domingo, 8 de novembro de 2015

Ampliação do FGTS para os domésticos: posição favorável

03/11/2015 por Luiz Fabre

Três são as críticas mais correntes ao Direito do Trabalho: 1) tratar-se-ia de um direito defasado, arcaico, descompassado com os atuais modelos produtivos; 2) é corporativista, com inspirações fascistas; 3) haveria um excesso de direitos trabalhistas encarecedor do custo da mão de obra e, neste sentido, voltar-se-ia contra o próprio trabalhador porquanto inibitório da criação de novos postos de trabalho.

Entendo, respeitosamente, que tais críticas não resistem a um exame mais aprofundado. Prodromicamente, é certo que a Consolidação das Leis do Trabalho, principal veículo introdutor de normas trabalhistas, data de 1943. Não obstante, seus preceitos foram geralmente confirmados em 1988 pela Constituição Federal e passam por constante atualização. Se tem algo de que o jurista da área tem razão em reclamar é da velocidade com que livros e coletâneas de leis se tornam defasadas, tal é a profusão de novas leis, súmulas e orientações jurisprudenciais a cada ano. Um vade mecum de dois anos atrás já é praticamente inútil.

Quanto a tratar-se de um diploma de inspirações fascistas, é certo que nas origens houve influência da Carta del Lavoro e da Lei Rocco na consolidação do direito do trabalho brasileiro: uma resistência ao conflito e a ideia de absorção das disputas pelo Estado. Mas não podemos confundir a mens legislatoris (vontade do legislador) com a mens legis (vontade da lei). Esta se desprende da primeira e adquire independência a partir das interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que se sucedem, de forma que não temos senão um direito do trabalho que é chancelado em Genebra, na Organização Internacional do Trabalho, como um piso mínimo vital de direitos sociais para nações ditas civilizadas. Não obstante, há ranços demagógicos, é verdade, sobretudo em Direito Coletivo do Trabalho, mas seria tema para um outro trabalho.

Finalmente, há a terceira crítica: o excesso de direitos do trabalho. Não vejo tal excesso. Onde? É excessivo limitar uma jornada em oito horas? O que seria desejável? Que fossem doze horas? Em uma cidade como São Paulo, comumente se leva uma hora para ir e outra para voltar do trabalho; os especialistas recomendam oito horas de sono; somando-se tudo a doze horas de trabalho, sobram duas horas para o lazer e o tempo com a família. Seria esse o parâmetro do aceitável? De resto, seria excessivo um descanso semanal remunerado? Férias de trinta dias? Um salário mínimo? Seria excessivo um aviso prévio, considerando-se que nosso sistema admite a resolução contratual por denúncia vazia e as contas continuam a vencer normalmente? E a verba rescisória, para essa situação de desemprego involuntário? Realmente, não consigo enxergar o excesso de direitos do trabalho.

Vejo, ao invés, dois problemas ao encontro desta terceira crítica: em primeiro lugar, há um custo elevado de encargos sobre folha. Mas são, principalmente, tributos. Caso incidissem sobre o lucro ou o faturamento, ficaria claro que o real “vilão” é a incapacidade administrativa do Estado, e não a carteira de trabalho assinada.

Em segundo lugar, há um problema burocrático grave. Exemplo claro é a legislação trabalhista exigir um documento do empregador intitulado PPRA e a legislação previdenciária exigir o LTCAT, quando poderiam ser um único instrumento, eis que similares os conteúdos. Ou então, a necessidade de se recorrer a um contador para contratar um empregado, na medida em que será necessário anotar Carteira de Trabalho, Livro de Registro de Empregados, lançar informações na RAIS, no CAGED, no SEFIP... Quando, em tempos de informática, talvez bastasse apenas assinar a Carteira e informar tudo em um único portal na Internet.

Enquanto a desoneração de folha claudica diante do retumbante déficit fiscal, ao menos a simplificação de procedimentos avança por meio do E-Social e do Simples-Doméstico. Oxalá a experiência se expanda.

Pois bem.

Todo empregado faz jus ao FGTS e à multa de 40% sobre o saldo devido de FGTS na hipótese de resilição contratual sem justa causa. Sendo o doméstico titular de igual dignidade em comparação a todos os demais trabalhadores, sempre considerei desproporcional o discrímen que na prática o privava do FGTS. Esta discriminação jurídica ilícita foi afastada pela Emenda Constitucional 72/2013, estendendo o FGTS compulsório ao doméstico.

O art. 22 da Lei Complementar 150/2015 antecipou o depósito da multa de 40% sobre o FGTS quanto aos domésticos: ao invés de se pagar 40% ao final do contrato de trabalho, deposita-se 3,2% sobre o salário a cada mês (3,2% sobre o salário é o mesmo que 40% sobre 8% do salário que deve ser recolhido como FGTS) em conta vinculada. Este valor será sacado futuramente em caso de ruptura sem justa causa ou por culpa do empregador. Havendo culpa recíproca, cada parte levantará metade. Nas demais hipóteses de extinção do contrato de trabalho, os valores serão movimentados pelo empregador.

Temos aqui, é certo, oneração sobre folha, mas não se trata de tributo; é apenas o preço acertado pela denúncia vazia. Enquanto não sobrevier a lei complementar de que trata o art. 7º, I, da Constituição Federal, trata-se de direito social fundamental para o trabalhador se contingenciar em face das agruras do desemprego involuntário. Quanto à sistemática de recolhimento antecipado, a solução é feliz e em prol da desburocratização de procedimentos, pois o recolhimento se dá no mesmo ato do depósito mensal de FGTS, minorando desgastes no momento de uma futura resilição e, sem dúvida, aliviando a carga de processos judiciais.

Evidentemente, o custo da mão de obra doméstica se elevará. Ou melhor, seguirá tendência mundial materializada na Convenção 189 da OIT de equiparação ao custo da mão de obra comum (pois todos os seres humanos são, em tese, dotados de igual dignidade). É a marcha da implementação progressiva dos direitos sociais.

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