. Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres (2013).
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto para Discussão nº 2048. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2015.
Small Arms Survey-Graduate Institute of International and Development Studies. 2012. Femicide: A Global Problem em http://www.smallarmssurvey.org/fileadmin/docs/H-Research_Notes/SAS-Research-Note-14.pdf. Genebra, The Graduate Institute.
BRASIL. Diálogos sobre Justiça – A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário, 2015 (no prelo).
Aline Yamamoto é Secretária Adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)
Elisa Sardão Colares é Analista de Políticas Sociais da Secretaria de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da SPM-PR
Agência Patrícia Galvão
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