Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Os caminhos do incesto: uma perversão silenciosa

3 jun 2015
Desenho contido no livro "A violência silenciosa do incesto", de Graça Pizá
Desenho contido no livro “A violência silenciosa do incesto”, de Graça Pizá
Adicionar legenda
O desenho retrata uma figura metade menina, metade mulher. A autora-mirim, como milhares de outras crianças brasileiras, foi vítima de abuso incestuoso. Expressa, por meio da imagem ambígua, o conflito entre a sexualidade infantil e a adulta, que lhe foi imposta precocemente e que ela pouco compreende.
 
Outra ilustração –uma criança e um adulto no topo de uma montanha – revela um sonho recorrente entre as vítimas da violência sexual intrafamiliar: “Esse é o lugar onde eu mais sentia medo de ir com meu pai, na montanha. Lá não tem ninguém, e lá embaixo está o mar”. A montanha aparece, então, como representação do medo de reagir e da imensa solidão daquela criança.


Desenho contido no livro "A violência silenciosa do incesto", de Graça Pizá
Desenho contido no livro “A violência silenciosa do incesto”, de Graça Pizá
Adicionar legenda
Esses e outros tantos desenhos e relatos foram colhidos pela psicanalista Graça Pizá e sua equipe ao longo de 15 anos de existência da Clínica Psicanalítica da Violência, no Rio de Janeiro. “Criamos o primeiro centro de estudos e pesquisas sobre o incesto, que é referência no Brasil. E conseguimos detectar e mapear com precisão o universo afetivo da criança que está exposta a esse tipo de violência sexual”, afirma Graça. 

A psicanalista tomou contato com a questão do incesto quando trabalhava com meninas e meninos infratores na Funabem, na década de 1980. “Crianças muito pequenas apareciam com doenças sexualmente transmissíveis, gonorreia, Aids, mordidas ou hematomas, e na época esses indícios não eram investigados. Dentro da própria instituição hospitalar, os casos de abuso sexual eram tidos como tabu”, conta. A maioria daquelas crianças vivia nas ruas depois de ter fugido de casa e do horror do abuso incestuoso. Muitas delas eram exploradas sexualmente e passavam a usar drogas ou a cometer crimes. “Constatei que essas crianças apresentavam sintomas psicológicos e uma gama de sentimentos, emoções e afetos muito intensos e confusos”, diz Graça, que também estudou o tema em sua dissertação de mestrado, O Círculo do Horror: a reclusão hospitalar na infância. “Como não se sabia para onde encaminhar esses casos – muitos saíam do hospital e voltavam para o convívio com o abusador –, decidi criar a clínica.”
 
Isso aconteceu em 1996. Desde então, Graça já atendeu em torno de 5 mil casos. Segundo ela, o incesto é uma violência invisível cuja ocorrência a sociedade resiste em admitir. De acordo com vários estudos, cerca de 70% dos abusos incestuosos são cometidos pelos próprios pais. Dentro das fronteiras familiares, o segredo escondido: o desejo sexual do adulto por aquele que ele mesmo gerou. “O limiar que separa um beijo, um carinho, o dormir nu ao lado da criança e o dar-lhe banho do abuso sexual é muito tênue. Essa extrema proximidade gera medo, um pavor muito grande na sociedade, que não suporta reconhecer essa violência”, afirma.
 
Por conta de sua experiência clínica e de todas as pesquisas realizadas, Graça cunhou o conceito de “criança-fetiche” – transformada em objeto do prazer alheio. O pai não ocupa o lugar simbólico de pai, a mãe não assume sua maternidade. E a criança não se reconhece como criança, já que não é ouvida, seus desejos não são respeitados e ela parece não existir para os adultos. Embora mantidos em segredo, esses “afetos emparedados” – no dizer de Graça – não são fantasia nem invenção das vítimas e sim uma realidade, ainda presente em muitas famílias, a ser enfrentada e revertida.
 
Childhood

Nenhum comentário:

Postar um comentário