domingo, 8 de novembro de 2015

Os homens não são ridículos

Na batalha de poder em que as relações às vezes se transformam, é vantajoso parecer capaz de se recuperar mais rápido e recomeçar, como se nada tivesse acontecido

IVAN MARTINS
06/11/2015
. (Foto: Wikimedia Commons, Adolphe Willette)


Li, surpreso, a coluna da Folha de 03 de novembro em que a antropóloga Mirian Goldenberg afirma, sem qualquer espécie de ressalva, que os homens são ridículos porque têm medo da solidão. Demonstrariam isso correndo atrás de novas mulheres tão logo um relacionamento acaba, apavorados com a perspectiva da tristeza e do luto. Eles arrumam qualquer parceira às pressas, diz Mirian, atropelando seus verdadeiros sentimentos. São movidos apenas pela necessidade de companhia. Qualquer companhia. Logo, são frágeis e irracionais. Ridículos.
Não sei quanto a vocês, mas eu não me reconheço nessa caricatura. Tenho sofrido o meu quinhão de luto e vejo ao meu redor homens penarem com as dores da separação – assim como vejo gente fazendo algo parecido com o que Mirian descreve. Homens e mulheres. Algumas pessoas simplesmente não aguentam a cama vazia ou o domingo solitário. Sentem que se afogam e se agarram a qualquer pessoa. Muitos homens agem assim. Há mulheres que fazem o mesmo. Nem um nem outro merecem o adjetivo de ridículo. São apenas gente que lida mal com a solidão.
A ideia de que os homens – mais do que as mulheres - embarcam em qualquer relacionamento para evitar o vazio da separação também me parece duvidosa. O que os homens tendem a fazer - mais do que as mulheres – é tentar fugir da dor com namoricos e sexo casual. Enquanto a mulher separada hiberna, o sujeito separado cai na farra. Mas isso não significa que ele vá se casar com a primeira que aparecer. A cultura sentimental masculina é evasiva, não suicida.
Muitas mulheres se ressentem da facilidade (e da superficialidade) com que os homens se relacionam novamente depois das separações. É um sentimento de frustração (e às vezes de inveja) que transparece no título agressivo que Mirian escolheu para o seu artigo. Na batalha de poder em que as relações às vezes se transformam, é vantajoso parecer capaz de se recuperar mais rápido e recomeçar, como se nada tivesse acontecido. Mas isso, claro, não é verdadeiro. Os homens sofrem, mesmo quando parecem estar se divertindo, e os mais inteligentes têm inveja da maneira estoica com que muitas mulheres lidam com a dor. Lá na frente, elas emergem da solidão cicatrizadas, enquanto os farristas passam anos convivendo com os efeitos da ruptura não resolvida.
Tudo isso é conhecido e já foi dito muitas vezes. Inclusive por mim. O que me parece menos discutida é a razão para os comportamentos distintos.
Podemos admitir, como hipótese, que as mulheres sejam seres humanos emocionalmente mais avançados do que os homens. Eu gosto dessa ideia, e, sem nenhuma ironia, acho que há nela um tanto de razão. Mas podemos considerar também, por mera hipótese, que o comportamento casto seja mais uma consequência da cultura machista dominante. O homem tem o direito social de sair comendo todo mundo depois do casamento ou do namoro. A mulher talvez sinta que precisa se preservar, para não queimar a possibilidade de relacionamentos futuros. Ao homem separado se admite a libertinagem em todos os meios sociais. Das mulheres ainda se cobra certo grau de castidade, em muitos ambientes. Logo, o que parece virtude e qualidade femininas pode ser apenas outra forma internalizada de opressão. Tenho dúvidas sinceras sobre isso.
Vivemos no Brasil, por estes dias, algo que eu chamaria sem hesitação de primavera feminista. As mulheres estão nas ruas e suas ideias estão por toda a parte. Esta semana, numa iniciativa chamada #AgoraÉQueSãoElas, homens cederam seu espaço na imprensa para que mulheres se manifestassem. É um momento bonito, em que as pessoas de boa vontade conversam e colaboram entre si ao longo da fronteira de gênero, em vez de se entrincheirar no gueto masculino ou feminino e resmungar ressentimentos. Em vez de simplesmente denunciar o outro lado.
Imaginem, por um segundo, que um autor conhecido publicasse esta semana – logo esta semana! - um artigo intitulado “Por que as mulheres são ridículas? ”, enumerando aspectos negativos do comportamento feminino. Soaria como insulto, não? Pareceria provocação. As pessoas esclarecidas diriam tratar-se de um machista, cujos argumentos, embora de aparência racional, viriam amparados em preconceito e ressentimentos. O sujeito seria destroçado.
Num mundo machista, acho que existe algum progresso quando mulheres influentes se sentem livres para publicar grosserias sobre os homens, enquanto os homens de mau gosto são obrigados a conter seu desejo de atacar as mulheres publicamente. É um progresso, mas, francamente, podemos fazer melhor do que isso. Nós todos, homens e mulheres.

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