Por Marília Fuller - marilia.fuller@usp.br
1/outubro/2015
As práticas diferentes daquelas existentes na Bolívia — ou mesmo desconhecidas — e a ausência de domínio do idioma português são algumas das limitações para as imigrantes bolivianas no acesso aos cuidados nos serviços de saúde em São Paulo, especificamente na gravidez, no parto e no pós-parto. Esse é um dos resultados apontados pela enfermeira peruana Rosario Avellaneda Yajahuanca em sua tese de doutorado, recentemente defendida na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
O estudo, que teve a orientação da professora Carmen Simone Grilo Diniz, teve início em 2011 e objetivou compreender as experiências vividas por essas mulheres durante a assistência à saúde na sua gravidez, parto e pós-parto em São Paulo. A enfermeira observou imigrantes bolivianas grávidas durante e após a sua estadia em um hospital da zona leste da capital.
Atualmente, os bolivianos representam o grupo mais numeroso entre os hispano-americanos que vivem na cidade, com grande contingente de mulheres em idade reprodutiva. Neste processo migratório, elas trazem consigo costumes de tradições culturais. Segundo a Rosário, “é importante abordar a temática porque há necessidades de ações mais afirmativas no âmbito da saúde para se criar políticas públicas com adequação intercultural”.
“Na cultura da maioria das mulheres bolivianas, a valoração de normas tradicionais relaciona-se com poder atuar de forma autônoma no cuidado da saúde, de forma menos invasiva”, explica a pesquisadora. Em contrapartida, Rosario aponta que, no Brasil, os cuidados em relação a gravidez, parto e pós-parto, são vivenciados com dificuldades e sofrimentos porque há uma certa imposição em adaptar-se aos protocolos institucionais que primam a tecnologia. Muitas vezes, essas novas práticas podem ser violentas e traumatizantes, aumentando a vulnerabilidade e a angústia destas mulheres de cultura e tradições diferentes.
Contato com pacientes
A pesquisa de Rosario é um estudo qualitativo de base etnográfica. De segunda a sexta-feira pela manhã, ela observava as pacientes do hospital, além de realizar plantões noturnos. “Também participei como intérprete de português para espanhol, auxiliando as mulheres que não entendiam ou falavam língua portuguesa”, relata. Isso lhe possibilitou ganhar a confiança das bolivianas, as quais expunham suas dúvidas e preocupações pelos seus filhos que ficaram em casa e pelo retorno ao trabalho depois da alta hospitalar.
De um total de 106 mulheres acompanhadas durante a coleta de dados, foram selecionadas 10 para serem entrevistadas. Passadas duas semanas da alta hospitalar, eram realizadas entrevistas em espanhol na casa das mulheres, sempre aos sábados e domingos pela tarde. “A escolha das casas como local para a entrevista se deu por considerar um espaço com maior tranquilidade e privacidade”, explica a doutoranda. Os maridos acompanhavam a maior parte das entrevistas. Durante essas visitas, Rosario também sentiu a necessidade de conhecer espaços como a Praça Kantuta-Pari e a Rua Coimbra, locais frequentados pelas famílias bolivianas.
Divergências culturais
Além da dificuldade de comunicação devido ao pouco conhecimento de português, as diferenças culturais são as maiores adversidades na gravidez, no parto e no pós-parto apontadas pelo estudo de Rosario. “Muitas das mulheres dizem que gostariam que não fossem vistas como ‘bichos raros’, tratadas com descaso e inferioridade pelo fato de serem estrangeiras”, releva. A pesquisadora explica que, mesmo que hajam profissionais bons os quais se esforçam para compreender e auxiliar as pacientes, grande parte da equipe dos hospitais apenas se indigna de precisarem atender essas mulheres.
A exposição do corpo durante o parto também mostrou colocar a parturiente em mais uma situação de vulnerabilidade e os cuidados acabam sendo rejeitados pelo incômodo e o pouco respeito à sua privacidade, sendo práticas consideradas anormais. Há, ainda, o uso de técnicas inapropriadas à cultura boliviana, como episiotomias, manobras de Kristeller e toques vaginais. A utilização de fórceps e da cesárea são vistos como práticas agressivas para seus corpos, já que as parturientes bolivianas esperam por um parto natural.
Considerando tais resultados, Rosario concluiu que seu doutorado permitiu conhecer o contexto social e cultural de algumas práticas tradicionais das mulheres bolivianas e, principalmente, suas diferenças em relação à cultura existente no Brasil. A adaptação da assistência às especificidades culturais, a oferta de um ambiente mais acolhedor e a garantia do direito ao acompanhante no parto podem reduzir os medos e desconfianças pelos quais passam as pacientes, contribuindo para uma melhor assistência.
Rosario é formada pela Universidad Nacional de la Amazonía Peruana, na cidade de Iquitos, Peru. Durante sua pesquisa, intitulada de A experiência da gravidez, parto e pós-parto das migrantes bolivianas e seus desencontros na cidade de São Paulo, teve bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG).
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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