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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A maternidade, anos mais tarde

É mágico quando se percebe que já tem de conversar com os filhos de igual para igual


 2 OCT 2015

Dia 29 de setembro é São Miguel. Não costumo lembrar-me dos santos nem sequer dos aniversários, mas meu filho Miguel sabe que quando chegar o seu dia (como se diz em certas regiões da Espanha do dia da pessoa no Santoral) receberá um telefonema, e não será o meu, mas o de seu padrasto. São Miguel é, por sua vez, o patrono de Úbeda, um motivo a mais para o especialista em onomástica da minha casa se lembrar de cumprimentar o enteado. Quando as relações com os filhos adultos são boas, poderiam ser definidas à maneira como fez Montaigne e que tanto agrada a Muñoz Molina: “Uma amizade verdadeiramente paternal”. É muito satisfatória essa paternidade ou maternidade na qual os laços biológicos não intervêm.
Não se costuma falar dela, salvo quando as crianças são adotadas, mas está presente em muitas de nossas famílias. Nossos filhos têm mãe e pai, mas também desfrutam de segundas mães e segundos pais que velam por eles com tanto zelo como o fariam por aqueles que são de seu sangue. O sangue continua pesando mais do que deveria, mas eu resisto a ser seduzida por seu influxo: são meus os filhos que não pari, mas que tive de educar, alimentar e amar desde que eram muito pequenos. Não é fácil: é preciso seduzir as crianças mesmo quando resistem a gostar de você, ou ainda quando estão predispostas a não gostar de você, mas essa conquista torna mais valiosa a relação futura.
Esse futuro, no nosso caso, chegou. Temos quatro filhos. Esses quatro filhos têm, por sua vez, outros lares nos quais se refugiar. A princípio, essa segunda realidade à margem da que se controla era dura, ninguém está a salvo da mesquinhez da concorrência afetiva, mas aprende-se com a experiência. Há pessoas que se instalam no rancor até a morte e infestam de rancor os filhos e os netos. Vidas feias e estéreis.
Compreendo que as dificuldades de adoção transformaram esta particular forma de paternidade e maternidade em algo mais comentado, mas as dificuldades dos que precisaram compartilhar a condição de mãe e pai com outros não são menores. Os primeiros anos da maternidade têm recebido especial atenção nos dias de hoje. É lógico, é uma época na qual tudo parece combinar para que uma mulher não encontre o momento de ter filhos: a ridícula ajuda estatal, os empregos precários, as famílias menores, a falta de condições de trabalho, os irritantes horários espanhóis. Isso unido a uma nova tendência que exige das mães a renúncia por alguns anos a outras vocações. Como é difícil ser mãe em tempos nos quais essa condição está carregada de tantas exigências.
Pensei nisso nesta semana ao ler o artigo Filhos, de Purificació Mascarell, compartilhado nas redes sociais, no qual a autora defende a possibilidade de não se reproduzir. Mascarell define as mães como seres abduzidos por servir a criança, compartilhando sem cessar conversas focadas obsessivamente em fraldas, amamentação e as horas sem dormir; jovens privadas da sexualidade, horas de leitura, descobertas noturnas e de ambição profissional. É assim em muitos casos, é assim durante alguns anos, foi assim até mesmo para as que começaram a trabalhar poucos dias depois do nascimento de nossos filhos. A mente está tão seduzida pelo bebê que não existe nada que possa competir com essa particular paixão. E daí? A vida passa. Passa a primeira infância na qual uma criança é uma continuação do próprio eu. Passa a adolescência e seu doloroso desapego. De repente, o estranhamento da idade adulta, e com ela um período pouco descrito, do qual quase nada é dito: o momento mágico em que se percebe que é preciso conversar com os filhos de igual para igual, sem atribuir a você mesma maior sabedoria.
Um capítulo libertador da vida no qual a razão não está automaticamente do seu lado. Ao contrário do que se diz, os primeiros momentos da maternidade não são idílicos: uma criança é uma bomba que cai em uma casa e nunca sabemos quais efeitos colaterais irá provocar. O que deveria despertar a inveja naqueles que decidem não ter filhos é esse novo tempo enriquecedor no qual é possível falar sobre qualquer coisa com os adultos criados por você. Esses jovens que tiraram seu sono, tiraram você do sério, impediram a participação em experiências fascinantes e noites de aventura, são os que agora te proporcionam momentos de conversa apaixonada. Existe esse tempo no qual as mães têm a mente colonizada, nos falta sono e sensualidade e nos sobra cansaço. Mas depois vem a recompensa, quase secreta de tão pouco expressada. Somente quem prova pode apreciar seu valor: a maternidade e a paternidade, anos mais tarde.

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