sábado, 4 de julho de 2015

Computação cognitiva: sete maneiras de mudar, de vez, a vida das pessoas

O termo é novo e ainda complicado de entender — mas promete guiar a nova era da tecnologia da informação, em que computadores pensarão quase como seres humanos
                           
ÉRIKA KOKAY
29/06/2015       

Em 2011, o supercomputador da IBM ganhou com grande vantagem dos americanos Ken Jennings e Brad Rutter, dois conhecidos vencedores do programa de TV 'Jeopardy' (Foto: Ben Hider/Getty Images)
 
“Se existe algo mais importante que o conhecimento, é saber como usar esse conhecimento”, diz Fábio Gandour, cientista-chefe da IBM Brasil. Essa frase pode resumir o próximo grande avanço da humanidade no campo tecnológico, que já está acontecendo em passos tímidos, como todo início de grandes transformações. A computação cognitiva, termo técnico desse avanço, promete mudar a forma como tratamos a informação.
 
Fazendo um resumo rápido da história da computação, as máquinas mais antigas eram capazes de fazer cálculos. Anos depois, surgiram os sistemas programáveis, que são aqueles utilizados até hoje em nossos celulares, por exemplo. O próximo passo, a computação cognitiva, traz uma tecnologia capaz de processar informações e de aprender com elas de forma muito semelhante ao cérebro humano, sem que precise ser programada.
 
“A complexidade do mundo em termos de variedade de opções nos coloca num momento em que precisamos de uma máquina para apoiar nossas decisões”, diz Gandour, que afirma estarmos entrando numa nova era. “Antes, a computação era capaz apenas de produzir e distribuir conhecimento. Agora, ela não só dá o conhecimento, mas também formas inteligentes de usá-lo.”
 
Um exemplo simples de como a computação cognitiva pode funcionar: você tem R$ 5 mil e quer fazer uma aplicação. O computador tem seus dados e sabe que você é uma pessoa propensa a aceitar riscos. Ele então vai lhe dar um leque de opções, com suas respectivas probabilidades de sucesso, baseadas em evidências reais: aplicação na bolsa, investimento no mercado de derivativo, colocar na poupança, e por aí vai.
 
A multinacional IBM entrou na nova era da tecnologia com seu sistema de computação cognitiva Watson, já utilizado em diferentes indústrias. “Neste momento, estamos atravessando uma ponte entre ciência e tecnologia e chegando à praia do negócio”, diz o cientista da empresa. (Os exemplos estão na lista abaixo).
 
Tudo começou em 2011, quando a companhia colocou sua máquina para competir com dois conhecidos vencedores de um programa popular de perguntas e respostas da televisão americana, chamado Jeopardy. Resultado: o Watson venceu os concorrentes por uma larga margem de pontos (foto acima). O evento teve forte impacto na mídia, e hoje a IBM já possui mais de 280 parceiros comerciais para o uso de sua tecnologia.
 
A tecnologia Watson, da IBM, já está sendo aplicada em sistemas de mais de 280 empresas pelo mundo (Foto: Sean Gallup/Getty Images)
 
No Brasil, a companhia americana sentiu a necessidade de ensinar, na universidade, essa nova tecnologia. “O que adianta termos uma ciência altamente sofisticada se as pessoas não souberem usá-la?”, diz Gandour, ao contar que a IBM firmou acordo com três instituições de ensino em São Paulo para formar profissionais especializados em computação cognitiva.
 
A partir de 2016, Mackenzie, ESPM e Insper ganharão disciplinas relacionadas a este tema em cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado em diversas áreas. De acordo com o cientista, que está à frente dessas parcerias, essas serão as primeiras cadeiras ligadas à tecnologia da cognição no país. “O que há nas escolas brasileiras é a velha e boa inteligência artificial”, afirma. “Lá fora, por outro lado, a IBM já tem contrato com 130 universidades. Aqui temos três, mas é um começo.”
 
Conheça abaixo sete provas de que a computação cognitiva é de fato capaz de mudar a vida de pessoas e profissionais:
 
1. Na cura do câncer

“O tratamento do câncer é a ponderação de inúmeras fontes de conhecimento”, afirma Gandour, graduado em medicina. Um oncologista, para identificar a melhor terapêutica para tratar certo tipo de câncer, precisa analisar uma infinidade de dados — a idade do paciente, o aparecimento da lesão, as condições de cirurgia, o tipo da doença, e por aí vai —, e então aliar todo esse conhecimento à própria experiência. “Ele tem de olhar em todas as fontes de conhecimento para tomar uma decisão. E não está dando”, diz o cientista, completando que a tecnologia pode exercer essa função de forma muito mais precisa.
 
Assim surgiu o Watson Oncology, um sistema que usa a computação cognitiva para recomendar tratamentos contra o câncer. Seu banco de dados inclui milhares e milhares de pesquisas científicas na área, além de históricos reais de pacientes que se livraram ou não da doença. Eis como funciona: o médico garimpa todas as informações necessárias sobre o enfermo e as fornece ao computador, que responderá com os possíveis tratamentos e suas chances de cura. “O Watson vai dizer ao médico: ‘se você usar o protocolo x, a probabilidade de dar certo é de 61%. Se não puder usar esse protocolo, você pode usar o y, mas a probabilidade de cura é só de 50%’”, afirma Gandour.
 
A IBM possui parceria com dois hospitais líderes no tratamento do câncer nos Estados Unidos, que já estão trabalhando com o Watson Oncology: o MD Anderson, em Houston, no Texas, e o o Memorial Sloan-Kettering, em Nova York.
 
2. Na música

Um recém-anunciado aplicativo quer mudar a forma como as pessoas ouvem música e descobrem novos artistas e sons. O MusicGeek, criado pela empresa britânica Decibel Music Systems, usa a tecnologia Watson para vasculhar a internet — de sites a mídias sociais — e identificar conexões e tendências musicais, a partir de uma busca feita pelo usuário no próprio aplicativo. Essa pesquisa pode ser o nome de um artista, canção, álbum, tema, estilo musical, localização, ou a combinação de dois ou mais termos.
 
O próximo passo é associar esses conhecimentos adquiridos na web com as informações já presentes no banco de dados da Decibel. Em questão de segundos, o usuário recebe uma lista inteligente de recomendações de novas músicas e seus respectivos artistas, todas relacionadas à busca inicial. Esse vídeo aqui explica como vai funcionar, em inglês.
 
3. Na culinária

Essa aqui talvez seja a forma mais acessível de usar a computação cognitiva no dia-a-dia. Com o banco de dados do Bon Appétit, um dos maiores sites de receitas do mundo, a IBM criou o aplicativo Chef Watson, que utiliza a computação cognitiva para fazer recomendações culinárias, levando em conta o próprio gosto pessoal de usuários.
 
Um exemplo: você tem tomate, aipo e gengibre na geladeira, e quer usar esses ingredientes para preparar o almoço. No site do programa, você seleciona esses três alimentos e vai receber algumas ideias de receitas, assim como a chance dessa mistura dar certo. “Por outro lado, se os ingredientes são mais incompatíveis, como banana, chuchu e vinho, por exemplo, a probabilidade de convergência dessas respostas vai ser baixíssima”, afirma Gandour.
 
E aqui entra, com ainda mais força, a computação cognitiva: você selecionou tomate, aipo e gengibre, o sistema sugeriu uma receita, você preparou e aprovou o prato. No site, você dá um feedback positivo. O que acontece? “Na próxima vez que alguém na Malásia quiser misturar tomate, aipo e gengibre, a resposta do Watson vai ser ainda mais favorável, pois ele ‘aprendeu’ que aquela combinação dá certo”, diz o cientista. Com o uso, o chef digital também é capaz de "aprender" as preferências culinárias do próprio usuário, fazendo recomendações cada vez mais certeiras.
 
O Chef Watson já está disponível gratuitamente na internet, em inglês. O projeto também virou livro, chamado Cognitive cooking with Chef Watson, que reúne 65 receitas com combinações inéditas de ingredientes criadas a partir do aplicativo. Também em inglês, está sendo vendido na Amazon desde abril deste ano, com entrega no Brasil.
 
4. Na indústria hoteleira

Com a computação cognitiva, a experiência em viagens também pode melhorar. A empresa Go Moment, por exemplo, especializada em soluções móveis para a indústria hoteleira, criou em parceria com a IBM o aplicativo Rev1. Oferecido a hotéis, o sistema é capaz de responder, no mesmo minuto, dúvidas simples dos hóspedes e atender a algumas de suas necessidades, como o pedido de refeições no quarto ou recomendações de pontos turísticos da cidade.
 
O hóspede quer saber o horário em que o café da manhã é servido? O “concierge digital” lhe responde na hora. Dessa forma, a equipe do estabelecimento fica mais livre para realizar as funções que pedem um tratamento mais pessoal. O hotel The Line, em Los Angeles, nos Estados Unidos, começou a usar o serviço em março deste ano.
 
5. Nos cuidados com a saúde

Esse serviço funciona de maneira bem parecida com o direcionado ao câncer, mas tem como objetivo o atendimento altamente personalizado de pacientes de hospitais, de uma forma geral. A empresa americana hc1.com, por exemplo, já está utilizando a tecnologia Watson para esse fim.
 
O novo sistema analisa várias fontes de dados — de postagens em redes sociais a pesquisas científicas — para reunir conhecimentos, ou ‘insights’, sobre a personalidade de cada indivíduo. Em seguida, esses dados são fornecidos a médicos e a outros profissionais da saúde para que eles atendam seus pacientes de forma mais personalizada, aumentando assim a confiança e fidelidade dos clientes com o hospital. Além disso, a tecnologia permite que os centros de saúde entendam melhor a população de pacientes de cada região, algo que já está sendo feito pelo grupo Eskenazi Health, também nos Estados Unidos.
 
Outra forma de usar a computação cognitiva nos cuidados com a saúde é por meio do aplicativo CafeWell Concierge, criado pela companhia americana Welltok e já disponível para dispositivos móveis, em inglês. Operado pela tecnologia Watson, o sistema analisa as condições da saúde, os interesses pessoais e os objetivos de cada paciente para então fornecer recomendações mais personalizadas de cuidados com o corpo.
 
6. Na indústria de energia

Empresas de energia enfrentam o crescente desafio de se manter alinhadas com as diretrizes regulamentadoras do ramo. E usamos aqui o termo “desafio” porque os requisitos legais para se operar refinarias e fábricas de produtos químicos podem ser escritos em muitas milhares de páginas. Sem contar com o valor das multas pelo descumprimento da lei, que não para de crescer. Assim, os técnicos encarregados de manter as fábricas funcionando são obrigados a conhecer linha por linha da legislação, para não correr riscos. Aqui, um computador inteligente cairia bem.
 
A computação cognitiva já está operando num sistema chamado NLG (sigla para Geração de Linguagem Natural, em inglês), da companhia britânica Arria, oferecido a empresas de energia. A engenhoca é capaz de consultar a legislação para obter as respostas necessárias, combinar esse conhecimento jurídico com o conhecimento prático da área e então gerar, em segundos, relatórios que vão ajudar na decisão dos especialistas. Menos tempo e menos riscos.
 
7. Na Justiça

Outro campo onde a computação cognitiva pode atuar de forma muito eficiente é na área jurídica. Primeiro: os processos se repetem, mas cada um tem suas mínimas particularidades. Segundo: tudo deve ser julgado com base nas leis. Por que não jogar todas essas informações — históricos de processos e a legislação vigente — num computador? “O juiz tem de tomar uma decisão com base num calhamaço de papéis do processo. Ele pode ler todas as duas mil páginas e compará-las com a lei, dentro do seu entendimento. Ou pode usar o Watson, que vai ajudá-lo a interpretar o processo à luz da jurisprudência existente”, diz Fábio Gandour.
 

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