quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Feminicídio de mulheres negras evidencia sobreposição da violência de gênero e do racismo

11/11/2015
Nos últimos dez anos, o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54%, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, caindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. Os dados são do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio do escritório no Brasil da ONU Mulheres, da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, divulgado em evento promovido ontem (09/11) em Brasília.

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Autoridades presentes no lançamento do Mapa da Violência 2015 (esquerda para direita): Luis Codina (OPAS), Eleonora Menicucci (SPM), Nilma Lino Gomes (ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos), Ivana de Siqueira (coordenadora da Flacso Brasil) e Nadine Gasman (ONU Mulheres) (Foto: Géssica Brandino)
Políticas específicas para enfrentar o racismo e o sexismo
Para a ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, os números revelam a necessidade de se avançar em termos da articulação das lutas e esforços para que o racismo, sexismo, feminicídio e outras formas de violência sejam superados.
“A questão da mulher negra nos quadros de violência nos leva a refletir sobre uma sociedade que ainda é racista, patriarcal e sexista. Quanto mais temos o conceito de raça e cor inserido nas pesquisas, mais nós, como governo, podemos recolher esses dados e mostrar para a sociedade brasileira que essa é uma problemática que precisa ser enfrentada”, defende Nilma.
Segundo a ministra, a violência contra as mulheres possui “clivagens perversas e consegue se tornar ainda mais cruel de acordo com a raça, orientação sexual, renda, idade, localização rural/urbana, capital/município e também se relaciona com a desigualdade regional”. Diante disso, é necessário pensar em políticas específicas para superar tal cenário.
A secretária de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, destaca que as mulheres negras são as mais vulneráveis e expostas e que há “um processo de escravidão enorme em nosso país. Essa dívida histórica com a população negra nenhum de nós, brancos, temos condições morais e éticas de esquecer”.
A secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, aponta para a existência da “sobreposição da violência de gênero e do racismo, porque as mulheres negras, dentro das camadas da sociedade brasileira, são aquelas que mais são excluídas e, portanto, são vítimas”. Outro ponto que interfere no índice de mulheres negras, segundo ela, é o “clima de ódio que assola o país e que tem feito com que a intolerância, seja racial ou pelas relações afetivas ou de gênero, também fosse para dentro de casa e fizesse vítimas”.
O fato de o estudo trazer o recorte racial faz com que a questão das mulheres negras apareça com mais evidência do que em outros levantamentos. “Com os dados que temos, vemos que esse recorte a cada dia tem mais importância para explicar os níveis dos homicídios, entre os jovens, mulheres e crianças. Com a raça está acontecendo o mesmo que com as mulheres: os movimentos começam a ter mais visibilidade e passam a sofrer reações de quem não quer esse tipo de sociedade”, destaca o autor da pesquisa, Julio Jacobo Waiselfisz.
Para o sociólogo, a queda do homicídio de mulheres brancas ocorre porque as políticas públicas se destinam a bairros onde vivem pessoas brancas e a segurança pública se desloca dos bairros pobres para os mais abastados. O especialista ainda chama atenção para a invisibilidade da morte dos negros na mídia. “É preciso que haja uma chacina de cinco negros para virar notícia, mas se morrer uma empresária branca, acabou o mundo. A mídia, dessa forma, também contribuí para criar um ambiente de sexismo.”
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Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, avalia que os dados demostram que “recaem sobre as mulheres negras o impacto mais cruel das desigualdades estruturais existentes no Brasil”. Nadine reforça que foi a prevalência do racismo em nível internacional que motivou a Assembleia Geral da ONU a estabelecer a Década Internacional dos Afrodescendentes e chamar atenção para a “Marcha das Mulheres Negras: contra o racismo e o pelo bem viver”, que será realizada em Brasília, em 18 de novembro, e que contará com a participação da diretora executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka.
“O processo de construção da Marcha tem sido importante pela rearticulação política de mulheres negras frente à violência da qual são vítimas diretas, como mostra o Mapa, e também indiretas, quando vitima 27 mil jovens negros por ano. Não podemos ficar indiferentes a esses dados. Eles devem ser noticiados, problematizados e mobilizar ações de prevenção e eliminação da violência.”
Por Géssica Brandino

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